“Não
existe uma definição de estupidez, mas há muitos exemplos” (A. Baricco)
Moro
praticou crime contra a segurança nacional (como disse Dilma)?
O
termômetro da crise brasileira aumenta a cada minuto. Moro diz que divulgou a
interceptação onde foi captada fala de Dilma, por interesse público.
Dilma
acaba de dizer (num discurso em Feira de Santana-BA) que Moro teria praticado
crime contra a segurança nacional; que em qualquer lugar do mundo quem coloca
em risco a pessoa do presidente vai preso; experimente fazer isso nos EUA, ela
disse; todo corrupto tem que ir para a cadeia, mas para combater o crime não é
preciso acabar com a democracia.
Juridicamente, tudo isso faz sentido ou não?
Moro
pode ser processado por crime contra a segurança nacional? Vejamos, por etapas:
1)
Ninguém mesmo, como disse Moro, “está acima da lei” (estamos numa República):
nem o Lula, nem ele, nem ninguém; antes da posse do Lula, Moro tinha
competência para determinar a sua interceptação telefônica;
2)
Durante as interceptações foram ocorrendo “encontros fortuitos”
(serendipidade), ou seja, várias pessoas com foro especial falaram com ele
(Jaques Wagner, Dilma etc.); Dilma disse que não houve autorização do STF para
captar sua fala. Não era necessário. Moro não investigava Dilma, sim, Lula. O “encontro”
de Dilma foi “fortuito” (por acaso).
3)
No curso de uma investigação de 1º grau, quando aparece qualquer indício de
crime ou de desvio de função de uma autoridade com foro especial, compete ao
juiz prontamente remeter tudo ao Tribunal competente (STF, STJ etc.);
4)
Todos os juízes do Brasil fazem isso (desde 2008, quando o STF firmou o
entendimento de que o Tribunal respectivo é também competente para a
investigação, não só para o processo);
5)
Na própria Lava Jato o juiz Moro fez isso várias vezes (contra Cunha, por
exemplo);
6)
No caso de Dilma e de Jaques Wagner Moro inovou (quebrando uma praxe de anos);
7)
Em lugar de mandar tudo que os envolvia para o STF (que é competente para
julgar e investigar tais pessoas), deliberou divulgar tudo (hummmm!); quem é
competente para interceptar (no caso da Dilma, o STF) é também exclusivamente o
único competente para divulgar conteúdos captados por acaso;
8)
Todos nós temos total interesse em saber o que as autoridades que nos
representariam andam fazendo de errado (sobretudo com o dinheiro público) –
queremos mesmo uma limpeza na República Velhaca;
9)
A interceptação do Moro não foi ilegal, mas a divulgação sim (a captação vale,
em princípio, como prova contra Lula; mas a divulgação foi juridicamente equivocada);
somente o STF poderia divulgar, porque somente o STF tem competência para
interceptar conversas do presidente da república;
Mais:
10)
É muito relevante investigar Lula, Dilma, Aécio, Renan, Cunha etc. (todos!),
mas também é muito importante observar as “regras do jogo” (do Estado
Democrático de Direito); mais: essas regras devem ser observadas respeitando o
princípio da igualdade;
11)
Se Moro sempre mandou para o STF (e nunca divulgou) o teor daquilo que ele
capta contra uma autoridade com foro especial, deveria ter seguido o que ele
sempre fez;
12)
Não seguindo a lei (nesse ponto) e mudando sua própria praxe, deu margem para
ser criticado por falta de imparcialidade (seria antilulista ou antipetista
etc.);
13)
Várias representações contra Moro já estão tramitando no CNJ e podem surgir
inclusive algumas ações penais, como anunciou o Ministro da Justiça (quebra do
sigilo, art. 10 da Lei 9296/96; Dilma falou em crime contra a segurança
nacional);
14)
As críticas duras também dizem respeito a ter divulgado tudo, sem “selecionar”
o que era pertinente para a investigação (conversas que não têm nada a ver com
a investigação não podem ser publicadas – é crime essa divulgação);
15)
Por força do direito vigente não pode ser quebrado o sigilo telefônico de
advogado, enquanto advogado (havendo suspeita contra ele, sim, pode haver
interceptação);
16)
Ponto que será discutido é o seguinte: na hora da interceptação que captou a
fala da Dilma (13:32h) a autorização do Moro já não existia; nesse caso a prova
pode ser considerada ilegal pelo STF (por ter sido colhida no “diley”);
17)
Moro não apontou em sua decisão os artigos legais e constitucionais do seu ato
de divulgação de “tudo” (há déficit de fundamentação); invocar o interesse
público não vale quando o conteúdo, por lei, não pode ser divulgado (somente o
STF poderia ter divulgado, por razões de segurança nacional, diz Dilma);
18)
Na Justiça nós temos que confiar (desconfiando);
19)
Nossa desconfiança desaparece quando a fundamentação do juiz nos convence da
razoabilidade e legalidade da decisão;
20)
Não queremos aqui nem a desordem política e econômica da Venezuela nem a
desordem jurídica que lá prospera;
21)
Rule of law: Estado de Direito para todos;
22)
A divulgação (ilegítima) do áudio da Dilma pode interferir na convicção dos
congressistas no momento de votar o impeachment(mas se isso for juntado aos
autos vai gerar muita confusão jurídica por ter sido divulgado ilegitimamente);
E
o crime contra a segurança nacional?
A
lei que cuida desse assunto é a 7.170/83. É uma lei com expressões e termos
extremamente vagos (tal como a nova lei antiterrorismo, publicada em 17/03/16).
Todo tipo de interpretação é possível. A desgraça dessas leis é o uso político
delas. Cabe praticamente “tudo” dentro delas. Se o governo quiser enquadrar o
Moro na lei (ou qualquer um de nós, que criticamos duramente os presidentes)
não é difícil. Vejam o que diz a lei:
Art.
1º – Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I – a
integridade territorial e a soberania nacional; Il – o regime representativo e
democrático, a Federação e o Estado de Direito; III – a pessoa dos chefes dos
Poderes da União [o governo dirá que a pessoa da presidenta foi atingida numa divulgação
indevida; não é a interceptação, sim, a divulgação indevida é que vai ser
questionada];
Art.
2º – Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no
Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação
desta Lei: I – a motivação e os objetivos do agente; II – a lesão real ou
potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior [a lei tem um
critério subjetivo – motivação – e outro objetivo – lesão ou potencial lesão
aos bens jurídicos mencionados];
Art.
26 – Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da
Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato
definido como crime ou fato ofensivo à reputação – Pena: reclusão, de 1 a 4 anos; (grifei).
Parágrafo
único – Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação,
a propala ou divulga.
Art.
23 – Incitar: I – à subversão da ordem política ou social; II – à animosidade
entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições
civis; III – à luta com violência entre as classes sociais; IV – à prática de
qualquer dos crimes previstos nesta Lei – Pena: reclusão, de 1 a 4 anos
[expressões vagas, abertas, cabe tudo dentro, se não foi feita uma
interpretação prudente];
Art.
22 – Fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para
alteração da ordem política ou social; II – de discriminação racial, de luta
pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa; III – de
guerra; IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei – Pena: detenção, de 1
a 4 anos.
A
competência para investigar crime contra a segurança nacional é da Polícia
Federal e a competência para julgar é da Justiça Militar.
O
termômetro das crises brasileiras está subindo. Está alcançando octanagem
extrema. O impeachment está correndo aceleradamente. Moro, por ter divulgado
incorretamente, ilegalmente, um conteúdo interceptado (licitamente, repita-se),
pode ser processado pelo governo por crime contra a segurança nacional (a lei é
extremamente vaga, repito). Se a prudência e o equilíbrio não prosperarem, de
fato nossa democracia vai embora.
CAROS
internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento
Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos
comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção
cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados)
que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os
partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção(PT, PMDB, PSDB,
PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são
fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores não do bem, sim, dos
interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado.
Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda
imoralmente os defende.
Luiz
Flávio Gomes é professor e jurista, Doutor em Direito pela Universidade
Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Exerce o cargo de
Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Atuou nas funções de Delegado,
Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Advogado. Atualmente, dedica-se a
ministrar palestras e aulas e a escrever livros e artigos sobre temas
relevantes e atuais do cotidiano
http://www.viomundo.com.br/denuncias/luiz-flavio-gomes-moro-pode-ser-processado-pelo-governo-por-crime-contra-a-seguranca-nacional-por-ter-divulgado-incorretamente-ilegalmente-um-conteudo-interceptado.html
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