Juízes
divulgam nota em que afirmam que não se combate corrupção corrompendo
Constituição. Os magistrados consideram grave a forma como foram conduzidos os
recentes acontecimentos. Confira a íntegra
juízes
nota de repúdio lula lava jato
A
Associação Juízes para a Democracia (AJD) divulgou nota na manhã desta segunda
(7), com críticas a ação da Operação Lava Jato que conduziu coercitivamente o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento. “A defesa do
Estado Democrático de Direito não pode se dar às custas dos direitos e
garantias fundamentais”, diz trecho do documento.
O
texto critica ainda as 10 Medidas Contra a Corrupção, do Ministério Público
Federal. “Não se mostram adequadas à Constituição da República.” A associação
de juízes critica ainda a espetacularização promovida no âmbito da Operação
Lava Jato. “Não se pode concordar com os shows midiáticos, promovidos em
cumprimentos de ordens de prisão e de condução coercitiva (efetivada ainda que
ausentes as situações previstas no artigo 260 do Código de Processo Penal), na
mesma ‘Operação Lava Jato’.”
Os
magistrados consideram grave a forma como foram conduzidos os recentes
acontecimentos. “A violação de direitos e garantias fundamentais, e isso vale
para qualquer cidadão (culpado ou inocente, rico ou pobre, petista ou tucano),
só são comemoradas em sociedades que ainda não foram capazes de construir uma cultura
democrática, de respeito à alteridade e ao projeto constitucional de vida digna
para todos.”
Leia
a seguir a nota da Associação Juízes para a Democracia:
“Não se combate corrupção corrompendo a
Constituição
A Associação Juízes para a Democracia
(AJD), entidade não governamental, de âmbito nacional, sem fins corporativos,
que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito aos valores próprios do
Estado Democrático de Direito, tendo em vista propostas legislativas levadas à
discussão e ações estatais realizadas, em nome do combate à corrupção, que
afrontam os Direitos Fundamentais arduamente conquistados com a promulgação da
Constituição da República de 1988, vem a público dizer que:
1. A gradativa superação do regime
ditatorial instaurado pelo Golpe de Estado de 1964 acabou por revelar à
sociedade a prática de diversos atos de corrupção, antes ocultos em favor dos
detentores do poder político ou econômico, levados a efeito por corporações e
agente estatais, independente de partidos políticos e das ideologias vigentes.
Essas práticas ilícitas prejudicam a qualidade dos serviços públicos e a
concretização dos direitos individuais, coletivos e difusos consagrados na
Constituição da República, afetando a vida de toda a população, especialmente
dos estratos mais pobres.
2. Todos os atos concretos de corrupção que
têm sido revelados e provados ofendem o Estado Democrático de Direito. A
chamada “Operação Lava Jato”, que ocupa as sempre seletivas manchetes dos
jornais brasileiros, é um claro exemplo de uma ação que só poderia ter início
no ambiente democrático, no qual se respeitam a independência das instituições
e a liberdade de expressão, inclusive para que as respectivas qualidades sejam
enaltecidas e os respectivos erros, apontados. Vale, sempre, lembrar que
ilegalidade não se combate com ilegalidade e, em consequência, a defesa do
Estado Democrático de Direito não pode se dar às custas dos direitos e
garantias fundamentais.
3. O problema é que, tal como em outros
momentos da História do Brasil, o combate à corrupção tem ensejado a defesa de
medidas e a efetiva prática de ações não condizentes às liberdades públicas
ínsitas ao regime democrático.
4. Nesse sentido, têm-se que as chamadas
“10 Medidas Contra a Corrupção”, lançadas à discussão pelo Ministério Público
Federal, não se mostram adequadas à Constituição da República. A despeito da
boa intenção envolvida, medidas como a limitação ao uso do habeas corpus; a
distorção da noção de trânsito em julgado trazida pela figura do recurso
protelatório (que, ao lado da possibilidade de execução provisória da pena,
fulmina o princípio do estado de inocência); a relativização do princípio da
proibição da prova ilícita; a criação de tipos penais que, na prática, invertem
o ônus da prova que deveria caber à acusação; o desrespeito ao contraditório; a
violação à vedação do anonimato que se implementa com a possibilidade de fonte
sigilosa; dentre outras distorções democráticas defendidas no projeto de
“iniciativa popular” (porém, promovido e patrocinado por agentes estatais)
trazem o desalento de carregar, em si próprias, a corrupção do próprio sistema
de garantias constitucionais, com o agravante de que, sempre que se alimenta a
ideologia de que o Direito Penal é instrumento idôneo para sanar questões
estruturais complexas, acaba pagando o preço a destinatária habitual do
sistema: a população pobre e vulnerabilizada que lota as desumanas carceragens
espalhadas pelo país.
5. No mesmo sentido, não se pode concordar
com os shows midiáticos, promovidos em cumprimentos de ordens de prisão e de
condução coercitiva (efetivada ainda que ausentes as situações previstas no
artigo 260 do Código de Processo Penal), na mesma “Operação Lava Jato”. Tais
fatos dão visibilidade a fenômenos que sempre alcançaram as parcelas mais
vulneráveis da população brasileira: o desrespeito aos limites legais ao
exercício do poder penal, com a violação de direitos elementares, como a
intimidade e a imagem. A violação de direitos e garantias fundamentais, e isso
vale para qualquer cidadão (culpado ou inocente, rico ou pobre, petista ou
tucano), só são comemoradas em sociedades que ainda não foram capazes de
construir uma cultura democrática, de respeito à alteridade e ao projeto
constitucional de vida digna para todos.
6. Os atos concretos de corrupção no trato
da coisa pública devem ser enfrentados pelo aprofundamento – e não pela
supressão – dos direitos democráticos estampados constitucionalmente. A
implementação de uma reforma política que reduza a influência econômica nas
eleições e nas ações cotidianas da Administração Pública, a exigência de maior
transparência na prática de atos governamentais, o incentivo ao controle pela
sociedade civil sobre todos os Poderes de Estado (inclusive o Judiciário pela
instituição de ouvidorias externas aos tribunais[1]) e a consecução de plena
autonomia orçamentária desses mesmos Poderes e ainda de órgãos participantes da
persecução penal são algumas, dentre tantas outras, medidas que podem ser
eficazes contra o patrimonialismo, de origem colonial, que persiste no Brasil
nas mais diversas esferas estatais, em pleno século 21.
A corrupção, por definição, consiste na
“violação aos padrões normativos do sistema”[2]. Assim sendo, a AJD espera que,
por imperativo lógico e ético, não se combata a corrupção com a disruptura do
próprio ordenamento jurídico, ainda mais se isso significar desrespeito a
avanços civilizatórios e democráticos arduamente conquistados e que hoje figuram
na Constituição da República sob a forma de direitos fundamentais, garantidos
por cláusula pétrea.
São Paulo, 7 de Março de 2016.
A Associação Juízes para a Democracia”
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/03/juizes-lancam-nota-de-repudio-a-conducao-coercitiva-de-lula.html
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