Encarcerar
em massa e de forma irracional, como faz o Brasil, ajuda a aumentar a
criminalidade e a violência.
Recentemente
foi apresentado na Câmara dos Deputados um projeto que cria a Lei de
Responsabilidade Político-Criminal. Segundo seu autor, o deputado Wadih Damous
(PT-RJ), o objetivo principal dessa lei é tornar obrigatória a avaliação do
impacto social e orçamentário de matérias legislativas que tratam da criação de
novos tipos penais ou da intensificação das penas.
Essa
proposta é importante, pois levanta o debate acerca da racionalidade da nossa
legislação penal. Ninguém duvida de que deve haver disciplina na convivência
social.
Salvo
os abolicionistas penais, representados por uma corrente minoritária que propõe
a extinção integral do direito penal, ninguém diverge de que certos crimes,
pela sua violência e/ou recorrência, têm que gerar como consequência o
isolamento de quem os pratica, uma vez que a convivência dessa pessoa com o
ambiente social pode trazer muito prejuízo.
No
entanto, os estudos mais racionais no ambiente da criminologia atestam que o
ideal é um direito penal mínimo. Primeiro, para que o sistema punitivo seja
mais eficaz com relação aos crimes que realmente devem ser punidos.
Segundo,
para que não acabe criminalizando excessivamente as condutas de menor
ofensividade, acarretando graves consequências, como a superlotação dos
presídios e a transformação destes em verdadeiras universidades do crime, onde
a reabilitação do indivíduo é praticamente um milagre.
Sabemos
que, embora esse direito penal mínimo seja indicado pela racionalidade, acaba
não sendo adotado na nossa sociedade, por diversos motivos. Um deles, sem
dúvida, diz respeito a um mecanismo perverso existente na relação entre sistema
penal e mídia, e que é bastante complexo, uma vez que sua dissolução depende de
uma maior maturidade da sociedade para entender o que é o sistema de justiça
penal e quais seus limites de eficácia.
Em
geral, ao menos no Brasil, crimes hediondos e extremamente violentos são
colocados na primeira página dos jornais e anunciados aos brados nos programas
de TV do gênero “mundo cão” por apresentadores cujos comentários extrapolam
todos os limites do que se pode considerar como minimamente racional.
Essa
superexposição, especialmente quando se trata de crimes cruéis, chocantes, gera
na sociedade uma falsa sensação de impunidade, como se todos esses crimes,
amplificados pelo alarido dos Datenas e Rezendes, não sofressem sanção. Essa
percepção por parte da população, por sua vez, leva os legisladores a uma
excessiva criminalização de condutas.
De
acordo com estudo da Associação Latino-Americana de Direito Penal e
Criminologia (Alpec), o Código Penal brasileiro apresenta atualmente 1.688
hipóteses de criminalização primária, além de dezenas de outras leis. E o mais
curioso apontado pelo estudo: 77 leis ordinárias e complementares que deram
origem a novos tipos penais foram criadas depois da promulgação da Constituição
de 1988, a nossa chamada “Constituição Cidadã”.
É
preciso observar que existem dentro do direito instrumentos muito mais eficazes
para tratar de condutas que impliquem prejuízo para a sociedade. Se a pessoa
comete um crime de trânsito, por exemplo, sofre sanções administrativas – é
multada, perde a permissão para dirigir, é obrigada a se reciclar, etc.
O
excesso de penalização, além de não reeducar nem evitar que o indivíduo volte a
cometer uma mesma infração, em geral, leva a dois caminhos. Um deles é a
corrupção policial, já que, não raramente, quando as classes médias e as elites
são atingidas por esse punitivismo, a questão acaba sendo resolvida por meio de
práticas de corrupção.
Já
quando alcança os segmentos mais vulneráveis da população, o caminho é quase
sempre o encarceramento, mesmo quando se trata de um delito de baixa reprovação
social, como, por exemplo, um pequeno furto. E é justamente na cadeia que a
pessoa se transforma num criminoso violento, num agente do crime organizado.
A
excessiva punição a crimes brandos leva o jovem, digamos, “iniciante”, para
dentro da cadeia, onde até por uma necessidade de sobrevivência ele adere ao
crime organizado e passa a praticar atos violentos.
Ademais,
os dados contrariam o senso comum de que se pune pouco no Brasil: somos o
quarto país onde mais se encarcera no mundo. Dependendo da forma como se
computam os dados, ficamos em terceiro lugar, ultrapassado a Rússia e perdendo
apenas para China e EUA.
No
entanto, essa visão equivocada da sociedade a respeito da justiça penal acaba
levando ao superdimensionamento do direito penal, aumentando a criminalização
de condutas, como se prender as pessoas resolvesse um problema cultural. A
repressão não tem a eficácia que se imagina para mudar uma cultura.
Assim,
exigir do legislador uma avaliação econômica e social do impacto gerado pela
criação de um novo tipo penal é extremamente útil. Toda vez que se cria um novo
tipo penal, interfere-se no sistema penal como um todo.
Além
disso, um tipo penal isoladamente visto como justo, ao ingressar no sistema, pode
perder o sentido. Há uma série de absurdos na legislação penal brasileira,
dentre os quais podemos citar algumas punições muito mais rigorosas aplicadas
por crimes patrimoniais que por crimes contra a vida.
A
criminalidade é um problema complexo, que não pode ser resolvido com a criação
de tipologia penal. O nosso sistema jurídico penal é essencialmente irracional
e, por isso, ineficaz. E a ineficácia não está na suposta inação da justiça
penal; pelo contrário. Aprisionar pessoas de forma irracional é que
verdadeiramente ajuda a aumentar a criminalidade e a violência no Brasil.
Precisamos
fazer a defesa de um direito penal mínimo e cobrar do legislador que, ao
produzir uma norma, avalie as consequências desta produção normativa no sistema
penal como um todo, tornando-o mais racional.
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