"Embora
boa parte da grande mídia já tenha decidido pelo impeachment da presidente,
faltam ainda provas para incriminá-la. O que temos visto nos últimos 16 meses é
a busca incansável de um crime para justificar o que já foi decidido",
escreve Ivo Lesbaupin, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, mestre em Sociologia pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ - e doutor em
Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, França.
Eis
o artigo.
O
golpe civil-militar de 1964 não surgiu do nada: ele foi preparado durante três
anos, desde o momento em que João Goulart assumiu a presidência do país, após a
renúncia de Jânio Quadros. A mídia teve um papel fundamental para criar o clima
necessário à adesão ao golpe, inclusive para fomentar as famosas “Marchas da
Família com Deus pela Liberdade”.
Ficaram
famosos os editoriais do jornal O Correio da Manhã às vésperas da derrubada de
Jango: no dia 30 de março, o editorial, estampado na primeira página, era
intitulado: “Basta!”; no dia 31 de março, o título era “Fora!”. Os editoriais
eram a senha para a mobilização das tropas. E no dia 1º. de abril, os militares
tomam o poder. Fato comemorado pelo O Globo, o Jornal do Brasil, a Folha de São
Paulo e o Estadão nos dias seguintes.
Os
fatos destes últimos dias são muito significativos: num dia, sai a revista Isto
É, com uma matéria com vazamento de trechos da delação premiada do senador
Delcídio Amaral, onde é ressaltado o envolvimento de Lula e de Dilma em fatos
investigados pela Operação Lava-Jato. A revista saiu na quinta-feira, um dia
antes de sua saída habitual, sexta-feira. Na mesma noite de 5ª feira, o Jornal
Nacional dedica 40 minutos à matéria sobre a delação premiada de Delcídio. Um
jornal que dura normalmente 30 minutos demora mais de 1 hora e 20 minutos, dos
quais 40 são para reforçar a suspeição sobre o ex-presidente Lula e a
presidente Dilma. Este jornal nacional “especial” não tinha justificativa: ele
poderia, como muitas vezes acontece, dedicar um tempo maior para a referida
matéria, dentro, porém do tempo habitual do jornal. Mas, não: foi só acusação –
sob a aparência de isenção – com mínimo direito a defesa.
No
dia seguinte, às 6 horas da manhã, o ex-presidente Lula é acordado por uma
tropa de policiais federais para ser levado a depoimento – “condução
coercitiva” -, ao mesmo tempo em que o Instituto Lula é invadido e vários
familiares do ex-presidente são interpelados. A ordem veio do juiz que dirige a
Operação Lava-Jato, Sérgio Moro. A operação na casa de Lula é fartamente
divulgada durante toda a manhã desta sexta-feira. O depoimento de Lula na
Polícia Federal termina por volta de meio-dia.
Não
pode ser coincidência o lançamento da revista na 5ª feira, o Jornal Nacional
inabitualmente estendido da noite deste dia e a operação de “condução
coercitiva” do dia seguinte com farta publicidade. Parece uma “armação”, para
dizer o mínimo. É inevitável pensar que tudo isso visa animar as manifestações
pró-impeachment da presidente Dilma programadas para o dia 13 de março
(coincidentemente, data do famoso comício de Jango na Central do Brasil, em 1964,
às vésperas do golpe).
Embora
boa parte da grande mídia já tenha decidido pelo impeachment da presidente,
faltam ainda provas para incriminá-la. O que temos visto nos últimos 16 meses é
a busca incansável - pela oposição de direita, apoiada pela grande mídia - de
um crime para justificar o que já foi decidido. O vazamento de trechos da
delação premiada de Delcídio finalmente estaria oferecendo este elemento – ao
menos, na opinião da grande mídia. Segundo os próprios procuradores, no
entanto, até agora o que temos são depoimentos, indícios, suspeitas, ainda não
se trata de provas. A oposição de direita e a grande mídia esperam que as
próximas manifestações consigam “preencher” a falta de provas, daí a
importância da cobertura carregada – para dizer o mínimo - dos últimos dias. As
manifestações cumpririam o papel das “Marchas da Família” de 1964.
É
preciso esclarecer que sempre defendemos a apuração de todos os casos de
corrupção, venham de onde vier. Eis porque denunciamos, desde a famosa “CPI do
Orçamento” (1993), o papel das grandes empreiteiras junto aos governos: na
época, o senador José Paulo Bisol declarou que elas eram um “governo paralelo”
no país. Tentou-se criar uma “CPI das Empreiteiras”, mas ela feriria os
interesses dos principais partidos, especialmente dos que estavam no poder ou
tinham a pretensão de chegar lá proximamente. Resultado: tal como a mais
recente “CPI do Cachoeira”, não emplacou.
Consideramos
de extrema importância o que vem ocorrendo na Operação Lava-Jato, a
investigação de casos graves de corrupção, envolvendo empresas do setor privado
e do setor público para obter favores do governo. No entanto, uma verdadeira
investigação da corrupção não pode ser dirigida por um viés seletivo: neste
caso, falta a imparcialidade característica da justiça, pois o que temos visto
é que só há corruptos, perseguidos, interpelados, de um lado do espectro
político. Os nomes citados do outro lado aparecem por minutos na cena e logo
depois desaparecem. Sobre vários políticos do outro lado – inclusive líderes de
partido – já foram levantadas suspeitas, de peso igual ou maior que as que são
lançadas contra políticos do PT. Mas nada acontece contra eles. O objetivo é
claro: “colar” a pecha da corrupção num único partido, para tirá-lo do caminho
e abrir espaço para os outros (ou melhor, um outro).
Não,
a corrupção não começou com o PT, ela é endêmica no sistema político de nosso
país: esteve presente em todos os governos, inclusive durante a ditadura, lá
estão os esquemas de corrupção envolvendo grandes empresas, financiamento de
campanhas e de partidos, figuras dos governos (de diferentes partidos).
Odebrecht, OAS, Camargo Correia, Andrade Gutierrez são conhecidas publicamente
pelo menos desde 1993. Não começaram agora.
Mas
agora, em razão de vários fatores, apareceu a chance de investigar a fundo.
Ótimo, haja investigação, descubram-se os canais de corrupção, os envolvidos.
Mas sem parcialidade.
Do
contrário, é tentativa de golpe.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/552335-a-grande-midia-e-a-tentativa-de-golpe
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