“Que a atuação do Ministério Público contra
a corrupção prossiga validamente, instaurando-se e ampliando-se os
procedimentos legítimos e necessários e conduzidos de modo exemplar e amplo,
sem seletividades, vieses ou desvios. É o que a lei impõe e a sociedade exige,
para que não se convertam em meros instrumentos de perseguição, sensacionalismo
e facciosismo nos chamados espaços e horários “nobres” da mídia”.
A
recomendação acima, bastante crítica como de resto todo o texto, vem de ninguém
menos do que dois ícones do Ministério Público Federal brasileiro: o
ex-procurador-geral da República Claudio Lemos Fonteles e o sub-procurador da
República, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, que foi um dos primeiros Procurador
Federal dos Direitos do Cidadão. pós Constituição de 1988 além de ter presidido
também a Associação Nacional dos Procuradores da República. Ambos estão
aposentados, mas devem ser vistos como exemplos tanto no campo profissional
como na vida pessoal. Afinal, como eles mesmos destacam,
“Os que subscrevem este texto dedicaram,
senão sua vida funcional toda, mas grande parte dela ao Ministério Público, e o
fizeram em momentos decisivos de sua história.
Como não nos calamos antes, não podemos nos
calar agora, porque o que nos move é propiciar reflexão madura e serena sobre
os acontecimentos presentes na sociedade brasileira”.
Em
texto postado esta tarde no Blog de Claudio Fonteles e a nós encaminhado pelo
próprio, os dois tecem fortes críticas ao papel do Ministério Público nos
últimos acontecimentos. Logo no início do que eles próprios, no e-mail
encaminhado, classificam de “Manifesto”, fazem uma crítica velada à maneira
como estão atuando procuradores da República e promotores, ao deixarem claro
que os membros do Ministério Público
“devem ter bem presente que o trabalho
institucional não condiz com arroubos espetaculares, protagonismos em demasia,
exaltações midiáticas e prejulgamento”.
Outra
crítica pesada é quando alertam que não existe a figura do investigado, uma vez
que a instituição – MP – “legitimamente,
investiga é o fato; não a pessoa.
E vão adiante no puxão de orelha nos seus colegas mais novos:
“Escolher um suposto “criminoso” e a partir
daí “investigá-lo” e constrangê-lo para descobrir supostos crimes é inverter a
lógica legal e afrontar princípios fundamentais de Direito Processual e Penal.
É puro arbítrio, que a ordem jurídica condena e sanciona”.
Sem
fazerem referência direta, eles abordam também a questão da condução coercitiva
que o juiz Sérgio Moro impôs ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na
sexta-feira, 4 de março. Trata-se de um episódio que muitos sustentam pelo
qual, na verdade, se pretendia prender o ex-presidente, encaminhando-o para
Curitiba. Algo que ainda deverá ser esclarecido para se escrever a História
contemporânea deste pais.Sobre condução coercitiva, de forma genérica, os dois
dizem: Alvaro Augusto Ribeiro Costa um dos primeiros Procurador Federal do
Direito dos Cidadãos, outro nome respeitado não só no MP, mas também no
Judiciário
Alvaro
Augusto Ribeiro Costa um dos primeiros Procurador Federal do Direito dos
Cidadãos, outro nome respeitado não só no MP, mas também no Judiciário. Foto:
EBC
“Condução coercitiva e prisão preventiva
igualmente não se confundem.
Não se nega a existência do instrumento da
chamada condução coercitiva. É cabível, porém, exclusivamente quanto à
testemunha recalcitrante, isto é, a que, tendo regularmente sido intimada a
prestar depoimento na forma e nas hipóteses legalmente previstas, tenha se
recusado injustificadamente a atender à convocação.
Quanto à prisão, é cabível unicamente para
o réu ou o indiciado, e não para a testemunha”.
Mais
adiante, em to de advertência, lembram:
“O utilizar-se, inapropriadamente, de
qualquer desses instrumentos jurídicos a compelir testemunha, indiciado ou réu
a prestar depoimento à margem do devido processo legal é de todo inadmissível”.
Abaixo,
a íntegra do texto que os dois postaram na tarde deste domingo (13/03):
A
CONSTITUIÇÃO E O MINISTÉRIO PÚBLICO:
reflexões
necessárias.
Cláudio
Fonteles e Alvaro Augusto Ribeiro Costa*
A
Constituição federal de 1988 definiu o Ministério Público como instituição
essencial ao regime democrático, que lhe cumpre defender, porque na Democracia
abre-se pleno espaço ao exercício dos direitos individuais e comunitários.
Instituição
que é, seus membros – promotoras e promotores, procuradoras e procuradores –
devem ter bem presente que o trabalho institucional não condiz com arroubos
espetaculares, protagonismos em demasia, exaltações midiáticas e
prejulgamentos.
Se
a imprensa, no papel que assume de difundir o furo jornalístico, o estrépito
posto em manchete, adota meios condizentes a esse propósito, todavia o
compromisso institucional dos membros do Ministério Público orienta para o
saber assumir o controle da situação: conduzir, não se deixar conduzir.
Prestar, sim, contas à sociedade do desempenho de sua missão constitucional,
mas sempre, e quando tenha formado sua convicção serena, fundada e objetiva,
afastando-se do emitir juízos meramente opinativos, vale dizer, advindos e
carregados de ilações puramente noticiosas.
A
propósito, não se pode, em primeiro lugar, confundir figuras processuais
absolutamente distintas: a testemunha, o indiciado, o réu. O que é lícito
aplicar a um é ilícito aplicar a outro. Todos, porém, sob a proteção da lei e
mediante o devido processo legal adequado a cada hipótese e situação.
Lembre-se,
ainda, que não existe a figura equivocadamente chamada de investigado. O que
legitimamente se investiga é o fato; não a pessoa. Se para leigos e a mídia
pouco informada é compreensível a confusão, isso, porém, é inaceitável para um
magistrado ou membro do Ministério Público.
Escolher um suposto “criminoso” e a partir
daí “investigá-lo” e constrangê-lo para descobrir supostos crimes é inverter a
lógica legal e afrontar princípios fundamentais de Direito Processual e Penal.
É puro arbítrio, que a ordem jurídica condena e sanciona.
Condução coercitiva e prisão preventiva
igualmente não se confundem.
Não
se nega a existência do instrumento da chamada condução coercitiva. É cabível,
porém, exclusivamente quanto à testemunha recalcitrante, isto é, a que, tendo
regularmente sido intimada a prestar depoimento na forma e nas hipóteses
legalmente previstas, tenha se recusado injustificadamente a atender à convocação.
Quanto
à prisão, é cabível unicamente para o réu ou o indiciado, e não para a
testemunha.
O
manejar a restrição preventiva à liberdade em quadro de provisoriedade – quando
as instâncias de conhecimento e recursal ordinária não tenham positivado o
juízo de condenação – pede cautela.
A cautela se expressa na resposta clara às
três indagações processuais para isso autorizar: há risco de fuga do indiciado
ou do acusado? Ele tem a seu dispor o prejudicar a apuração dos fatos porque é
capaz de coagir testemunhos, destruir provas? A conduta, em apuração, é de
grave comprometimento da paz social?
Por certo que as respostas, se positivas, a
essas indagações não se sustentam caso signifiquem conclusões abstratas, de
“viés profético”, ou de “puro achismo”.
O
utilizar-se, inapropriadamente, de qualquer desses instrumentos jurídicos a
compelir testemunha, indiciado ou réu a prestar depoimento à margem do devido
processo legal é de todo inadmissível. Impõe-se destacar, aliás, que o texto
constitucional é claríssimo no garantir o princípio de que “ninguém pode ser
obrigado a se auto-acusar”, inclusive propiciando estardalhaço no cumprimento
da medida. Efetivamente isso não aproveita em nada a um processo válido, antes
mancha a verdade institucional do Ministério Público.
Em
síntese, procedimentos assim afrontosos à ordem constitucional ou legal sequer
podem ser tidos como condução coercitiva ou prisão cautelar. Que o diga o juízo
isento e competente para isso.
Que
a atuação do Ministério Público contra a corrupção prossiga validamente,
instaurando-se e ampliando-se os procedimentos legítimos e necessários e
conduzidos de modo exemplar e amplo, sem seletividades, vieses ou desvios. É o
que a lei impõe e a sociedade exige, para que não se convertam em meros
instrumentos de perseguição, sensacionalismo e facciosismo nos chamados espaços
e horários “nobres” da mídia.
Os
que subscrevem este texto dedicaram, senão sua vida funcional toda, mas grande
parte dela ao Ministério Público, e o fizeram em momentos decisivos de sua
história.
Como
não nos calamos antes, não podemos nos calar agora, porque o que nos move é
propiciar reflexão madura e serena sobre os acontecimentos presentes na
sociedade brasileira.
Jamais
as soluções arbitrárias e ditatoriais, sempre o debate franco, respeitoso e
claro: só assim aprendemos e vivemos Democracia”.
*Claudio
Lemos Fonteles – Ex-Procurador-Geral da República.
*Alvaro
Augusto Ribeiro Costa – Ex- Presidente da Associação Nacional dos Procuradores
da República.
Por Marcelo Auler
http://www.marceloauler.com.br/a-critica-ao-ministerio-publico-por-dois-icones-do-mpf-claudio-fonteles-e-alvaro-costa/#more-2944
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