Para
jornalista que visitou prisões de segurança máxima em todo o mundo, sistema
prisional exportado pelos EUA é sinônimo de horror, não de solução
Dreisinger
avalia o confinamento em solitárias como perigoso e cruel
Após
lecionar no sistema prisional dos Estados Unidos por mais de dez anos e estudar
uma dúzia de prisões ao redor do mundo, a jornalista Baz Dreisinger chegou a
uma conclusão peremptória: o modelo de prisões mundial foi exportado pelos EUA
e não só é ultrapassado como agrava a violência.
Os
resultados de seus estudos estão compilados no livro Incarceration Nations: A
Journey to Justice in Prisons Around the World, publicado em fevereiro deste
ano, ainda sem tradução para o português. Nele, Dreisinger examina, dentre
outros fatores, os efeitos do encarceramento em massa e as prisões de segurança
super-máxima, ou “supermaxes”, em que os presos chegam a ficar isolados 23
horas por dia em suas celas.
Os
EUA ensaiam reverter essas políticas, enquanto em outros países, Brasil
incluído, elas continuam a vigorar cada vez mais intensamente.
CartaCapital:
Após as pesquisas, o que constatou sobre a eficiência de prisões de segurança
super-máxima, ou “supermaxes”?
Baz
Dreisinger: Não acredito em prisões como resposta exclusiva ou primária para o
crime, trata-se de um modelo obsoleto. Gosto de pensar que em cem anos vamos
enxergar as prisões como uma forma chocante de punição que não trouxe segurança
e só causou mais danos à população.
Precisamos
usar a inteligência contra o crime e não mais violência. Precisamos fazer com
que, em primeiro lugar, um indivíduo não vá parar na prisão.
CC:
O Brasil foi um dos países que importou o modelo de “supermax” dos EUA. A
primeira prisão nestes moldes foi construída em Catanduva, no Paraná, onde a
senhora esteve duas vezes entre 2013 e 2014. Como descreveria a situação dos
presidiários?
BD:
Pura tortura psicológica. O confinamento em solitárias é inacreditavelmente
intenso. O que vi e conversei com os prisioneiros é que psicologicamente são
torturados por ficarem tantas horas sozinhos por dia, há anos sem ver a
família. Isso prejudica a saúde mental deles. Minha visita ao Brasil é um dos
capítulos mais sombrios do livro justamente por causa dos horrores do
confinamento em solitárias. É perigoso para seres humanos, é cruel.
CC:
A senhora diria que reabilitação social reduz a reincidência criminal? Esse
tipo de prisão contribui para isso?
BD:
Sem dúvidas, mas as “supermaxes” são o extremo oposto da reabilitação, por
produzir tensão psicológica, o que leva à produção de mais crimes. A maioria
dos presos com quem conversei não tiveram oportunidades de se reabilitar
socialmente. Se quisermos fazer isso, precisamos criar espaços saudáveis no
qual eles aprendam, cresçam e estejam perto da família.
CC:
Qual a origem das prisões de segurança super-máxima e como elas se espalharam
pelo mundo?
BD:
Os EUA criaram este modelo em 1983 e foi aplicado primeiramente em Marion,
Illinois. Em 1994, foi inaugurada a ADX Florence no Colorado, prisão que
representa o auge das “supermaxes”, na qual um homem ficou 32 anos confinado,
praticamente sem contato humano.
A
forma como o modelo foi reproduzido por outros países ainda precisa ser
estudada, mas não difere muito de como outras táticas de correção se propagam,
com grupos visitando outros países para conhecer suas políticas. E, influentes,
as práticas americanas têm uma tendência a se alastrar rapidamente.
BD:
Há dois motivos principais. O primeiro: há um senso de que como usamos essa
tática há décadas, ela deve continuar a ser usada e de forma cada vez mais
intensa, ao invés de pensarmos em outras soluções.
O
segundo: falar sobre combater o crime “com todas as forças” e prender todo
mundo é uma política pública popular, fácil de vender para o público como
solução imediata para melhorar a segurança.
Acobertam-se
os fatos sobre não haver correlação entre o encarceramento em massa e a redução
da criminalidade. A consequência é que devastamos comunidades, destruímos
famílias e afetamos desproporcionalmente minorias, pois pobres e negros são os
principais alvos.
CC:
Nos EUA, Barack Obama tem reduzido os confinamentos em solitárias, e tanto os
Democratas quanto os Republicanos questionam o encarceramento em massa. O que
tem motivado essa discussão?
BD:
A discussão sobre a reforma penitenciária tem sido mais popular do que jamais
imaginamos. Gostaria de dizer que a motivação é uma genuína preocupação com o
racismo, a desigualdade e a morosidade da Justiça, mas o motivo é mais
econômico. Há uma percepção de que as prisões custam caro e não podem continuar
a crescer.
Preocupa
que o argumento seja meramente financeiro, pois podem achar outro meio de fazer
algo na mesma linha, de forma mais barata e fácil, sem debater a ética,
igualdade e o legado destas questões.
CC:
No caso brasileiro, 27% de nossos prisioneiros está ligada ao tráfico de
entorpecentes. É possível estabelecer uma relação entre encarceramento em massa
e a “guerra às drogas”?
BD:
O encarceramento em massa está diretamente ligado à “guerra às drogas”, é algo
que de forma deliberada instituíram como solução, mas que nunca reduziu a
violência.
Mais
uma vez, só atinge desproporcionalmente certas minorias e, globalmente, os EUA
também exportaram a “guerra às drogas” para outros países que, em resposta,
endureceram suas políticas contra o narcotráfico e o consumo. Não podemos
pensar as práticas americanas em um vácuo, porque elas podem reverberar pelo
mundo todo.
CC:
Os brasileiros agora estão discutindo a redução da maioridade penal. Você tem
uma opinião sobre isso?
BD:
Dezoito é uma idade extremamente vulnerável. Nova Iorque é um dos dois estados
que pode julgar jovens de dezesseis anos como adultos, e vi em primeira mão o
horror que causa colocar um jovem em uma prisão para adultos. Eles se tornam
mais violentos.
É
preciso levar em conta, além de tudo, que os jovens nessa idade ainda não estão
funcionando com a mesma capacidade cerebral que os adultos. A maioridade penal
não deveria ser reduzida em lugar algum.
CC:
Quais podem ser algumas alternativas às “supermaxes”?
BD:
Há estudos sobre sistemas menores que podem colocar presos que estão causando
problemas em unidades especiais, com reabilitação extra e mais controle sobre
seu entorno.
Tem
um exemplo desses no Reino Unido, em que prisioneiros mais perigosos têm
recebido mais controle sobre sua agenda, sobre seu entorno. Isso reabilitou
esses presos melhor do que quando estavam isolados e sem acesso a programas e
oportunidades.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/presidios-sao-obsoletos-e-so-agravam-a-violencia?utm_content=bufferb06de&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer
Nenhum comentário:
Postar um comentário