Eis
que surge uma crise econômica no panorama mundial e os poderosos novamente
direcionam as suas armas para a cabeça dos trabalhadores, ameaçando-os em seus
direitos fundamentais básicos. Assim tem sido: o projeto de lei que amplia a
terceirização precarizando as condições de trabalho[1]; o corte orçamentário da
Justiça do Trabalho para o ano de 2016, bem como sobre a motivação externada
pelo Sr. Relator do PLN 07/2015, deputado federal Ricardo Barros (PP/PR)[2]; o
projeto de lei 3842/12, do deputado federal Moreira Mendes (PSD/RO), que exclui
o conceito de condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva do artigo
149 do Código Penal, que trata do trabalho escravo[3]; as matérias e
reportagens veiculadas por setores da mídia culpando o direito e o processo do
trabalho pelas mazelas da economia[4]; entre outras manifestações nefastas[5].
Até aqui, nenhuma novidade: “não é casual, aliás, que isso sempre apareça nos
momentos em que os porta-vozes do capital não conseguem esconder a sua
incompetência para autogerir as crises que ele próprio causa”, como dito por
Guilherme Guimarães Feliciano e Carlos Eduardo Oliveira Dias[6].
É
preciso compreender que o direito do trabalho se apresenta como um ramo
especializado do direito que exerce papel fundamental garantindo condições
mínimas de vida aos trabalhadores após um longo período de lutas entre as
classes sociais. Como ressalta Tereza Aparecida Asta Gemignani,
“o
Direito Privado nasceu com os olhos postos na defesa da propriedade e continuou
a proteger interesses patrimoniais de poucos. Neste contexto, o Direito do
Trabalho surgiu como via de inclusão dos não proprietários ao sistema jurídico.
Oferece meios para transformá-los em cidadãos, mediante a inovadora proposta de
imbricar critérios de justiça comutativa com justiça distributiva, o que para a
época soava como heresia, pois quebrava os cânones tradicionais ao se
apresentar como um direito híbrido, abarcando institutos tanto de direito
privado como de direito público”[7].
O
direito do trabalho precisa ser bem compreendido por meio de uma teoria geral,
onde seus princípios específicos transbordam as simples normas positivadas
através da legislação social como forma de se impor limites éticos ao
capitalismo. A desigualdade predomina nesta esfera das relações humanas, o que
é constantemente esquecido por setores da mídia que têm se utilizado de fatos
distorcidos para atacar os direitos dos trabalhadores. De forma proposital,
esquece-se que a situação da grande massa trabalhadora só tem piorado nas
últimas décadas, muito antes da tão propagada e atual crise econômica, o que
originou o termo “precariado”[8] para definir essa nova classe social de
desvalidos.
Por
outro olhar, o direito do trabalho também é um mecanismo escolhido como forma
de justificar o sistema de produção capitalista, no qual explorar o trabalho
humano é um meio válido para a acumulação de riquezas[9]. A noção de que a legislação
trabalhista também serve aos interesses do capital é no sentido de manter
vigente o atual sistema econômico a salvo de revoluções, no conceito de Löwy,
“a revolução é etimologicamente uma reviravolta: inverte as hierarquias sociais
ou, antes, recoloca no lugar um mundo que se encontra do avesso…”[10].
De
um modo geral, o direito do trabalho contribui para o acréscimo de civilidade,
uma vez que atua de forma direta em favor de melhores condições de trabalho e
de vida. Portanto, subordinar o direito do trabalho aos movimentos da economia
seria o mesmo que submeter o trabalho, que é indissociável da pessoa do
trabalhador, ao capital, o que, em outras palavras, significa sujeitar o homem
às coisas. Foi por essa e outras razões que a Associação Juízes para a
Democracia (AJD) veio a público repudiar a tentativa de destruição da Justiça
do Trabalho por meio do corte orçamentário[11].
É
preciso entender que o direito do trabalho representa direito de resistência da
maioria, lançado em direção ao grupo detentor do poder econômico. O direito do
trabalho deve servir como instrumento de que dispõe as civilizações ocidentais
para assegurar o controle e a atenuação das distorções socioeconômicas
inevitáveis que o sistema capitalista acaba provocando.
A
verdadeira compreensão do direito do trabalho passa pelo significado da
condição humana e da visão do trabalho como meio de sobrevivência do
trabalhador, eis que não dispõe de outro modo para se sustentar. Alegações como
o “alto custo do trabalho” sempre partem de premissas equivocadas e destacam
apenas a exploração do trabalho vista como fonte de riqueza e acumulação de
capitais.
O
discurso neoliberal no sentido de que o direito do trabalho precisa se adaptar
às novas tendências da sociedade capitalista contemporânea de modo a evitar a
crise da economia representa uma inverdade que atenta contra direitos
fundamentais de segunda geração constitucionalmente garantidos. A questão trata
da vida e da morte de única classe criadora e progressista, e por isso mesmo,
do futuro da humanidade. Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as
reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou[12],
tal fato está justamente a demonstrar que o sistema escolhido como modelo
econômico ideal é falho e requer modificações muito mais profundas do que o
simples “desmonte” da legislação trabalhista.
No
fim, o recado dos poderosos é sempre o mesmo: na crise, os ricos ficam mais
ricos e os pobres agonizam, desfalecidos. Mas não passarão.
–
Notas:
[1]
Conforme:
http://www.cartacapital.com.br/politica/camara-aprova-terceirizacao-para-todos-os-servicos-2809.html,
acesso em 06/02/2016.
[2]
Entenda o caso:
http://www.anamatra.org.br/index.php/noticias/anamatra-ingressa-no-stf-contra-cortes-no-orcamento-da-justica-do-trabalho,
acesso em 06/02/2016.
[3]
Conforme:
http://reporterbrasil.org.br/2015/04/o-brasil-vai-desistir-de-combater-o-trabalho-escravo/,
acesso em 06/02/2016.
[4]
A título de exemplo, ver matéria publicada no dia 11 de janeiro, de lavra do
jornalista Fernando Martines, no site Consultor Jurídico. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-jan-11/justica-trabalho-mpt-sao-apontados-causas-inseguranca,
acesso em 04/02/2016.
[5]
http://www.institutoliberal.org.br/blog/por-que-leis-trabalhistas-prejudicam-o-trabalhador/,
acesso em 06/02/2016.
[6]
A insistência em culpar a janela para destravar os caminhos. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-fev-05/insistencia-culpar-janela-destravar-caminhos,
acesso em 05//02/2016.
[7]
De algodão entre os cristais à protagonista na formação da nacionalidade
brasileira. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 39, 2011.
Disponível em:
http://www.tst.jus.br/documents/4263354/7d40fb9d-b86c-497e-a8f9-893e545f0133,
acesso em 06/02/2016.
[8]
Saiba mais em: http://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/,
acesso em 06/02/2016.
[9]
ROESLER, Átila Da Rold. Crise Econômica, Flexibilização e o Valor Social do
Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2015.
[10]
Löwy, Michael (org.). Revoluções. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.
[11]
A nota completa está disponível em:
http://ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=196, acesso em 06/02/2016.
[12]
COUTINHO, Grijaldo Fernandes. O direito do trabalho flexibilizado por FHC e
Lula. São Paulo: LTr, 2009, p. 29.
Átila
da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes
para a Democracia (AJD). Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho e em
Direito Processual Civil. Foi juiz do trabalho na 23ª Região, procurador
federal e delegado de polícia civil. Publicou os livros: Execução Civil –
Aspectos Destacados (Curitiba: Juruá, 2007) e Crise Econômica, Flexibilização e
O Valor Social Do Trabalho (São Paulo: LTr, 2015). Autor de artigos jurídicos
em publicações especializadas. Professor na pós-graduação na UNIVATES em
Lajeado/RS e na FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio
Grande do Sul.
http://racismoambiental.net.br/?p=200726
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