A
gigante dos investimentos que administra a poupança de aposentadoria de milhões
de administradores universitários, professores de ensino público etc, a
TIAA-CREF se orgulha por defender valores socialmente responsáveis, inclusive
ressaltando seu papel na elaboração dos princípios das Nações Unidas que versam
sobre a compra de terras agrícolas, promovendo transparência, sustentabilidade
ambiental e respeito pelo direito à terra.
A
reportagem é de Simon Romero, publicada por Carta Maior, 10-02-2016.
Mas
os documentos mostram que as incursões da TIAA-CREF na fronteira agrícola
brasileira podem ter ido na direção oposta.
A
gigante financeira norte-americana e seus parceiros brasileiros têm investido
centenas de milhões de dólares em negócios de terra no Cerrado, na enorme
região que cerca a floresta amazônica, onde savanas arborizadas estão sendo
demolidas e abrem caminho para a expansão agrícola, alimentando sérias
preocupações ambientais.
Em
um esforço gigantesco, o grupo financeiro americano e seus parceiros acumularam
vastas áreas agrícolas, apesar de uma tentativa do governo brasileiro em 2010
para proibir que tais negócios se efetivassem em grande escala por parte de
exploradores estrangeiros.
Embora
a medida tenha frustrado as ambições de outros investidores estrangeiros, a
TIAA-CREF prosseguiu com suas iniciativas em uma parte do Brasil marcada pelos
conflitos de terra, sendo denunciada por adquirir fazendas a partir de um
sombrio especulador de terras, acusado, por sua vez, de empregar homens armados
para roubar terras de agricultores pobres.
Os
documentos oferecem um vislumbre de como um dos maiores grupos financeiros dos
EUA participaram da grilagem de terras brasileiras. Em 2010, o Brasil respondeu
ao recrudescimento do interesse internacional pelas terras do país, inserindo
limitações jurídicas significativas às grandes aquisições estrangeiras de suas
terras agrícolas.
Os
investidores entendem que tais negócios são uma boa forma de diversificar sua carteira
de valores. Mas alguns funcionários do governo e ativistas alegam que essas
negociatas são responsáveis pelo desenraizamento de agricultores pobres, pela
transferência do controle de recursos vitais à produção de alimentos para a
elite global e pela destruição das tradições agrícolas em troca de plantações
industriais que produzem alimentos para exportação.
"Eu
tinha ouvido falar de fundos estrangeiros que tentavam contornar a legislação
brasileira, mas algo nessa escala é surpreendente", disse Gerson Teixeira,
o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e conselheiro
do Congresso, referindo-se aos documentos sobre os acordos da TIAA-CREF no
Brasil.
Alguns
dos achados estão em um novo relatório organizado por pesquisadores da Rede
Social de Justiça e Direitos Humanos; e da Grain, uma organização com sede na
Espanha que rastreia as compras de terras a nível global.
Divulgações
da TIAA-CREF mostram que suas participações nas terras agrícolas brasileiras
subiram para 633,391 acres no início de 2015, acima dos 257,877 acres de 2012,
quando começou a alavancar sua parceria com a Cosan, uma gigante brasileira do
açúcar e dos biocombustíveis..
Stewart
Lewack, um porta-voz da TIAA-CREF, concordou em rever vários aspectos da
complexa estruturação desses acordos, mas se recusou a discutir as aquisições
de terras em registro. Ele agendou nova reunião com executivos da Cosan, que é
controlada por Rubens Ometto, um bilionário cuja família está na indústria de
açúcar desde a década de 1930.
"A
Cosan tem 70 anos de história na gestão de terras brasileiras e está
comprometida com altos padrões de investimento responsável pelas entidades que
controla", disse o porta-voz da Cosan, em comunicado.
As
duas empresas começaram a comprar terras no Brasil em 2008, após a formação de
um empreendimento chamado Radar Propriedades Agrícolas, 81% propriedade de uma
unidade da TIAA-CREF e 19% da Cosan. Enquanto a Cosan diz às autoridades
brasileiras que controla o empreendimento por meio de seus assentos no conselho,
a TIAA-CREF lista a Radar entre seus acionistas majoritários."
Então
surgiu a regulação brasileira de 2010, sobre aquisições de terras agrícolas por
estrangeiros, que se desenrolou em um momento de crescente nacionalismo em
torno de recursos naturais, destacado nos esforços para reivindicar um maior
controle sobre o setor de energia.
Na
agricultura, a mudança envolveu a limitação da venda de terras a estrangeiros
para cerca de 12.000 acres, impedindo-os de possuir mais do que 25% das terras
de qualquer município e colocando limites às subsidiárias brasileiras de grupos
estrangeiros.
"Este
movimento freiou o investimento estrangeiro em terras brasileiras", disse
Kory Melby, um americano que aconselha investidores na agricultura brasileira.
Mas
em vez de reduzir a velocidade, a TIAA-CREF intensificou suas aquisições fundiárias
no Brasil, com foco na fronteira dos estados do nordeste, Maranhão e Piauí. Em
2012, a empresa iniciou um fundo global focado na compra de terras agrícolas no
Brasil, Austrália e Estados Unidos, atraindo investimentos de fundos de pensão
suecos e canadenses.
José
Minaya, executivo da TIAA-CREF que supervisiona as participações do grupo,
defende tais investimentos, dizendo que eles são uma maneira de adquirir
"recursos finitos" em um momento de crescente demanda global por
alimentos.
"O
Brasil nos oferece diversificação por suas culturas e por seu clima" disse
Minaya aos investidores em um vídeo sobre a compra de terras agrícolas no maior
país da América Latina.
Devido
aos limites impostos em 2010 sobre os investimentos estrangeiros, a TIAA-CREF e
seus parceiros brasileiros criaram um empreendimento financeiro para comprar
terras agrícolas. O grupo americano detém uma participação de 49%, enquanto a
Cosan detém 51%, de acordo com arquivos dos reguladores brasileiros.
O
novo empreendimento aparece no papel como uma empresa separada, mas na prática
é quase indistinguível da operação anterior. Elas compartilham muitos dos
mesmos funcionários e executivos, que trabalham nos escritórios da Avenida
Juscelino Kubitschek, em São Paulo, de acordo com pessoas familiarizadas com as
operações.
Além
disso, o financiamento para aquisição de terras é proveniente sobretudo das
subsidiárias da TIAA-CREF em um tipo de empréstimo que pode ser convertido em
ações, de acordo com documentos regulatórios. Os pesquisadores da Grain
argumentam que essa estrutura corporativa torna possível que a TIAA-CREF
esconda o controle que exerce sobre as fazendas adquiridas.
"Eles
podem dizer o que quiserem sobre o controle, mas a questão é que essa
arquitetura financeira só foi criada para canalizar fundos da TIAA-CREF em
terras agrícolas brasileiras", disse Devlin Kuyek, pesquisador sênior do
Grain.
Em
comunicado, a Cosan contestou essa visão. "Em todas as aquisições, o
empreendimento segue estritamente a legislação em vigor", disse a empresa.
Os
ativistas não acusam diretamente a TIAA-CREF e a Cosan de desmatar as
vegetações brasileiras. Em vez disso, eles dizem que as empresas compraram
terras que já haviam sido desmatadas, obtidas por especuladores que podem ter
usado táticas cruéis.
O
relatório do Grain remonta como a TIAA-CREF e a Cosan parecem ter adquirido
várias fazendas controladas por Euclides de Carli, um sombrio figurão dos
negócios descrito por legisladores, estudiosos e agricultores brasileiros como
um dos mais poderosos grileiros dos estados do Maranhão e do Piauí.
Grileiros
são conhecidos por seu truque burocrático, isto é, a fabricação de títulos de
terra, colocando-os em caixas de insetos (grilos) para fazê-los parecer mais
antigos. Alguns grileiros também forçam as pessoas a deixar suas terras por uma
variedade de táticas, incluindo intimidação de ativistas do direito à terra ou
até mesmo assassinatos de agricultores pobres.
No
caso do Sr. de Carli, estudiosos brasileiros descreveram como ele forçou
dezenas de famílias para fora de suas fazendas, usando táticas desde a
destruição de colheitas até a incineração da casa de um dos líderes da
comunidade. Um legislador de destaque no Maranhão também acusou o Sr. de Carli
de orquestrar o assassinato de um trabalhador rural diante de uma disputa de
terras.
O
Sr. de Carli, que tem sido o foco de investigações oficiais em suas compras de
terra, não respondeu aos pedidos de comentário. Em comunicado, a Cosan
reconheceu que seu empreendimento com a TIAA-CREF havia comprado terras
controladas pelo Sr. de Carli, mas insistiu que uma revisão exaustiva à nível
federal, estadual e municipal não tinha encontrado "qualquer ação penal em
nome do Sr. Euclides de Carli".
"A
avaliação conduzida", disse a Cosan, "precisa observar documentos
oficiais e informações que fundamentam a segurança protocolar da
aquisição".
Mas
os promotores familiarizados com a história do Sr. de Carli enfatizaram sua
surpresa com o fato de que investidores proeminentes tenham prosseguido com
tais acordos, quando uma simples pesquisa na Internet revelaria uma longa lista
de acusações ilegais referentes à grilagem por parte do Sr. de Carli.
"Euclides
de Carli é um dos principais grileiros da fronteira agrícola do Brasil",
disse Lindonjonson Gonçalves de Sousa, um promotor que investigou as
negociações de terra do Sr. De Carli. "Não é segredo para ninguém que ele
apareça com destaque nos conflitos de terra da região".
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/551548-gigante-dos-investimentos-e-acusada-de-grilagem-de-terras
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