Com
a relação proposta entre o vírus da zika e o surto de microcefalia no Brasil em
recém-nascidos parecendo cada vez mais tênue, médicos latino-americanos estão
propondo uma outra causa possível: o piriproxifeno, pesticida usado no Brasil
desde 2014 para deter o desenvolvimento da larva do mosquito em tanques de água
potável. Poderá a “cura” ser, na realidade, o veneno?
A
reportagem é de Claire Robinson, publicada por GMWatch - The Ecologist,
10-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As
más-formações detectadas em milhares de crianças em mulheres grávidas que vivem
em regiões onde o Estado brasileiro adicionou o piriproxifeno à água potável
não são coincidências, muito embora o Ministério da Saúde ponha a culpa
diretamente no vírus da zika.
A
opinião da Organização Mundial da Saúde de que o surto de microcefalia na
região Nordeste do país é causado pelos vírus da zika foi, até o momento, pouco
questionada.
O
ministro da Saúde brasileiro, Marcelo Castro, chegou a dizer que tem “100% de
certeza” de que há uma ligação entre zika e microcefalia, um defeito de
nascimento em que os bebês nascem com cabeças pequenas.
Essa
visão é amplamente apoiada pela comunidade médica internacional, incluindo o
influente Center for Disease Control, dos EUA. Mas não há fortes evidências
desta relação. Em vez disso, existe uma mistura de indícios e provas
circunstanciais.
Um
dos estudos científicos centrais, feito por A. S. Oliveira Melo et al. e
publicado na revista Ultrasound in Obstetrics & Gynecology, encontrou o
vírus da zika nos fluídos amnióticos que afetaram bebês e suas mães. Mas
somente duas mulheres foram examinadas, um número demasiado pequeno para
estabelecer uma ligação estatisticamente significativa.
O
jornal The New York Times também informou, em 3 de fevereiro, o resultado das
análises feito pelo Ministério da Saúde do Brasil: “Dos casos examinados até
agora, 404 foram confirmados como tendo microcefalia. Somente 17 deles testaram
positivo para o vírus da zika. Mas o governo e muitos pesquisadores dizem que o
número pode ser amplamente irrelevante, porque os testes feitos encontrariam a
presença do vírus em somente uma minúscula porcentagem de casos”.
E,
no último fim de semana, o indicador mais poderoso de que a microcefalia pode
ter uma outra causa foi anunciada pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel
Santos, segundo reportagem do Washington Post. Autoridades colombianas de saúde
pública até agora diagnosticaram, segundo Santos, 3.177 mulheres grávidas com o
vírus da zika, mas em nenhum caso se observou microcefalia no feto.
Médicos
argentinos: é o inseticida
Agora,
um novo relatório foi publicado pela organização médica argentina Physicians in
the Crop-Sprayed Towns – PCST (na sigla em inglês), que não apenas desafia a
teoria de que a epidemia do vírus da zika no Brasil seja a causa do aumento de
microcefalia em recém-nascidos, mas propõe uma explicação alternativa.
Segundo
a PCST, o Ministério não conseguiu reconhecer que, na região onde vivem mais
pessoas doentes, um larvicida químico que produz más-formações em mosquitos foi
adicionado no fornecimento de água potável em 2014.
Este
pesticida, o piriproxifeno, é fabricado pela Sumitomo Chemical, um “parceiro
estratégico” japonês da Monsanto – empresa que estes médicos aprenderam a desconfiar
devido ao grande volume de pesticidas dela pulverizados em terras agrícolas na
Argentina.
O
piriproxifeno é um inibidor de crescimento da larva do mosquito, que altera o
processo de desenvolvimento desde a larva, passando pelo estágio da pupa até a
fase adulta, assim gerando más-formações em mosquitos em desenvolvimento e
matando ou incapacitando-os. O produto age como um hormônio juvenil de inseto,
ou juvenoide, e tem o efeito de inibir o desenvolvimento das características do
inseto adulto (por exemplo, asas e genitália externa madura) e o
desenvolvimento reprodutivo.
O
produto químico tem índices de risco relativamente baixos, possuindo uma baixa
toxidade aguda. Testes feitos pela Sumitomo realizados em uma variedade de
animais descobriu que ele não era um teratógeno (não causava defeitos de
nascimento) nos mamíferos testados. No entanto, não se pode tomar essa
conclusão como um indicador confiável dos seus efeitos nos seres humanos –
especialmente diante das evidências em contrário.
A
PCST comentou: “As más-formações detectadas em milhares de crianças de mãe
grávidas que vivem em regiões onde o Estado brasileiro adicionou o
piriproxifeno à água potável não são coincidências, muito embora o Ministério
da Saúde coloque a culpa por este dano diretamente no vírus da zika”.
Eles
também notaram que o zika tem sido tradicionalmente tomado como uma doença
benigna que nunca antes esteve associada com defeitos de nascimento, mesmo em
áreas onde ele infecta 75% da população.
Médicos
brasileiros também suspeitam do piriproxifeno
O
piriproxifeno é uma introdução relativamente nova ao meio ambiente brasileiro;
o aumento da microcefalia é um fenômeno relativamente novo. O larvicida parece,
portanto, um fator causativo plausível na microcefalia – muito mais do que
mosquitos geneticamente modificados, os quais alguns têm culpado pela epidemia
do zika e, consequentemente, pelos defeitos de nascimento.
O
relatório do PCST, que também aborda a epidemia da febre da dengue no Brasil,
concorda com os achados de um outro relatório sobre o surto do zika, este
produzido por médicos brasileiros e pela organização de pesquisadores em saúde,
Abrasco.
A
Abrasco igualmente identifica o piriproxifeno como uma causa possível da
microcefalia. Ela condena a estratégia do controle químico dos mosquitos
portadores do zika, o que, dizem, está contaminando o meio ambiente bem como as
pessoas e não está diminuindo o número de mosquitos.
Em
vez disso, a Abrasco sugere que essa estratégia está, na realidade, orientada
por interesses comerciais da indústria química, que, dizem, encontra-se
profundamente inserida nos ministérios de Saúde latino-americanos, bem como na
Organização Mundial da Saúde e na Organização Pan-Americana de Saúde.
A
Abrasco identifica a empresa inglesa de insetos geneticamente modificados
Oxitec como parte de um lobby corporativo que tem distorcido os fatos sobre o
vírus da zika a fim de atender os seus próprios interesses. A Oxitec vende
mosquitos geneticamente modificados para a esterilidade e os coloca no mercado
como um produto de combate à doença – estratégia condenada pelos médicos
argentinos como um “fracasso total, exceto para a empresa que fornece os
mosquitos”.
Tanto
os médicos brasileiros e argentinos quanto as associações de pesquisadores
concordam que a pobreza é um fator-chave que está sendo negligenciado na
epidemia em curso. A Abrasco condenou o governo brasileiro por sua “ocultação
deliberada” das causas econômicas e sociais: “Na Argentina e em todo o
continente, as populações mais pobres com menos acesso ao saneamento e à água
potável sofrem mais com este surto epidêmico”. A PCST concorda, afirmando: “A
base do progresso da doença encontra-se na desigualdade e na pobreza”.
A
Abrasco acrescenta que a doença está estreitamente ligada à degradação
ambiental: inundações causadas pelo desmatamento e o uso massivo de herbicidas
em plantações de soja (geneticamente modificadas) tolerantes a herbicida. Em
suma, “os impactos de indústrias extrativas”.
A
noção de que a degradação ambiental pode ser um fator na difusão do zika
encontra sustentação na visão de Dino Martins, Ph.D. Martins, que é
entomologista queniano, diz que “a explosão dos mosquitos em áreas urbanas, que
está levando adiante a crise do vírus da zika” é causada por uma “falta de
diversidade natural que, do contrário, manteria as populações de mosquito sob
controle e também pela proliferação de resíduos e a falta de locais para o
despejo em algumas áreas que fornecem um habitat artificial para os mosquitos
se reproduzirem”.
Ações
de base comunitária
Os
médicos argentinos acreditam que a melhor defesa contra o zika são “ações de
base comunitária”. Um exemplo de tais ações acontece em El Salvador.
Um
dos locais favoritos para a reprodução dos mosquitos portadores da doença são
contêineres de armazenamento de água parada, ou caixas d’água. Os salvadorenhos
começaram a manter peixes nesses ambientes; os peixes comem a larva do
mosquito. Assim, a dengue se foi juntamente com o mosquito que transmite a
doença. Até agora, não há nenhum caso de infecção do vírus da zika.
Programas
simples porém eficazes como esse correm o perigo de serem negligenciados no
Brasil em favor de programas de pulverização de pesticidas e da soltura de
mosquitos geneticamente modificados, iniciativas apoiadas por empresas. A
prática de pulverização ainda não foi comprovada, e os mosquitos geneticamente
modificados podem estar causando prejuízos muito mais graves do que os
mosquitos que estão sendo visados.
Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/551557-medicos-brasileiros-e-argentinos-suspeitam-que-inseticida-de-mosquito-seja-a-causa-da-microcefalia
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