A
decisão do Tribunal Penal Federal da Suíça que considerou ilegal a entrega de
documentos pelo Ministério Público do país a procuradores do Ministério Público
Federal brasileiro, que atuam na operação "lava jato", tem gerado
debate entre especialistas.
A
promotoria suíça havia enviado ao Brasil um pedido de cooperação pedindo que
diversas pessoas envolvidas na "lava jato" fossem interrogadas. Junto
com as sugestões de perguntas, porém, foram encaminhados diversos documentos
bancários sigilosos da empresa Havinsur, acusada de ter emprestado contas para
a Odebrecht pagar propinas no esquema de corrupção da Petrobras.
Segundo
a corte suíça, o envio ocorreu de forma "disfarçada" e consiste num
caso de entraide sauvage ("auxílio judicial selvagem", em tradução
livre do francês). Para o Ministério Público Federal, a decisão do tribunal não
altera o processo no Brasil, pois a decisão em nenhum momento determina a
devolução dos documentos.
Já
a advogada Dora Cavalcanti Cordani, que representa o executivo Márcio Faria,
considera desnecessária orientação expressa do tribunal estrangeiro, pois a
Constituição Federal define como inadmissíveis provas obtidas por meios
ilícitos. Assim, avalia que o MPF está impedido de se referir aos dados
bancários em ação penal contra a Odebrecht.
O
entendimento é seguido por outros advogados. O criminalista Daniel Bialski, do
escritório Bialski Advogados Associados, lembra que a Justiça brasileira tem
decidido que provas inválidas, ilícitas ou nulas não podem continuar no
processo.
“Muitas
vezes essas provas ensejam até mesmo a nulidade de toda a ação penal. No caso
do processo contra os executivos da construtora Odebrecht, ocorreu justamente
isso. Uma corte estrangeira considerou a obtenção dessas informações ilícitas.
Dessa forma, nada do que foi enviado pode ser validado pela Justiça brasileira.
Não se trata de apego exagerado ao formalismo, mas sim de respeito à
legislação.” Para ele, a repercussão da decisão da corte da Suíça é imediata,
ainda que se tenha de anular desde o início a
investigação e a ação penal em questão.
Filipe
Fialdini, especialista na área de Direito Criminal, concorda de que se trata de
prova ilícita. “Houve a quebra de sigilo bancário pelo Ministério Público, sem
prévia autorização da autoridade suíça competente”, diz o advogado.
O
criminalista Daniel Gerber, do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão
Advogados Associados, defende que "o posicionamento do Tribunal Suíço não
apenas reafirma o valor das normas processuais, mas escancara o quanto estamos
atrasados em relação ao tema. Se lá a letra da lei continua sendo o norte de um
sistema jurídico democrático, aqui a vontade de punir ultrapassa tal norte e se
consolida como tônica de primeira instância".
Marcelo
Leal de Lima Oliveira, sócio do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados
Associados, explica que a remessa de prova entre a Suíça e o Brasil é regulada
pelo Tratado de Cooperação Jurídica em Matéria Penal celebrado em maio de 2004,
incorporado em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 6.914, de outubro de
2009.
“O
artigo 10 do tratado prevê a forma de cooperação entre os dois países para a
entrega de documentos, que deve se dar pela via das autoridades centrais
brasileiras e suíças. Todavia, documentos teriam chegado às mãos de
procuradores brasileiros pela via de um pedido de cooperação formulado pelos
procuradores Suíços por causa de um procedimento criminal também aberto naquele
país. Essa forma sub-reptícia de transmitir documentos sigilosos é que viola o
tratado e gera a ilicitude da prova. A discussão sobre a legalidade da prova é
de suma importância porque, num Estado Democrático de Direito, ninguém pode ser
condenado com base em prova ilícita, sob pena de macular todo o devido processo
legal”, explica Leal.
O
advogado Ulisses César Martins de Sousa, do Ulisses Sousa Advogados e
ex-procurador geral do Maranhão, ressalta que a vedação da utilização de provas
ilícitas no processo é uma garantia que a Constituição Federal (inciso LVI do
artigo 5º) assegura a todo cidadão. “Ninguém pode ser investigado, denunciado
ou condenado com base em provas ilícitas”, afirma.
Ele
reforça que são inadmissíveis as provas ilícitas. “Vale lembrar que, segundo o
artigo 157 do CPP e o entendimento do Supremo Tribunal Federal já mostrado em
outros casos, qualquer novo dado probatório não pode se apoiar, não pode ter
fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela ilicitude originária.
Impedir a utilização de prova ilícita, mas aceitar a prova dela derivada, seria
o mesmo que admitir a primeira, ainda que indiretamente”.
Para
ele, não há como se falar em respeito ao devido processo legal quando se admite
a utilização de provas ilícitas. “A questão deverá ser enfrentada e resolvida
com olhos voltados para o que assegura e Constituição Federal e o que prevê o
artigo 157 do CPP”, diz o advogado.
Diego
Godoy, do Kuntz Advocacia e Consultoria Jurídica, reforça o entendimento de que
as provas não podem ser utilizadas: "A obtenção de tão relevantes provas
pelo Ministério Público Federal, ao que tudo leva a crer, por vias inidôneas,
no apagar das luzes e na ânsia de acusar, representa grave ferimento às
inviolabilidades constitucionais dos investigados, pelo que se revelam
ilegítimas. Por qualificarem-se como ilegítimas, são destituídas de qualquer
grau de eficácia jurídica, devendo ser expurgadas dos autos, por força do
artigo 157, caput, do Código de Processo Penal".
Conrado
Almeida Corrêa Gontijo, do Corrêa Gontijo Advogados, lembra que esta não é a
primeira vez que normas de cooperação jurídica internacional foram violadas na
"lava jato". "O mesmo aconteceu com a obtenção de dados da
empresa canadense proprietária do Blackberry".
"Em
um caso, como no outro, penso que não existe outra opção, para que seja
efetivamente contemplado o devido processo legal, senão desentranhar dos autos
as provas questionadas, que chegaram aos autos da operação 'lava jato' por via
de procedimentos de manifesta e reconhecida ilicitude", afirma.
Outra
questão que o Gontijo ressalta é que, embora tenha determinado a suspensão dos
trâmites da ação penal, até que o Ministério Público Federal se manifeste a
respeito da decisão Suíça, o juiz Sergio Moro manteve presos os acusados.
"Mais uma situação que, ao meu sentir, representa desrespeito flagrante a
direitos e garantias constitucionalmente assegurados", afirma.
Para
o Ministério Público Federal, a acusação criminal contra executivos da Odebrecht
está amparada em amplas provas de pagamentos de propinas no Brasil e no
exterior e do desvio de bilhões de reais dos cofres públicos.
Os
documentos em questão foram considerados pelo juiz Sergio Fernando Moro,
responsável pelos processos da operação em primeira instância, “provas
materiais principais” do processo contra os executivos da empreiteira.
Prazo
suspenso
A
defesa de Marcio Faria solicitou que as provas fossem retiradas dos autos, mas
o juiz Sergio Moro, em análise preliminar, negou o pedido e suspendeu o prazo
para as alegações finais da defesa.
Além
disso, deu um prazo de três dias (que termina nesta sexta-feira) para o
Ministério Público apresentar cópia dos pedidos de cooperação ativo citados
pela corte suíça e outros documentos que possam ser relevantes para decisão.
Ao
negar o pedido Moro afirmou que apesar de a corte suíça ter reconhecido a
ilegalidade no procedimento, "não há, em princípio, decisão daquela corte
solicitando a devolução dos documentos ou impedindo a sua utilização no Brasil,
pelo contrário, há decisão expressa denegando tal solicitação".
Moro
disse que o tribunal daquele país concluiu que os vícios são sanáveis e
determinou que o MP suíço faça o procedimento correto de cooperação.
Segundo
a sentença do tribunal suíço, a ilegalidade no envio poderia levar à exigência
de uma recuperação das provas enviadas ou sua desconsideração pelo país que as
recebeu. No entanto, segundo o tribunal suíço, não há obrigação por parte do
Brasil de cooperar nesse sentido pois o país "não pode ser
responsabilizado por medidas falhas de órgãos públicos suíços".
O
tribunal da Suíça considerou ainda que seria supérfluo exigir a devolução das
provas ou sua desconsideração judicial se os requisitos para a concessão do
auxílio judicial vierem a ser preenchidos. Por isso a corte daquele país
determinou que a promotoria comece um novo processo rogatório.
Pedido
de prazo
Em
nova petição, a defesa de Márcio Faria pediu que seja aberto mais prazo para
que ela possa se manifestar depois que o MPF apresentar suas considerações e os
documentos exigidos.
A
petição, assinada por Dora Cavalanti e o colega Rafael Tucherman, do Cavalcanti
& Arruda Botelho Advogados, lembra ao juiz que já foi solicitado o
"acesso a esses (e outros) pedidos de cooperação, bem como a documentos
diversos que permitissem esclarecer as circunstâncias em que a “cooperação
selvagem” ocorreu — em especial, eventuais mensagens eletrônicas trocadas entre
autoridades brasileiras e suíças que possam ter desencadeado o envio ilegal dos
documentos". O pedido ainda não foi analisado por Moro.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2016-fev-04/advogados-criticam-uso-provas-enviadas-ilegalmente-suica?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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