sábado, 6 de fevereiro de 2016

CRIMINALISTAS CRITICAM USO DE PROVAS NA LAVA JATO ENVIADAS ILEGALMENTE

A decisão do Tribunal Penal Federal da Suíça que considerou ilegal a entrega de documentos pelo Ministério Público do país a procuradores do Ministério Público Federal brasileiro, que atuam na operação "lava jato", tem gerado debate entre especialistas.

A promotoria suíça havia enviado ao Brasil um pedido de cooperação pedindo que diversas pessoas envolvidas na "lava jato" fossem interrogadas. Junto com as sugestões de perguntas, porém, foram encaminhados diversos documentos bancários sigilosos da empresa Havinsur, acusada de ter emprestado contas para a Odebrecht pagar propinas no esquema de corrupção da Petrobras.

Segundo a corte suíça, o envio ocorreu de forma "disfarçada" e consiste num caso de entraide sauvage ("auxílio judicial selvagem", em tradução livre do francês). Para o Ministério Público Federal, a decisão do tribunal não altera o processo no Brasil, pois a decisão em nenhum momento determina a devolução dos documentos.

Já a advogada Dora Cavalcanti Cordani, que representa o executivo Márcio Faria, considera desnecessária orientação expressa do tribunal estrangeiro, pois a Constituição Federal define como inadmissíveis provas obtidas por meios ilícitos. Assim, avalia que o MPF está impedido de se referir aos dados bancários em ação penal contra a Odebrecht.

O entendimento é seguido por outros advogados. O criminalista Daniel Bialski, do escritório Bialski Advogados Associados, lembra que a Justiça brasileira tem decidido que provas inválidas, ilícitas ou nulas não podem continuar no processo.

“Muitas vezes essas provas ensejam até mesmo a nulidade de toda a ação penal. No caso do processo contra os executivos da construtora Odebrecht, ocorreu justamente isso. Uma corte estrangeira considerou a obtenção dessas informações ilícitas. Dessa forma, nada do que foi enviado pode ser validado pela Justiça brasileira. Não se trata de apego exagerado ao formalismo, mas sim de respeito à legislação.” Para ele, a repercussão da decisão da corte da Suíça é imediata, ainda que se tenha de anular desde o início a  investigação e a ação penal em questão.

Filipe Fialdini, especialista na área de Direito Criminal, concorda de que se trata de prova ilícita. “Houve a quebra de sigilo bancário pelo Ministério Público, sem prévia autorização da autoridade suíça competente”, diz o advogado.

O criminalista Daniel Gerber, do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados, defende que "o posicionamento do Tribunal Suíço não apenas reafirma o valor das normas processuais, mas escancara o quanto estamos atrasados em relação ao tema. Se lá a letra da lei continua sendo o norte de um sistema jurídico democrático, aqui a vontade de punir ultrapassa tal norte e se consolida como tônica de primeira instância".

Marcelo Leal de Lima Oliveira, sócio do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados, explica que a remessa de prova entre a Suíça e o Brasil é regulada pelo Tratado de Cooperação Jurídica em Matéria Penal celebrado em maio de 2004, incorporado em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 6.914, de outubro de 2009.

“O artigo 10 do tratado prevê a forma de cooperação entre os dois países para a entrega de documentos, que deve se dar pela via das autoridades centrais brasileiras e suíças. Todavia, documentos teriam chegado às mãos de procuradores brasileiros pela via de um pedido de cooperação formulado pelos procuradores Suíços por causa de um procedimento criminal também aberto naquele país. Essa forma sub-reptícia de transmitir documentos sigilosos é que viola o tratado e gera a ilicitude da prova. A discussão sobre a legalidade da prova é de suma importância porque, num Estado Democrático de Direito, ninguém pode ser condenado com base em prova ilícita, sob pena de macular todo o devido processo legal”, explica Leal.

O advogado Ulisses César Martins de Sousa, do Ulisses Sousa Advogados e ex-procurador geral do Maranhão, ressalta que a vedação da utilização de provas ilícitas no processo é uma garantia que a Constituição Federal (inciso LVI do artigo 5º) assegura a todo cidadão. “Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base em provas ilícitas”, afirma.

Ele reforça que são inadmissíveis as provas ilícitas. “Vale lembrar que, segundo o artigo 157 do CPP e o entendimento do Supremo Tribunal Federal já mostrado em outros casos, qualquer novo dado probatório não pode se apoiar, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela ilicitude originária. Impedir a utilização de prova ilícita, mas aceitar a prova dela derivada, seria o mesmo que admitir a primeira, ainda que indiretamente”.

Para ele, não há como se falar em respeito ao devido processo legal quando se admite a utilização de provas ilícitas. “A questão deverá ser enfrentada e resolvida com olhos voltados para o que assegura e Constituição Federal e o que prevê o artigo 157 do CPP”, diz o advogado.

Diego Godoy, do Kuntz Advocacia e Consultoria Jurídica, reforça o entendimento de que as provas não podem ser utilizadas: "A obtenção de tão relevantes provas pelo Ministério Público Federal, ao que tudo leva a crer, por vias inidôneas, no apagar das luzes e na ânsia de acusar, representa grave ferimento às inviolabilidades constitucionais dos investigados, pelo que se revelam ilegítimas. Por qualificarem-se como ilegítimas, são destituídas de qualquer grau de eficácia jurídica, devendo ser expurgadas dos autos, por força do artigo 157, caput, do Código de Processo Penal".

Conrado Almeida Corrêa Gontijo, do Corrêa Gontijo Advogados, lembra que esta não é a primeira vez que normas de cooperação jurídica internacional foram violadas na "lava jato". "O mesmo aconteceu com a obtenção de dados da empresa canadense proprietária do Blackberry".

"Em um caso, como no outro, penso que não existe outra opção, para que seja efetivamente contemplado o devido processo legal, senão desentranhar dos autos as provas questionadas, que chegaram aos autos da operação 'lava jato' por via de procedimentos de manifesta e reconhecida ilicitude", afirma.

Outra questão que o Gontijo ressalta é que, embora tenha determinado a suspensão dos trâmites da ação penal, até que o Ministério Público Federal se manifeste a respeito da decisão Suíça, o juiz Sergio Moro manteve presos os acusados. "Mais uma situação que, ao meu sentir, representa desrespeito flagrante a direitos e garantias constitucionalmente assegurados", afirma.

Para o Ministério Público Federal, a acusação criminal contra executivos da Odebrecht está amparada em amplas provas de pagamentos de propinas no Brasil e no exterior e do desvio de bilhões de reais dos cofres públicos.

Os documentos em questão foram considerados pelo juiz Sergio Fernando Moro, responsável pelos processos da operação em primeira instância, “provas materiais principais” do processo contra os executivos da empreiteira.

Prazo suspenso

A defesa de Marcio Faria solicitou que as provas fossem retiradas dos autos, mas o juiz Sergio Moro, em análise preliminar, negou o pedido e suspendeu o prazo para as alegações finais da defesa.

Além disso, deu um prazo de três dias (que termina nesta sexta-feira) para o Ministério Público apresentar cópia dos pedidos de cooperação ativo citados pela corte suíça e outros documentos que possam ser relevantes para decisão.

Ao negar o pedido Moro afirmou que apesar de a corte suíça ter reconhecido a ilegalidade no procedimento, "não há, em princípio, decisão daquela corte solicitando a devolução dos documentos ou impedindo a sua utilização no Brasil, pelo contrário, há decisão expressa denegando tal solicitação".

Moro disse que o tribunal daquele país concluiu que os vícios são sanáveis e determinou que o MP suíço faça o procedimento correto de cooperação.

Segundo a sentença do tribunal suíço, a ilegalidade no envio poderia levar à exigência de uma recuperação das provas enviadas ou sua desconsideração pelo país que as recebeu. No entanto, segundo o tribunal suíço, não há obrigação por parte do Brasil de cooperar nesse sentido pois o país "não pode ser responsabilizado por medidas falhas de órgãos públicos suíços".

O tribunal da Suíça considerou ainda que seria supérfluo exigir a devolução das provas ou sua desconsideração judicial se os requisitos para a concessão do auxílio judicial vierem a ser preenchidos. Por isso a corte daquele país determinou que a promotoria comece um novo processo rogatório.

Pedido de prazo

Em nova petição, a defesa de Márcio Faria pediu que seja aberto mais prazo para que ela possa se manifestar depois que o MPF apresentar suas considerações e os documentos exigidos.

A petição, assinada por Dora Cavalanti e o colega Rafael Tucherman, do Cavalcanti & Arruda Botelho Advogados, lembra ao juiz que já foi solicitado o "acesso a esses (e outros) pedidos de cooperação, bem como a documentos diversos que permitissem esclarecer as circunstâncias em que a “cooperação selvagem” ocorreu — em especial, eventuais mensagens eletrônicas trocadas entre autoridades brasileiras e suíças que possam ter desencadeado o envio ilegal dos documentos". O pedido ainda não foi analisado por Moro.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

http://www.conjur.com.br/2016-fev-04/advogados-criticam-uso-provas-enviadas-ilegalmente-suica?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter




Nenhum comentário: