Em 1931, logo após o
movimento revolucionário que derrubou Washington Luís e instaurou o governo
Getúlio Vargas, a Consultoria-Geral da República enfrentou uma série de dúvidas
jurídicas que surgiram da movimentação revolucionária da década de 1920. A
pacificação no Rio Grande do Sul, o que ensejou uma união de forças que levou
Getúlio ao poder, fora cimentada pelo Pacto de Pedras Altas. Naquela ocasião, o
governo federal assumia dever de indenizar danos causados à propriedade
particular, por ambas as facções em luta.
O autor do parecer é Levi
Carneiro (1882-1971), que como consultor-geral da República exerceu
importantíssimo papel na criação da Ordem dos Advogados do Brasil, da qual foi
seu primeiro presidente, a par de ter presidido também o Instituto dos
Advogados do Brasil. O parecerista reconheceu o acerto do pedido, negando-o, no
entanto, por causa da prescrição, o que, do ponto de vista da teoria geral do Direito,
nos força a refletir que matéria prescricional seja, substancialmente, questão
de mérito, obstaculizando que o julgamento desse seja conhecido. Segue o
parecer:
“Exmo. Sr. Ministro da
Justiça e Negócios Interiores.
Com Aviso n. 1.312, de 5 de
outubro último, transmitiu-me V.Excia. o processo incluso, referente ao
requerimento do Banco Internacional de Finanças, como procurador de Juan M.
Antunez & Filhos, para pagamento de indenização, a que se julga com direito
pelos prejuízos causados na Estância Figueira, no Estado do Rio Grande do Sul,
pelas forças que tomaram parte na revolução de 1923.
A indenização pedida monta a
1.822:617$200, conforme o laudo da vistoria processada perante o Juiz Federal
da Seção, e funda-se na cláusula 8ª do chamado Acordo de Pedras Altas, pela
qual o Governo Federal se responsabilizou pelo pagamento dos danos causados aos
particulares de qualquer facção.
Por força dessa mesma
cláusula, o Governo Federal nomearia uma comissão de árbitros para o fim de
examinar a procedência legitimidade das reclamações e avaliação do quantum
devido a cada reclamante.
Ao que se lê na informação
do Sr. Dr. Diretor da 2ª Seção do Interior dessa Secretaria de Estado, essa
reclamação figura entre as que foram julgadas líquidas pela Comissão de
Reparações.
Parece que, diante dessa
decisão, e nos termos da cláusula citada, não há, talvez, que esmiuçar a plena
validade da prova produzida. Essa prova é, aliás, em parte considerável,
especialmente quanto à matança, extravio e roubos de gado, apenas
circunstancial, e, em processo judicial regular, não teria, só por si, valor
decisivo.
O pacto acima referido
parece, aliás, ter reconhecido precisamente a dificuldade ou a impossibilidade
da prova judicial, instituindo a Comissão aludida. E se esta reconheceu o
direito dos suplicantes, parece que nada se opõe ao pagamento devido.
Quanto à prescrição, se o
direito dos reclamantes foi reconhecido há mais de 5 anos, e a demora havida
lhes for imputável, nada tendo requerido nesse longo decurso de tempo,
parece-me que o seu direito está realmente extinto.
Reitero a V.Excia. a
segurança de minha alta estima e distinta consideração.
Rio de janeiro, 20 de
novembro de 1931.
(a.) Levi Carneiro”.
Arnaldo Sampaio de Moraes
Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da
USP. Doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Professor
e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto
Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).
http://www.conjur.com.br/2016-jan-07/passado-limpo-pedido-indenizacao-pacificacao-rio-grande-sul
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