Corte
Europeia de Direitos Humanos já decidiu que a condenação de jornalistas por
publicidade opressiva não viola a liberdade de comunicação
A
centralidade que a questão criminal assumiu, visível nas altas taxas de
encarceramento ou na criminalização do cotidiano privado e da vida pública,
responde às transformações econômicas das últimas décadas.
Interessa-nos
um aspecto dessa centralidade: a espetacularização do processo penal e os
sérios danos que causa a direitos fundamentais e ao estado de direito.
A
espetacularização do processo penal não é novidade. Na Inquisição, a colheita
de provas e o julgamento eram sigilosos.
Falsas
delações e torturas são eficientes na obscuridade; a festa era a execução da
pena de morte.
Com
a adoção da pena de prisão, a execução numa cela tornou-se uma rotina sem apelo
jornalístico. O espetáculo deslocou-se para a investigação e o julgamento.
Basta
ligar a TV à tarde: deploráveis reality shows policiais, nos quais suspeitos
são exibidos e achincalhados por âncoras “policizados”. Diz a Constituição
inutilmente que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e
moral”, garantia repetida pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal.
Mas
é no noticiário “sério” sobre inquéritos e ações penais que reside um grave
problema, opondo a liberdade de comunicação à presunção de inocência e ao
direito ao julgamento justo. A liberdade de imprensa geralmente prevalece sobre
o direito à privacidade.
Contudo,
quando o confronto se dá com a presunção de inocência e o direito ao julgamento
justo, a solução é distinta, como se constata em países democráticos.
A
Corte Suprema dos EUA manifestou desconforto por ter identificado “julgamento
pela imprensa” e anulou condenações. Numa delas, registrou que “o julgamento
não passou de uma cerimônia legal para averbar um veredicto já ditado pela
imprensa e pela opinião pública que ela gerou”.
Alertou
que o noticiário intenso sobre um caso judicial pode tornar nula a sentença e
que a publicidade dos julgamentos constitui uma garantia constitucional do
acusado e não um direito do público.
Na
Europa, o assunto preocupa legisladores e tribunais. França e Áustria
criminalizaram a publicação de comentários sobre prováveis resultados do
processo ou sobre o valor das provas.
Em
Portugal, a publicação de conversas interceptadas em investigação é
criminalizada, salvo se, não havendo sigilo de Justiça, os intervenientes
consentirem na divulgação: o sigilo de Justiça vincula todos aqueles que o
acessarem a qualquer título.
A
Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu que a condenação de jornalistas
por publicidade opressiva não viola a liberdade de comunicação.
Não
será por meio da criminalização da publicidade opressiva que se poderá reverter
o lastimável quadro que vivemos, onde relações entre agentes do sistema penal e
alguns jornalistas produzem vazamentos escandalosos, editados e
descontextualizados, com capacidade de criar opiniões tão arraigadas que
substituem a garantia constitucional por autêntica “presunção de culpa” e
tornam impossível um julgamento justo.
Entre
nós, existem casos em que todo o processo se desenvolve na mídia. Nesse
cenário, pelo menos deveria ser exigido dos meios de comunicação aquilo que é
exigido dos tribunais e das repartições públicas: obedecer ao contraditório.
Hoje,
após a longa veiculação da versão acusatória, segue-se breve menção a um comentário
do acusado ou de seu defensor, que frequentemente desconhece a prova já
divulgada para milhões de telespectadores.
Se
vamos persistir neste caminho perigoso — afinal, o sistema penal é
historicamente um lugar de expansão do fascismo — pelo menos o contraditório
obedecido pelos tribunais deveria ocorrer na mídia.
Se
a autoridade policial ou o Ministério Público divulgar sua acusação por três
minutos, o acusado ou seu defensor deveria desfrutar do mesmo tempo para falar
o que quisesse em sua defesa. Já que o processo se desenrola na mídia, que haja
pelo menos paridade de armas. A prática atual é abertamente antidemocrática.
Nilo
Batista é professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj
http://www.viomundo.com.br/denuncias/nilo-batista-corte-europeia-ja-pune-publicidade-opressiva-como-a-usada-contra-lula.html
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