O Hospital de Clínicas de
Porto Alegre (HCPA) atende, desde 2001, a pacientes que apresentam
predisposição hereditária ao câncer. Estima-se que de 10 a 20% de todos os
casos de câncer sejam hereditários. Essas pessoas trazem, desde o nascimento,
oncogenes, genes causadores de tumores, que podem ser identificados por meio de
exames do DNA. Relativamente recente (o primeiro foi descoberto em 1970), essa
descoberta criou um novo front na guerra contra o câncer, abrindo a
possibilidade de mapear esses oncogenes e, assim, antecipar riscos e
desenvolver estratégias para evitar o desenvolvimento de vários tipos de
câncer. Em entrevista ao Sul21, a médica geneticista Patrícia Ashton Prolla,
integrante da equipe de genética e câncer do HCPA, fala sobre o trabalho com
testes de DNA e mapeamentos genéticos e sobre as perspectivas que ele abre no
terreno da prevenção da doença.
“Estima-se que de 10 a 20%
de todos os casos de câncer sejam hereditários. Trata-se de pessoas que, ao
nascer, já tem uma maior chance de ter câncer ao longo da vida. Por isso,
sabendo antecipadamente desse risco, podemos fazer coisas para tentar diminuir
as chances de a pessoa desenvolver câncer ao longo da vida”, relata Patrícia
Prolla, que também é professora de Genética na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). A médica coordena a Rede Brasileira de Câncer
Hereditário que está batalhando, junto com o Instituto Nacional do Câncer, para
incluir esses testes de DNA no atendimento do SUS. “Não temos problema
tecnológico em saber como fazer e como interpretar esses exames. O problema que
enfrentamos é a restrição financeira, mesmo”.
Sul21: Qual o trabalho
desenvolvido pelo Programa Integrado de Assistência, Ensino e Pesquisa em
Genética e Câncer, que funciona junto ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre?
Patrícia Ashton Prolla: Nós
desenvolvemos duas atividades principais aqui no Hospital de Clínicas. A
primeira, na área da oncogenética, é uma atividade assistencial por meio de um
programa de atendimento a pessoas e famílias com câncer hereditário, em sua
grande maioria pacientes do SUS, de Porto Alegre, Grande Porto Alegre e do
interior. Todas as semanas, temos sete agendas onde atendemos a pacientes e a
famílias, com uma suspeita de câncer hereditário ou já com o diagnóstico de
câncer hereditário, adultos e crianças. Estima-se que de 10 a 20% de todos os
casos de câncer sejam hereditários. Trata-se de pessoas que, ao nascer, já tem
uma maior chance de ter câncer ao longo da vida. No Rio Grande do Sul, as
chances de uma mulher ter câncer de mama são de 10% a 12%. Então, falando de
modo geral, uma em cada dez mulheres do Rio Grande do Sul terá câncer de mama
ao longo da vida.
Há algumas doenças
hereditárias, como a da atriz Angelina Jolie, por exemplo, que apresentam um
risco muito maior de câncer de mama e de câncer de ovário. Neste caso, ao invés
dos 10% de chance de ter câncer de mama, esse índice aumenta para 85% de
chances. Por isso, sabendo antecipadamente desse risco, podemos fazer coisas
para tentar diminuir as chances de a pessoa desenvolver câncer ao longo da
vida. Essa é a ideia central desse nosso trabalho de análise de pacientes e
famílias por meio de exames de DNA que nos ajudam a encontrar alterações
genéticas. Fazemos um mapeamento da sequência destes genes para ver se
encontramos uma falha.
Há várias coisas que chamam
a nossa atenção para confirmar uma suspeita. Vamos pegar de novo o exemplo do
câncer de mama. Uma família que tem um homem com câncer de mama chama a
atenção, pois é algo incomum, atingindo em torno de um a cada mil homens. Nas
famílias com câncer hereditário, esse índice vai para um a cada cinquenta ou
cem. Ou então uma família com pessoas que tenham mais de um câncer, uma mulher
com câncer de mama e de ovário, por exemplo. Ou ainda uma família que tenha
várias gerações com casos câncer de mama, incluindo idades jovens, com 21 ou 22
anos.
Sul21: Até que nível vai
essa investigação familiar?
Patrícia Ashton Prolla: Em
geral, consideramos primeiro, segundo e terceiro grau, mas procuramos levantar
o máximo de informações possível sobre a família. Nós recebemos aqui no
hospital, pelo Sistema Único de Saúde, pacientes e famílias que tenham alguma
suspeita para que façamos uma avaliação. Quando conseguimos, fazemos o teste
genético. Enfrentamos uma grande limitação em nosso trabalho. Hoje, temos à
disposição testes genéticos que permitem ver se uma pessoa tem esse risco de
ter um câncer. A partir dessa informação, é possível fazer coisas no terreno da
prevenção. Prevenir um câncer tem um custo muito menor do que tratá-lo com
cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Mas, infelizmente, o SUS não paga ainda
a realização desse teste genético.
Sul21: Casos como este da
Angelina Jolie estão se tornando mais frequentes?
Patrícia Ashton Prolla: Sim,
é muito comum. Hoje, aqui no Hospital de Clínicas, nós estamos acompanhando
pelo menos 80 famílias. Quando é constatada a alteração genética, nós
recomendamos a retirada de ovário e trompas. É considerado obrigatório a partir
dos 40 anos. A retirada das mamas é opcional, pois há outros caminhos possíveis
que não a cirurgia. Nem todas as mulheres optam pela cirurgia. Algumas decidem
fazer outros tratamentos e realizar exames mais periódicos. Toda semana, tenho
dez pacientes que precisariam fazer o teste para este gene do caso da Angelina
Jolie. Como eu não consigo fazer este exame pelo SUS, destas dez eu consigo fazer
em duas, encaixando a paciente em algum projeto de pesquisa ou no caso em que a
paciente tem algum familiar com plano de saúde que paga o teste. As outras oito
ficam para trás. Esse teste é muito importante porque muda totalmente o
tratamento da paciente e dos familiares.
Eu coordeno uma rede – a
Rede Brasileira de Câncer Hereditário – que está batalhando muito, junto com o
Instituto Nacional do Câncer, para incluir esses exames no atendimento do SUS.
Não temos problema tecnológico em saber como fazer e como interpretar esses
exames. O problema é a restrição financeira, mesmo.
Sul21: Qual é o custo desse
exame?
Patrícia Ashton Prolla: Se
colocarmos em perspectiva o benefício que ele traz, o preço é irrisório.
Dependendo do teste, custa mais ou menos 1.500 reais. Quando se acha uma
alteração genética, é preciso pesquisar nos familiares só essa alteração, e aí
o custo cai para 150 reais por teste. Hoje, uma ressonância está em torno de
900 reais. Se a pessoa tiver que fazer uma ressonância por ano, gastará só com
este exame quase todo o preço do teste. A relação custo benefício é muito boa,
mas o SUS ainda não paga esse teste. Os convênios já pagam. No caso de alguns
de nossos pacientes que têm familiares com convênio, nós começamos testando
esse familiar. Outros ingressam em projetos de pesquisa nacionais e
internacionais e conseguimos realizar os testes por meio deles.
Sul21: Esses testes se
aplicam a vários tipos de câncer?
Patrícia Ashton Prolla: Sim,
vários tipos de câncer. Todos os tipos de câncer podem ter uma forma
hereditária. Como disse, entre 10% e 20% deles são hereditários. O nosso
trabalho é descobrir, entre todos os casos, quais são os hereditários e quais
não são. Temos que cumprir uma espécie de check-list para descobrir isso.
Fazemos um intenso trabalho de divulgação junto aos nossos colegas e de
treinamento com os médicos residentes para que eles aprendam a reconhecer casos
suspeitos. A grande facilidade que temos aqui no Hospital de Clínicas é que
atendemos junto com a oncologia, na mesma área física. Quando surge alguma
dúvida é só bater na porta ao lado.
Sul21: Quantas pessoas, em
média, estão sendo atendidas por esse programa hoje?
Patrícia Ashton Prolla:
Entre 40 e 50 pessoas por semana, às vezes um pouco mais. Uma das
características fundamentais desse programa é que temos uma equipe
multidisciplinar com médicos oncologistas, médicos geneticistas, enfermeiros e
psicóloga. O nosso atendimento envolve muitas vezes questões bem delicadas. Às
vezes, uma pessoa da família quer saber se tem uma alteração genética e outras
não querem. E no momento que a gente faz o teste em um integrante da família, acaba
inferindo coisas dos demais. Quando uma pessoa tem uma alteração genética, a
chance de um filho ou irmão ter também é de 50%.
Sul21: Além do trabalho de
prevenção, por meio da realização dos testes de DNA, que outros serviços são
realizados pelo programa?
Patrícia Ashton Prolla: O
nosso maior tratamento é a prevenção. Se sabemos que uma paciente tem uma
alteração genética que a coloca com um risco de 80% de ter um câncer, vamos
propor estratégias para descobri-lo muito cedo, quando ele ainda for curável,
ou tentar fazer uma cirurgia, retirando o órgão em questão e evitando que o
tumor apareça. Todo o nosso trabalho é para que o tumor não aconteça ou
aconteça em um estágio em que o tratamento seja simples e rápido. Quando não
conseguimos isso, e o paciente desenvolve um tumor em estágio mais avançado, o
tratamento é basicamente igual ao de qualquer outro câncer. Há algumas doenças
que, pelo fato de ter uma mutação, tem um tratamento específico, uma
quimioterapia com o que chamamos de drogas de alvo. O alvo é uma determinada
alteração genética.
Sul21: Para que casos, por
exemplo, existe esse tipo de quimioterapia?
Patrícia Ashton Prolla: As
alterações, por exemplo, nos genes BRCA1 e BRCA2, que é o caso da Angelina
Jolie. Nos casos que já estão muito avançados, com doenças metastáticas, o
tratamento inicial é igual ao resto. Depois, pode-se usar uma droga
alternativa, que até tem menos efeitos colaterais do que a quimioterapia
convencional, que só funciona para quem tem essa alteração. Ela incide nas células
tumorais que têm aquela mutação,
Sul21: Já há algum
tratamento sendo utilizado que envolva manipulação genética?
Patrícia Ashton Prolla: Nos
casos de câncer hereditário, ainda não há nenhuma experiência de edição
genômica, como chamamos, que consistiria em ir na sequência de DNA, retirar a
sequência que está alterada e corrigir. Isso ainda é bem experimental. Está
sendo feito em animais e já há algumas experiências com humanos, mas não na
minha área. Existe uma grande preocupação se esse tipo de intervenção não vai
causar também outras alterações em regiões que até então não tinham problema
nenhum, provocando outras doenças. Há dúvidas ainda sobre se essa estratégia
vai funcionar. Provavelmente, sim. Acho que é uma questão de tempo.
Sul21: A principal
contribuição da genética nos últimos anos, então, no que diz respeito ao
câncer, está mais no campo da prevenção mesmo?
Patrícia Ashton Prolla: Com
certeza. O foco maior é a prevenção. O câncer é uma doença tão heterogênea, com
tantas facetas, que dificilmente conseguiremos usar um único tratamento para
enfrentá-la. São pouquíssimos os tumores que respondem a uma única droga, a um
único tipo de tratamento. Existem mecanismos dentro do próprio tumor que fazem
com ele vá superando as barreiras que o tratamento vai erguendo e se erga de
novo, falando numa forma figurativa. O tratamento do câncer é, portanto, algo
extremamente complexo. A melhor forma mesmo de sobreviver ao câncer é não
deixar que ele aconteça ou, se ele acontecer, conseguir retirá-lo muito precocemente.
Milagres acontecem, mas no caso de tumores metastáticos, que já saíram do local
que estavam e foram para locais distantes, a maioria é incurável.
Hoje temos tecnologias que
permitem viver décadas com um tumor, deixando-o meio dormente ou controlado. No
caso do câncer de mama, há pacientes que vivem 20 ou 30 anos até que o tumor
volte e acabe matando a pessoa. Com esses novos tratamentos é possível
prolongar a vida da pessoa por muitos anos com uma qualidade de vida bem
razoável.
Sul21: Alguns pesquisadores
sustentam que os mais recentes avanços na luta contra o câncer podem nos levar
a redefinir o próprio conceito de vitória sobre a doença. O que você disse
sobre as novas possibilidades de sobrevida caminha um pouco nesta direção, não?
Patrícia Ashton Prolla:
Existe uma discussão muito importante sobre o significado do câncer para a
nossa espécie. Há quem acredite que a ocorrência do câncer é o preço que
estamos pagando por nos tornarmos organismos mais complexos capazes de viver mais
tempo. Originalmente, a nossa espécie não estava preparada para viver cem anos
ou perto disso. Nós tivemos uma série de avanços tecnológicos como o
desenvolvimento de vacinas, uma melhor alimentação, melhores condições de
higiene e saneamento que permitiram que superássemos muitas doenças. Uma
criança, nos primeiros dois anos de vida, terá, em média, 20 infecções. Há
trezentos anos, muitas crianças morriam antes de completar dois anos de idade.
Hoje, com o que temos de tecnologia, é praticamente um crime deixar uma criança
morrer durante seus dois primeiros anos de vida.
Há uma hipótese segundo a
qual, do ponto de vista metabólico, as nossas células não aguentam tanta idade
e que o câncer estaria relacionado a essa evolução. Segundo essa visão, a única
maneira de vencer o câncer seria conseguir mudar metabolicamente as nossas
células de modo que elas se tornassem programadas para viver 100 ou 150 anos, o
que, obviamente, é algo muito mais complicado.
Sul21: Aí já entramos num
terreno mais especulativo…
Patrícia Ashton Prolla:
Exatamente. Há um gene que estudamos muito, que é o TP53, também conhecido como
o guardião do genoma. Ele é um gene central das nossas defesas contra o câncer,
agindo como um supressor tumoral. O TP53 atua de várias maneiras tentando
suprimir várias propriedades da célula tumoral. Aqui no sul do Brasil, há uma
alteração genética que causa câncer hereditário que está presente em um entre
cada 300 recém nascidos, o que é um índice muito alto. Estima-se que o índice
dessas alterações herdadas de TP53, em nível mundial, seja de um para cada 5
mil nascidos vivos. Aqui, por alguma razão, essa alteração é muito frequente.
De fato, nós temos muito mais câncer de mama que outras regiões do país e essa
alteração está associada ao câncer de mama. Em uma pesquisa que realizamos nós
mostramos que 10% das mulheres com câncer de mama, de Porto Alegre, tem essa
alteração.
O papel desse gene é muito
interessante. Nós temos duas cópias desse gene TP53 que nos protege; uma que é
herdada do pai e outra herdada da mãe. Pesquisadores que investigaram por que
os elefantes praticamente não têm câncer descobriram que eles têm de 10 a 20
cópias desse gene, o que faz com que tenham uma proteção muito maior contra o
câncer. Em geral, quanto maior o tamanho do animal, quanto mais complexo o
organismo, maior será a chance de ele desenvolver câncer. Os elefantes
encontraram uma maneira de driblar esse padrão, aumentando o número de TP53.
Sul21: Além desse trabalho
de atendimento a pacientes e famílias, há também trabalho de pesquisa
envolvendo genética e câncer aqui no Hospital de Clínicas?
Patrícia Ashton Prolla: Sim,
temos muito trabalho de pesquisa. Como professora da universidade, tenho alunos
de mestrado e doutorado e pós-doutores que trabalham no laboratório. Hoje,
temos cerca de vinte pessoas trabalhando com pesquisa sobre câncer hereditário
no nosso laboratório. Nestas pesquisas nós buscamos, por exemplo, marcadores
genéticos de diagnóstico precoce ou de prognóstico de modo que seja possível
definir melhor como deve ser o curso da doença e como deve ser a resposta a um
tratamento. Ou seja, nós buscamos marcadores genéticos para definir melhor a
doença e o prognóstico sobre sua evolução.
Sul21: Já é possível
estabelecer esse tipo de prognóstico?
Patrícia Ashton Prolla: É o
que estamos tentando fazer. Já conseguimos descobrir algumas coisas. Entre as
pessoas que nascem com a alteração de TP53, por exemplo, algumas têm câncer na
infância, nos primeiros anos de vida, outras têm câncer na vida adulta e outras
ainda nunca têm câncer. O que explica essas diferenças? Temos um pai com
quarenta e poucos anos que tem essa alteração e é saudável, que tem uma filha
que teve um tumor com um ano de vida. Nós estudamos o material genético de
todos esses casos e comparamos vários marcadores genéticos, tentando encontrar
onde está a diferença para tentar achar uma maneira de prever. No caso desta
doença, nós já conseguimos prever, por exemplo, em que idade vai acontecer o
tumor, se é que ele vai se desenvolver.
Sul21: Vários grupos de
pesquisadores estão trabalhando hoje no mundo para traçar o genoma do câncer.
As pesquisas que estão sendo desenvolvidas aqui podem ser consideradas como uma
parte deste esforço?
Patrícia Ashton Prolla:
Ainda não tanto quanto a gente gostaria. Nos Estados Unidos há hoje programas
como o TCGA (The Cancer Genome Atlas), que fez o mapeamento genético de
centenas de tumores, de vários tipos. Tudo isso está disponível em uma base de
dados pública. Nas nossas pesquisas, também estudamos isso. Nós acessamos essas
bases de dados públicas e comparamos com os nossos dados. O problema é que esse
mapeamento exige uma estratégia de custo muito elevado. No Brasil, nós não
temos uma linha de fomento específica para esse tipo de pesquisa. O que temos
são algumas iniciativas isoladas de alguns grupos de pesquisadores brasileiros.
Mas seria muito interessante termos uma amostra de tumores de pacientes
brasileiros e ver, por exemplo, se existe alguma diferença entre os tumores de
estômago daqui com os analisados nos Estados Unidos. Tecnicamente, podemos
fazer isso. Nosso problema é a falta de dinheiro.
Sul21: As estatísticas de
câncer no Brasil ainda são muito insuficientes, não?
Patrícia Ashton Prolla: Sim,
é muito pouco. De novo, aqui, esbarramos na questão financeira. O Instituto
Nacional do Câncer (Inca) tem várias estratégias para obter registros de
câncer, de base populacional e de base hospitalar. O Hospital de Clínicas, por
exemplo, participa desse esforço. Todo mês informa o número de casos. Mas não
existe um recurso financeiro específico para esse trabalho. O Hospital de
Clínicas não ganha nada para fazer esses registros. Nos falta incentivo, em
termos de pessoal e de recursos financeiros, para que possamos ter uma base de
dados robusta. Capacidade tecnológica e recursos humanos nós temos. O ano
passado foi um desastre para nós em termos de pesquisa. Todos os editais de
pesquisa fecharam. Nós entramos com 20, 25 projetos de pesquisa por ano, para
ganhar dois ou três. No ano passado não abriu nenhum edital. Nunca tinha me
acontecido isso.
Há um grupo grande de
pessoas de várias instituições, hoje, no Brasil, tentando estimular a formação
de profissionais nesta área. Segundo estimativa do Inca, deveremos ter mais de
57 mil novos casos só de câncer de mama, em 2016. Se considerarmos que cerca de
20% desses casos são hereditários, vemos que a necessidade de formação de
profissionais nesta área é bem grande. Estamos fazendo um esforço grande de
formação e para que os exames de DNA possam ser feitos pelo SUS, que atende a
cerca de 70% da população.
Sul21: Você mencionou antes
a possibilidade de o câncer estar relacionado, entre outros fatores, ao fato de
estarmos vivendo mais, o que exige mais de nossas células também. Além disso,
há fatores externos que vêm sendo associados ao câncer. O Instituto Nacional do
Câncer divulgou ano passado um relatório advertindo para os riscos do uso
crescentes de agrotóxicos em nossa agricultura. Há alguma pesquisa sendo feita
aqui sobre esse tema?
Patrícia Ashton Prolla:
Especificamente sobre agrotóxicos e câncer, eu não saberia te dizer agora. Aqui
também temos um problema muito importante de notificação. Tudo o que envolve
exposição ambiental é complicado porque depende de uma coisa que é a memória
das pessoas. Eu trabalhei um período em outra área do nosso serviço, que trata
da exposição às drogas na gestação. Investigamos casos de crianças que nasceram
com alguma alteração congênita. Quando perguntamos à mãe o que ela fez durante
toda a gestação, é muito difícil resgatarmos com precisão essa história. Os
relatos sobre a ingestão de álcool ou algum tipo de medicamento costumam ser
imprecisos. Além disso, temos as exposições às quais estamos sujeitos e nem nos
damos conta.
Sul21: Tipo o quê, por
exemplo?
Patrícia Ashton Prolla: Na
própria alimentação. No caso do câncer de mama, por exemplo, uma coisa muito
importante é o conteúdo hormonal do nosso corpo. Nós sabemos que alimentos como
carne de gado ou de frango hoje têm hormônios, mas não sabemos quanto tem ou
que tipo de hormônio estamos consumindo. As próprias quantidades variam de uma
marca para outra. O que é muito complicado no caso do câncer é que a gente
ainda não sabe qual é o tamanho da contribuição de cada um desses eventos.
Certamente, no desenvolvimento de tipos de câncer, há uma contribuição do stress,
de alterações metabólicas, do fumo, de doenças como o diabetes, de poluição,
agrotóxicos, hormônios. O que não sabemos é quanto cada uma dessas coisas vai
contribuir para o resultado final.
Dificilmente será uma causa
só, mesmo nos casos de câncer hereditário. Já tive o caso de duas irmãs gêmeas,
com a mesma alteração genética, e uma tem câncer e a outra não. Por quê? Porque
há outros fatores ambientais, que protegeram uma delas e que aceleram o
processo do câncer na noutra. O desafio é conseguir identificar esse fator
ambiental e como ele provoca essa diferença.
Com o que temos de
conhecimento hoje sobre a heterogeneidade do câncer, podemos afirmar que não
haverá uma resposta única para todo mundo. Algumas pessoas são mais suscetíveis
que outras a esses fatores externos. Duas pessoas podem fumar a mesma
quantidade de tabaco durante o mesmo período de tempo e uma só desenvolver
câncer de pulmão. Ainda não temos uma receita precisa do que nos protege e do
que nos torna vulnerável ao câncer, mas a influência desses fatores externos é
inegável.
Sul21: Existe a sensação,
hoje, de um aumento do número de casos de câncer. Praticamente todo mundo tem
um parente ou conhecido sofrendo da doença. Essa sensação de aumento é real ou
é muito resultado do aperfeiçoamento do processo de diagnósticos?
Patrícia Ashton Prolla: Isso
não está demonstrado. Provavelmente, é resultado de uma melhoria dos processos
de registro e de diagnóstico. Não temos ainda uma prova clara de um aumento
médio significativo do número de casos em relação há 50 anos, por exemplo. Pode
ser que sim, mas antes de afirmar isso precisamos descartar essa hipótese da
melhoria de registro e de diagnóstico.
http://www.sul21.com.br/jornal/mapeamento-genetico-abre-novo-front-na-guerra-contra-o-cancer/
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