O
gosto amargo das descobertas da "lava jato" não decorre de pouca
coisa: graves episódios de corrupção envolvendo empresários de expressão,
funcionários públicos de alto escalão e políticos com assento no Congresso e em
ministérios.
Com
a suspensão dos contratos e pagamentos das empresas envolvidas, afora a
proibição de participarem de novas licitações, vemos uma parte importante da
economia minguar, o desemprego crescer e a produção decrescer.
Como
disse Walfrido Warde Júnior em artigo no jornal Folha de S.Paulo, as 29
empresas envolvidas na Lava Jato controlam a maioria dos projetos de
infraestrutura essenciais ao país. Empreendimentos de vulto, caros, financiados
por bancos públicos e fundos de pensão. Calcula-se que sociedades controladas
pelas empreiteiras devam R$ 1 trilhão aos financiadores públicos.
A
questão é: será possível prosseguir nas investigações criminais e
administrativas, punir os responsáveis, sem levar a economia do país ao
colapso?
No
campo da investigação criminal, a utilização da delação premiada revelou-se
bem-sucedida. Em troca do abrandamento ou até mesmo da exclusão das punições,
foi possível a ampla coleta de provas com a identificação de novos
protagonistas do crime e até mesmo a descoberta de novos delitos. Já se
questionou se essa prática tem gerado impunidade, mas é indesmentível que a
fórmula deu certo no que diz respeito à eficiência repressiva.
Um
amplo esquema de corrupção foi desbaratado e novos setores estão na reta da
investigação. Prevaleceu o pragmatismo sobre a mentalidade meramente punitiva.
O aparente sucesso desse método investigativo não pode ficar isolado ao campo
penal.
Revelando
enorme sensibilidade, o governo federal editou a Medida Provisória 703, que
institui novos padrões para a celebração do acordo de leniência. Antes restrito
à primeira empresa que se apresentasse para negociar, agora o acordo pode
alcançar todas as outras que se dispuserem a tanto, mesmo que já exista ação em
andamento.
Isso
desde que ocorra: identificação dos demais envolvidos na infração, quando
couber; obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada
ou sob investigação; cooperação da pessoa jurídica com as investigações, em
face de sua responsabilidade objetiva; e comprometimento da pessoa jurídica na
implementação ou na melhoria de mecanismos internos de integridade.
A
estratégia embutida na delação premiada, na qual vários criminosos podem
delatar –e não apenas o primeiro–, se repete agora no campo administrativo. As
empresas que tomarem parte do acordo de leniência, além da multa e da exigência
de novas práticas de governança corporativa, poderão licitar e contratar com o
poder público.
Na
prática, isso significa a continuidade de diferentes obras e emprego para os
trabalhadores de diversos segmentos. As empresas permanecerão vivas,
evitando-se o colapso econômico do país. Há uma evidente sintonia entre a nova
medida provisória e o método da delação aplicado de forma ampla nos diferentes
processos da "lava jato, que, além do mais, tem permitido a recomposição
dos cofres públicos.
Na
Alemanha, muitas das empresas que participaram ativamente do esforço de guerra
nazista sobreviveram no pós-guerra. Isso tornou possível o reerguimento
econômico do país, além do pagamento de pesadas indenizações.
O
ideal kantiano de punição absoluta revelou-se pouco eficaz em termos de
prevenção. Mais auspiciosas são as medidas que possam garantir a produção de
riquezas com empregos e pagamento de tributos, mas com a aplicação de multas e
nova governança empresarial.
Lidar
mais inteligentemente com graves transgressões não significa capitulação ao
crime, mas possibilidade concreta de sua superação.
Alberto
Zacharias Toron é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela
USP, ex-diretor do Conselho Federal da OAB; ex-presidente do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (95/96); membro fundador do Instituto de
Defesa do Direito de Defesa e professor de Processo Penal da Faap.
[Artigo
originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desse sábado (16/1)]
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2016-jan-17/alberto-toron-acordos-leniencia-preservar-empregos
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