Uma
médica com câncer aproveitou uma brecha jurídica para continuar recebendo
fosfoetanolamina mesmo depois de o Tribunal de Justiça de São Paulo cassar
liminares que obrigavam a USP a fornecer a substância, apelidada de “cápsula
contra o câncer”. Como ela recorreu a tribunais superiores, o desembargador
Ricardo Anafe, presidente da Seção de Direito Público, reconheceu o direito até
que o caso seja julgado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo
Tribunal Federal.
A
paciente conseguiu 240 cápsulas no final de agosto, por decisão da juíza
Gabriela Müller Carioba Attanasio, da Vara da Fazenda Pública de São Carlos
(SP). A liminar foi reformada pela 9ª Câmara de Direito Público. Por maioria de
votos, o colegiado concluiu não ter ficado comprovada a efetiva eficácia da
substância no controle dos sintomas do câncer.
O
advogado e marido da autora, Eduardo Augusto Pinto, apresentou embargos de
declaração com prequestionamentos sobre a necessidade de levar o tema ao STJ e
ao Supremo. Após nova negativa na 9ª Câmara, o caso foi enviado à presidência
da Seção de Direito Público, responsável por apreciar a admissibilidade de
recursos especiais e extraordinários.
No
dia 7 de dezembro, o presidente da seção aplicou efeito suspensivo à decisão de
segunda instância. Assim, voltou a valer a liminar da juíza de São Carlos.
A
USP respondeu que estaria proibida de atender a autora porque o Órgão Especial
do TJ-SP cassou todas as liminares envolvendo o fornecimento de
fosfoetanolamina. Ricardo Anafe, porém, disse que o acórdão citado fica
restrito às decisões proferidas no Judiciário paulista. “A atribuição de efeito
suspensivo a recurso dirigido aos tribunais superiores é decisão que transborda
desses limites, vez que, proferida no exercício de atividade jurisdicional de
competência dos tribunais superiores, apenas delegada às (...) cortes locais
para juízo prévio e provisório da admissibilidade.”
Para
o desembargador, “a possibilidade de agravamento do quadro clínico da
recorrente pela suspensão da entrega de medicamento (...) legitima a
excepcional atribuição do pleiteado efeito suspensivo”. No dia 15 de dezembro,
ele avaliou ainda que o recebimento de fármaco essencial à preservação da saúde
é relevante para chegar ao STJ, assim como envolve dispositivos constitucionais
suficientes para julgamento no STF.
Eduardo
Pinto diz que a mulher foi diagnosticada em 2013 com leiomiossarcoma uterino e
passou por vários tratamentos tradicionais: passou por quimioterapia e cirurgia
para retirada do útero, mas só com as novas cápsulas começou a ficar mais
disposta. Quando a primeira remessa acabou, conseguiu mais 240 pílulas em
mandado de busca e apreensão assinado pela mesma juíza de São Carlos.
O
advogado afirma ter conhecimento dos riscos de uma substância ainda não testada
em animais e seres humanos. “Hoje, a medicina tradicional não tem remédio para
a minha esposa. Agora, encontramos uma tábua de salvação, como muitas pessoas
do país.”
Efeitos
controversos
A
droga era distribuída a algumas pessoas no município de São Carlos, onde um professor
aposentado pesquisa seus efeitos no Instituto de Química da USP. Depois de uma
liminar assinada no STF pelo ministro Luiz Edson Fachin, uma enxurrada de
processos passou a cobrar medida semelhante.
A
juíza Gabriela Müller Carioba Attanasio concedeu uma série de liminares. Acabou
até virando alvo de apuração preliminar na Corregedoria-Geral de Justiça de São
Paulo, por supostamente ter descumprido decisão superior. O presidente do
TJ-SP, desembargador José Renato Nalini, afirma que ela “desconsiderou” um
despacho no qual ele suspendeu o fornecimento no estado, por entender que a
substância não é remédio nem existe prova de que combata a doença com
segurança.
O
entendimento de Nalini foi mantido pelo Órgão Especial em novembro. Os
desembargadores consideraram imprudente que o Judiciário permita a distribuição
de droga sem que seus efeitos sejam conhecidos.
"Nem
o médico tem condição de prever as consequências desse uso e pode contrariar
seu dever de proteger a saúde de seu paciente. A USP não desenvolveu estudos
sobre reação em seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em
humanos. Não há registro da substância na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância
Sanitária], portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que
não tem bula", afirmou o desembargador Sérgio Rui, que afirmou vivenciar
casos de câncer na família.
Por
Felipe Luchete
http://www.conjur.com.br/2015-dez-30/paciente-capsula-cancer-recurso-chegar-stf?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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