Análise de substâncias
banidas na Europa e nos EUA se arrasta há anos na Anvisa. Agência restringiu o
uso de algumas, mas várias seguem liberadas
por Deutsche Welle
Uma lista extensa de
agrotóxicos utilizados na agricultura brasileira é proibida na União Europeia
(UE) e nos Estados Unidos. Além disso, o Brasil é, desde 2008, o maior
consumidor de pesticidas do mundo, o que levou o jornal francês Le Monde a
chamar, em tom irônico, os pesticidas de o "tempero preferido" dos
brasileiros.
São permitidos para uso nas
lavouras brasileiras 434 ingredientes ativos de agrotóxicos. Entre os 50 mais
utilizados, 22 são proibidos em países europeus. Entraves políticos e jurídicos
são os principais fatores para que substâncias perigosas continuem a ser
empregadas nas plantações do Brasil.
Em 2008, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a reavaliar o uso de 14 substâncias,
utilizadas na fabricação de mais de 200 agrotóxicos. Segundo avaliações
internacionais, elas podem causar câncer, má formação fetal, problemas
pulmonares e distúrbios hormonais.
Dessas 14 substâncias, até
agora apenas cinco foram banidas (cihexatina, endossulfam, forato, metamidofós
e triclorfom), e duas foram mantidas no mercado, mas com restrições de uso
(acefato e fosmete).
"Poucas foram proibidas
porque a indústria do agrotóxico, o Ministério da Agricultura e os fazendeiros
fazem pressão para o processo de revisão não andar", critica Wanderlei
Pignati, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso. "Fabricantes
de alguns produtos entraram na Justiça e conseguiram liminares para parar a análise."
A Anvisa é responsável por
avaliar se a quantidade de agrotóxico presente nos alimentos é prejudicial à
saúde humana. O órgão pode requerer mudanças na formulação e no método de
aplicação, restringir o uso ou mesmo suspender o registro do agrotóxico.
"A proposta de nós,
pesquisadores, era revisar inicialmente esses 14 para que depois fossem
avaliadas outras 50 substâncias, algumas até mais perigosas do que as que estão
na lista atual", afirma Pignati à DW Brasil.
Um pesquisa da Anvisa
mostrou que 31% dos alimentos típicos da cesta básica comercializados no Estado
de São Paulo em 2014 tinham agrotóxicos proibidos ou em quantidade além da
permitida. Entre as amostras de alface analisadas, por exemplo, 60% estavam
insatisfatórias. Já com o pimentão, esse número chegou a 90%.
Como funciona a
regulamentação pelo mundo
Na União Europeia (UE), cada
país-membro possui regulamentações próprias, mas o que prevalece são as regras
determinadas pelo bloco. A Alemanha, por exemplo, baniu o uso da substância
endosulfan em 1991. Pouco tempo depois, a UE também adotou a proibição,
fazendo-a valer em todos os seus países – no Brasil, o ingrediente só foi
banido em 2013.
Nos Estados Unidos, quem
controla a regulamentação dos agrotóxicos é a Agência de Proteção Ambiental
(EPA, na sigla em inglês). Recentemente, o órgão reavaliou quase todos os
ingredientes ativos usados na fabricação de pesticidas. No país, mais de 60
tipos de pesticidas são proibidos.
No Brasil, a
responsabilidade pelos agrotóxicos fica nas mãos de três órgãos federais:
Ministério da Agricultura, Anvisa (atrelada ao Ministério da Saúde) e Ibama (do
Ministério do Meio Ambiente).
Para uma substância ser
registrada, e com isso ganhar autorização de comercialização e uso em
território brasileiro, ela precisa passar pelo aval dessas três entidades – o
Ministério da Agricultura analisa a importância agronômica do pesticida; a
Anvisa avalia seus efeitos tóxicos sobre a saúde humana; e o Ibama, os efeitos
sobre o meio ambiente.
"Observa-se, porém, uma
grande deficiência do Estado em controlar o uso de agrotóxicos, além de uma
grande dificuldade em retirar os produtos do mercado depois que eles ganham o
registro", afirma Marcia Sarpa de Campos Mello, toxicologista do Instituto
Nacional do Câncer (Inca).
"Isso acontece porque o
registro de agrotóxicos não tem validade, é tido como ad eternum", explica
a especialista. No Brasil, o registro de um pesticida é valido por tempo
indeterminado – uma reavaliação pode ocorrer quando há alterações de riscos à
saúde ou quando o ingrediente é banido em outros países, por exemplo.
Nos Estados Unidos, por
outro lado, o período da licença de um agrotóxico é de 15 anos e, na UE, de
apenas 10 anos. Ambas as legislações exigem que seja provado que não há nenhum
dano ao meio ambiente e à saúde humana.
"Em outros países, após
um tempo de registro, as empresas devem apresentar reavaliações toxicológicas e
novos estudos para provar novamente que o produto é seguro. Infelizmente, o
mesmo não ocorre no nosso país", diz Mello.
No Brasil, segundo a
toxicologista, as empresas fabricantes de pesticidas devem apresentar estudos
que provem a segurança desses produtos para a saúde, mas apenas na ocasião do
registro. Além disso, "essas pesquisas são realizadas usando animais de
laboratório, como ratos, camundongos e coelhos".
Riscos à saúde
Os agrotóxicos, como o nome
já diz, são substâncias que carregam riscos à saúde, tanto para os
trabalhadores expostos a essas substâncias quanto para os consumidores de
alimentos tratados com elas. Câncer, impotência, depressão e suicídio são
algumas das possíveis consequências.
Por ano, cada brasileiro
consome, em média, cerca de cinco litros de pesticidas, afirma a toxicologista
do Inca, com base em dados do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação
Agrícola (Sindag).
Segundo o Ministério da
Saúde, foram registradas, entre 2007 e 2014, 34 mil notificações de intoxicação
por agrotóxicos no Brasil – pesquisadores estimam, porém, que para cada caso
registrado, outros 50 ocorrem sem notificação, ou com notificação errônea.
Um estudo realizado pelo
Inca no município de Nova Palma, no Rio Grande do Sul, concluiu que a
substância paraquate está associada ao desenvolvimento de câncer de pele em
trabalhadores rurais. O herbicida, utilizado em cerca de 25 lavouras
brasileiras, é proibido na Europa, mas permitido nos EUA. No Brasil, está em
processo de reavaliação.
http://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/brasil-ainda-usa-agrotoxicos-ja-proibidos-em-outros-paises-9823.html?utm_content=buffer626e8&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer
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