A recente decisão
monocrática proferida pelo ministro Luiz Edson Fachin no sentido de determinar
o fornecimento da droga fosfoetanolamina a uma paciente com câncer no Rio de
Janeiro, cassando decisão denegatória do Tribunal de Justiça de São Paulo, que,
por sua vez, estava reformando decisões concessivas proferidas por juízes do
primeiro grau de jurisdição, coloca novamente em destaque o problema dos
limites do controle judicial em matéria do reconhecimento de direitos subjetivos
a prestações na seara da saúde.
Uma peculiaridade da decisão
reside na circunstância de que diversamente do que o Supremo Tribunal Federal
havia decidido, mediante decisão unânime do Plenário, na Suspensão de Tutela
Antecipada (STA) 175, julgada em março de 2010, quando foram estabelecidos
parâmetros para a concessão de medicamentos pela via judicial, na condição de
direito subjetivo do cidadão.
Naquela quadra, o STF
estabeleceu a distinção entre medicamentos experimentais e medicamentos novos, consignando
que no caso dos primeiros, por se tratar de fármacos ainda não aprovados quanto
a sua segurança e eficácia, portanto, ainda não liberados para comercialização,
não seria possível impor ao Estado (e também não aos planos de saúde privados)
o fornecimento de tais medicamentos, inclusive pelo risco potencial à saúde do
próprio requerente e titular do direito à saúde enquanto direito fundamental.
Já no caso dos medicamentos chamados de “novos”, o deferimento da concessão
pela via judicial poderia ser admitido em casos excepcionais, porquanto já
aprovados no âmbito dos protocolos científicos (superada a fase experimental) e
aptos a serem comercializados, embora ainda não aprovados, no Brasil, pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e/ou não incluídos na lista
de medicamentos elaborada pelo Ministério da Saúde.
Relembrando que na ocasião
se cuidava de um caso individual e que a medicação assegurada pela decisão na
STA 175 importava, na época, num custo mensal superior a R$ 50 mil, já naquela
quadra se revelava intenso o debate sobre os limites da intervenção judicial na
seara da saúde, mormente nos casos em que o Poder Judiciário estaria invadindo
a esfera das competências legislativas e administrativas, ou mesmo violando
princípios e regras básicas em matéria orçamentária e financeira, mas também
operando com baixo déficit de legitimidade, sem prejuízo de uma séria de outros
argumentos.
Mas o que aqui nos move não
é sequer avaliar em si todos os argumentos favoráveis e contrários aos critérios
adotados pelo STF na STA 175, mas sim, discutir a decisão recentemente
proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin.
Muito embora a argumentação
esgrimida pelo ilustre e culto ministro Luiz Edson Fachin, não é possível
desconsiderar o fato de que o critério da excepcionalidade da situação, tal
como defendido pelo prolator da decisão, não afasta a correção da justificativa
adotada para afastar a possibilidade de via judicial impor ao Estado ou mesmo
aos planos de saúde o fornecimento de medicamentos em fase experimental, pelos
riscos para a própria saúde do autor da demanda ou mesmo em virtude da ainda
não comprovada eficácia do medicamento, ademais de seu custo em relação a
medicamentos devidamente aprovados e reconhecidos pela comunidade médica e pelas
autoridades sanitárias nacionais.
Mas o problema é ainda mais
agudo no caso ora comentado em rápidas linhas. É que a droga objeto da celeuma
sequer se encontrava na fase de experiências com seres humanos, mas sim, vinha
sendo testada em animais, sequer atingido um estágio avançado nas pesquisas,
que, de resto, deve atender protocolos bem definidos e que precisam ser
respeitados para que os medicamentos possam ao final ser aprovados e liberados
para comercialização e consumo. Além disso, importa agregar que as cápsulas à
base de fosfoetanolamina vinham sendo distribuídas gratuitamente pelo cientista
responsável por seu desenvolvimento.
O que importa sublinhar é
que a decisão ora comentada liberou fármaco que sequer havia sido testado e
muito menos aprovado para tratar câncer em humanos, de tal sorte que mesmo a
aquisição por conta e risco e vontade do doente de câncer já seria
questionável, mas desde que mediante informação médica adequada sobre os
eventuais riscos e no âmbito da autonomia do paciente admissível. Agora impor
ao poder público e mesmo aos planos de saúde tal ônus é algo que, nas
circunstâncias, dificilmente poderá ser tido como exigência da dignidade da
pessoa humana e do direito à vida (ainda mais em face da ausência de
comprovação da eficácia), ambos os critérios tanto invocados embora tão
controversos no que diz com o conteúdo que lhes tem sido atribuído em tantas
decisões jurisdicionais.
Além disso, por maior que
seja (e há de ser) a relevância atribuída ao direito à saúde, o mesmo não
assume a condição de direito absoluto ou de um direito subjetivo “a qualquer
coisa”, aspectos que nem sempre tem sido suficientemente levados em conta.
De todo modo, como o próprio
ministro Luiz Edson Fachin consignou, a decisão pelo menos (ainda que passível
de críticas) propiciou a reabertura do debate sobre a matéria, debate que
eventualmente poderá viabilizar um repensar do problema da intervenção judicial
na seara da saúde, sem descurar que o direito à saúde é sim um direito
fundamental essencial, ligado à vida, integridade física e psíquica e à própria
dignidade da pessoa humana e que ao Estado no seu conjunto cabe dispender todos
os esforços no sentido da maximização de sua eficácia e efetividade, o que,
contudo não pode ser feito às custas da proteção e promoção de outros direitos
fundamentais relevantes, os quais também devem ser realizados e sem os quais a
própria vida não poderá ser plenamente desenvolvida.
Ingo Wolfgang Sarlet é
professor titular da Faculdade de Direito e dos programas de mestrado e
doutorado em Direito e em Ciências Criminais da PUC-RS. Juiz de Direito no RS e
professor da Escola Superior da Magistratura do RS (Ajuris).
Revista Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2015-out-30/direitos-fundamentais-remedios-fase-experimental-mostramlimites-tutela-saude?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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