“A
conservação da biodiversidade depende de espaços que estão, justamente, nesses
locais da Fundação, seja no Jardim Botânico ou no Jardim Zoológico. Não
acreditamos na existência de outra instituição que possa fazer isso”, afirma o
biólogo.
“Nós
não acreditávamos que essa proposta tivesse realmente a profundidade que teve”,
disse Paulo Brack à IHU On-Line, por telefone, ao comentar a proposta do
governo gaúcho de privatizar ou extinguir a Fundação Zoobotânica do Estado.
Embora a proposta ainda não tivesse sido oficializada, já estava sendo sondada
desde o início do ano. Se a medida for aprovada, serão extintos ou privatizados
o Zoológico, localizado na cidade de Sapucaia do Sul, o Jardim Botânico e o
Museu de Ciências Naturais, localizados em Porto Alegre. “Será um grande
‘apagão’ no conhecimento da biodiversidade e também nas políticas públicas
ligadas à conservação da natureza no estado do Rio Grande do Sul. Será um
retrocesso de pelo menos 30 anos em relação ao que foi construído em termos de
políticas públicas e conhecimento da biodiversidade”, adverte o biólogo.
De
acordo com Brack, ao anunciar as propostas de extinção ou privatização da
Fundação Zoobotânica, “o governo não fez nenhuma avaliação do que seria a
chamada privatização e tampouco avaliou o que existe em termos de material, ou
seja, não avaliou qual é o significado do patrimônio representado pela Fundação,
seja nas suas coleções científicas, seja no herbário com mais de 40 mil
plantas, ou nas grandes coleções de plantas vivas – a Fundação tem mais de três
mil plantas e muitas delas ameaçadas de extinção”.
Na
avaliação do pesquisador, se a motivação do governo do Estado é reduzir os
custos para ajustar as contas públicas, é mais prudente “analisar se existe
alguma questão que estaria provocando gastos maiores e o que poderia ser feito
para reduzir esses gastos, mas isso não significa ter de extinguir ou privatizar
toda a estrutura da Fundação Zoobotânica”, reitera.
Ele
informa ainda que o “Ministério Público está cobrando da Secretaria do Meio
Ambiente cerca de R$ 30 milhões de multas que não foram aplicadas, ou seja, o
pagamento dessas multas não foi efetivado por falta de existir um grupo de
cobrança, uma Câmara Técnica que deveria funcionar. Então, estamos perdendo
valores que superam muitas vezes o que é alegado por parte do governo”.
Brack
afirma também “que existe por trás dessa ideia de extinção ou privatização da
Fundação a possibilidade de uso dos espaços tanto do Jardim Zoológico quanto do
Jardim Botânico, e a possibilidade de vendas de áreas da Fundação para a
construção civil, ou seja, a ideia é privatizar áreas para fazer ‘caixa’ para o
Estado. É um absurdo!”
A
Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul é constituída do Museu de Ciências
Naturais e o Jardim Botânico, em Porto Alegre, e o Parque Zoológico, em
Sapucaia do Sul, e é responsável pelo desenvolvimento de pesquisas científicas,
estudos, projetos e atividades de educação ambiental que contribuem com a
conservação da biodiversidade do território gaúcho. O Museu de Ciências
Naturais mantém cerca de 400.000 registros de plantas e animais tombados em
suas coleções científicas, base de conhecimento da biodiversidade gaúcha.
Paulo
Brack (foto abaixo) é mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade
Federal de São Carlos. Desde 2006 faz parte da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio e representa o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais –
InGá, no Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS – Consema/RS.
IHU
On-Line - Como o senhor recebeu a notícia de que o governo do Rio Grande do Sul
quer extinguir ou privatizar a Fundação Zoobotânica do estado, considerando que
esse assunto já estava em pauta desde janeiro?
Paulo
Brack – Nós não acreditávamos que essa proposta tivesse realmente a
profundidade que teve. Discutiu-se ao longo de um tempo a questão da
privatização ou extinção do zoológico, mas o governo nunca havia apontado
efetivamente essa proposta da extinção de toda a Fundação Zoobotânica, o que
implica o fechamento do Jardim Botânico, do Zoológico e do Museu de Ciências
Naturais. Se isso acontecer, será um grande “apagão” no conhecimento da
biodiversidade e também nas políticas públicas ligadas à conservação da
natureza no estado do Rio Grande do Sul. Se isso vier a se efetivar, será um
retrocesso de pelo menos 30 anos em relação ao que foi construído em termos de
políticas públicas e conhecimento da biodiversidade.
IHU
On-Line - Se a Fundação fosse privatizada, o prejuízo seria o mesmo?
Paulo
Brack – Primeiro, ainda não podemos falar em privatização, porque o governo não
fez nenhuma avaliação do que seria a chamada privatização e tampouco avaliou o
que existe em termos de material, ou seja, não avaliou qual é o significado do
patrimônio representado pela Fundação, seja nas suas coleções científicas, seja
no herbário com mais de 40 mil plantas, ou nas grandes coleções de plantas
vivas – a Fundação tem mais de três mil plantas e muitas delas ameaçadas de
extinção.
A
conservação da biodiversidade depende de espaços que estão, justamente, nesses
locais da Fundação, seja no Jardim Botânico ou no Jardim Zoológico. Não
acreditamos na existência de outra instituição que possa fazer isso. Portanto,
seria uma grande aventura colocar na incerteza a continuidade de um patrimônio
de meio século de conhecimentos, de publicações e de pesquisas. Temos 40
doutores que trabalham com questões envolvendo botânica, zoologia,
paleontologia.
Para
nós, a Secretária Estadual do Meio Ambiente [Ana Pellini] demonstra total
despreparo e confirma o que já sabíamos, ou seja, que é uma pessoa
despreparada; não temos outra opção além de pedir a saída dela da Secretaria.
Sabemos que a secretária faz parte da engenharia dessa proposta, que até agora
nem foi mostrada nem informou que tipo de estrutura substituirá a estrutura
atual. Por conta disso também, a revolta é muito grande.
Na
última terça-feira, 11-08, houve uma manifestação em frente à Fundação
Zoobotânica, e calculamos a participação de duas a três mil pessoas. A
população está apoiando esse movimento. A Secretária e o Governo Sartori
compraram uma briga muito grande e vamos ver no que isso dará. Esperamos pelo
menos a racionalidade de retirar essa proposta.
IHU
On-Line - O senhor mencionou que essa iniciativa está sendo tomada sem
planejamento. Que tipo de planejamento não foi feito antes de se tomar essa
decisão e que planejamento deveria ser feito? O governo alega que a situação
financeira do Estado do Rio Grande do Sul é ruim. A partir disso, que
alternativa poderia ser adotada para manter a Fundação Zoobotânica?
Paulo
Brack – Primeiro, acreditamos que essa falta de planejamento significa que o
governo não tem nenhuma solução. Então, na realidade, essa foi uma ideia
“tirada da cartola”. Mesmo assim não queremos levantar hipóteses de outra
estrutura que não seja a atual, porque essa estrutura em funcionamento é uma
construção de décadas.
Se
a razão para a extinção ou privatização é uma questão de gastos, temos de
analisar se existe alguma questão que estaria provocando gastos maiores e o que
poderia ser feito para reduzir esses gastos, mas isso não significa ter de
extinguir ou privatizar toda a estrutura da Fundação Zoobotânica.
O
próprio Ministério Público está cobrando da Secretaria do Meio Ambiente cerca
de R$ 30 milhões de multas que não foram aplicadas, ou seja, o pagamento dessas
multas não foi efetivado por falta de existir um grupo de cobrança, uma Câmara
Técnica que deveria funcionar. Então, estamos perdendo valores que superam
muitas vezes o que é alegado por parte do governo.
Bom,
se for uma questão de gastos elevados, imaginamos que teremos também de fechar
hospitais e escolas. Só que eu diria que a conservação da biodiversidade é uma
função do Estado, é inalienável. Por isso, não há como o Estado não assumir um
papel que é seu.
IHU
On-Line - Quais os impactos que vislumbra tanto em relação ao acervo quanto em
relação à continuidade das pesquisas, caso a Fundação Zoobotânica seja extinta
ou privatizada?
Paulo
Brack – Estamos nos dando conta de que seria uma tragédia do ponto de vista da
conservação da biodiversidade em todos os sentidos, tanto do conhecimento,
quanto dos programas, porque existem vários programas dos quais a Fundação está fazendo parte. Por exemplo,
existe o programa RS
Biodiversidade, que está sendo financiado a fundo perdido pelo
Banco Mundial e, se a Fundação Zoobotância não estiver presente nesse programa,
o programa acaba.
Dessa
forma, perderemos recursos e, ao mesmo tempo, o compromisso que foi assumido em
parte pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente – não só nesse ano, mas em anos
anteriores – em vários projetos e programas, e que dependem dos técnicos e dos
seus locais de trabalho.
Sabemos
que existe por trás dessa ideia de extinção ou privatização da Fundação a
possibilidade de uso dos espaços tanto do Jardim Zoológico quanto do Jardim
Botânico, e a possibilidade de vendas de áreas da Fundação para a construção
civil, ou seja, a ideia é privatizar áreas para fazer “caixa” para o Estado. É
um absurdo! Se a privatização ou extinção acontecer, comprometeremos um
patrimônio representado por coleções científicas e também o conhecimento que
existe na memória desses técnicos e nos departamentos especializados nesses
temas.
Universidades
e vários colegas nossos estão apoiando as nossas manifestações e creio que essa
inciativa do governo está tendo uma repercussão negativa a nível nacional e
internacional. Então, estamos diante de um grande impasse, porque não vemos
outra forma se não a de o governo retirar ou negar essa proposta, e os
deputados não concordarem com a aprovação desse projeto, porque ele é
totalmente absurdo e iria comprometer um patrimônio natural dos gaúchos e o
conhecimento da questão da biodiversidade.
IHU
On-Line – O senhor tem conhecimento de quais empresas teriam interesses nas
áreas da Fundação?
Paulo
Brack - Creio que essa especulação ainda é
prematura. Nós queremos que a sociedade esteja atenta e se una ao
movimento para não deixar que a extinção ou a privatização ocorra. Não podemos
adiantar e não é nem o momento de ver quem vai se apropriar desse patrimônio.
Não podemos deixar que esse patrimônio seja vendido ou fechado, inclusive
estamos apelando para o Ministério Público e para a Justiça para que isso não
ocorra, porque sendo a conservação da biodiversidade uma função essencial do
Estado, simplesmente fechar as portas ou deixar na incerteza todo esse trabalho
que foi construído ao longo de décadas significa um retrocesso na área
ambiental.
Precisamos
apelar, inclusive, à Constituição Brasileira, que assegura a proteção das
espécies ameaçadas. Portanto, essencialmente, consideramos que essa proposta
não tem nenhuma base de argumentação e, ao mesmo tempo, não teria como
argumentar como uma coisa com a qual o Estado não pode se ver livre. É como se
eu, enquanto pai, dissesse que não quero mais cuidar do meu filho e vou passar
a guarda dele para outra pessoa. O Estado tem que dar uma solução e não é
através de corte de orçamento, que significa cerca de não mais que 0,5% do
gasto do Estado, com um setor tão fundamental como esse.
IHU
On-Line – Alguns dizem que o governo deveria vender parte do eucalipto do Horto
Balduino Rambo para ter um rendimento, como uma alternativa para não extinguir
ou privatizar a Fundação. Como o senhor avalia esse tipo de proposta?
Paulo
Brack – O Horto Balduíno Rambo, que fica no Zoológico, tem 500 hectares, e foi
inicialmente formado com o plantio de eucalipto e hoje já tem uma mata nativa,
uma área muito grande, e representa também uma área importante para diminuir a
conturbação da região metropolitana. Trata-se de uma área que serve como um
“tampão ecológico”, com dezenas ou mais de uma centena de aves e dezenas de
plantas que já existem ali associadas ao bosque de eucalipto. Portanto, é uma
área que tem uma importância, sim, e é uma área que está sendo requisitada há
muito tempo.
Uma
das outras questões que a Secretaria até agora não lançou, mas nós sabemos que
existe o interesse de transferir setores da Fundação Estadual de Proteção
Ambiental Henrique Luiz Roessler - FEPAM e da Secretaria Estadual de Meio
Ambiente para a área hoje ocupada pelo Jardim Botânico e também pelo Museu de
Ciências Naturais. Assim, tirar os técnicos antigos que estão lá seria uma
maneira de baratear muito o custo do aluguel da Secretaria de Meio Ambiente -
porque atualmente é pago um aluguel muito caro pelo uso de um prédio no centro da cidade de Porto Alegre.
Nós
reparamos também que não há interesse por parte do governo no sentido de
fortalecer a gestão ambiental: simplesmente trabalham em uma linha cartorial de
licenciamentos, sem embasamento e sem uma gestão ambiental séria, porque
transformar a gestão ambiental em uma coisa séria e profunda, dentro da visão
do governo, significa atrapalhar os empreendimentos e trazer embaraços para os
empreendedores. Existe também um interesse em desmontar a gestão ambiental para
dar uma serenidade ao licenciamento ambiental que eles, na visão imediatista,
estão tentando implantar no estado.
IHU
On-Line – Ainda em relação ao Horto Balduino Rambo, a sua posição é de não
desmatá-lo?
Paulo
Brack – Eu diria que ainda é muito cedo para tocar nesse assunto. Essa área de
eucalipto talvez não seja o ponto mais importante hoje. O fato é que não
queremos que esse projeto seja aprovado, e não vamos entrar no debate do
eucalipto agora, porque ainda não é momento para isso. Acredito que a sociedade
deve se dar conta da perda que isso representará, pois as implicações da
privatização ou extinção são incalculáveis.
Existem
milhares de trabalhos científicos relacionados à conservação de flora e fauna
no estado e esses técnicos não podem ser jogados para a rua e, se forem jogados
para a rua, a responsabilidade por isso é tanto da Secretária do Meio Ambiente
como também do governador. Isso pega muito mal e é uma vergonha para o estado.
IHU
On-Line – Outra proposta que está em discussão é a privatização dos parques
estaduais, como o de Itapuã, do Turvo, na fronteira com a Argentina e Itapeva,
em Torres. Sobre isso, a secretária estadual de Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, Ana Pellini, disse que o intuito das mudanças “é financeiro, mas servirá
para dar melhor uso às áreas que hoje têm capacidade limitada”. Como avalia
essa proposta?
Paulo
Brack – A secretária trabalha com certa “pirotecnia”. Há sete anos
aproximadamente – quando ela fazia parte da FEPAM, no governo Yeda Crusius -,
disse para ambientalistas e para a imprensa, em relação ao embate que teve no
tocante à silvicultura no estado, que já tinha acertado com o Ministério do
Meio Ambiente, a criação de pelo menos uma Unidade de Conservação – UC no Bioma
Pampa. E alguns dias depois, o Ministério do Meio Ambiente enviou,
oficialmente, uma comunicação dizendo que ele não tinha sido contatado, que não
houve nenhum acordo e nenhum contato por parte da Secretaria em relação a isso.
O
que quero dizer é que a secretária não fala a verdade - não estou dizendo que
ela está mentindo - mas o que ela falou até agora são “leviandades” no sentido
de trazer uma insegurança à área ambiental e isso também gera medo nos
técnicos. Então, existe também o que chamamos de “doutrinas do choque à moda gaúcha”.
Na verdade, tem um fundamento ideológico aí, é um tratamento de choque: trazer
propostas mirabolantes para criar um pânico nos funcionários, e assustar a
sociedade, dizendo, inclusive, que com esses enormes gastos o governo não terá
condições de pagar dívidas etc.
Há
também uma propaganda superestimada da situação, que poderia ser resolvida. Por
exemplo, são feitas desonerações para grandes empresas, o próprio Ministério
Público já, há alguns anos, havia levantado mais de R$ 10 bilhões de
desoneração para setores da indústria, anulando o pagamento de impostos; isso é
um absurdo. Logo, haveria outras formas, sim, de ter um orçamento melhor se
cobrassem as multas, se diminuíssem as desonerações, se cobrassem dívidas que
não estão sendo pagas por grandes empresas. Então, pegar justamente um setor
desses, como a Fundação, é uma maneira de castigar a área ambiental e criar um
pânico para deixar as pessoas sem ação. Acredito que o governo “deu com os
burros n'água” no sentido de ter provocado a sociedade. Agora surgirá um grande
movimento em defesa da Fundação Zoobotânica.
Em relação à declaração da Secretária, é isso que eu
dizia, ela não fez nenhum levantamento. Ela foi uma vez na Fundação esse ano,
segundo relatos de técnicos e funcionários da Fundação Zoobotânica. Portanto,
ela não conversou com ninguém, não fez nenhum tipo de tentativa de estudo de
algum ajuste nessa área. Ela não tem o conhecimento profundo do que significa a
Fundação. Na realidade, ela está apontando, talvez, para o setor imobiliário ou
empresarial, a possibilidade de utilização dessas áreas para gerar “caixa” para
o governo.
Isso
demonstra que o governo está “se lixando” para a questão do patrimônio da
Fundação Zoobotânica e tudo o que ele representa. É muito grave o que está
acontecendo e não há outra solução se não a de fazermos uma grande campanha
pela substituição da Secretária de Meio Ambiente, já que ela não é da área
também - ela da área da Contabilidade e da Economia -, ou seja, não entende
nada de meio ambiente. Nós precisamos pensar que a complexidade que envolve uma
Secretaria de Meio Ambiente precisa ter pessoas com o mínimo conhecimento da
área e que possam dar conta desse desafio ambiental, principalmente em um
momento de crise ambiental, a qual sabemos que nunca foi tão grave como agora,
tanto em relação às mudanças climáticas, à perda mundial de biodiversidade etc.
IHU
On-Line - Deseja acrescentar algo?
Paulo
Brack – Talvez uma palavra que devemos destacar aqui é que estão criando um
grande “apagão”, tanto no conhecimento da biodiversidade, como também na gestão
da natureza com essas atitudes que estão sendo tomadas referentes a esses
projetos de lei. Inclusive, na Assembleia, existe uma mobilização para que os
deputados se deem conta de que este projeto não tem nenhum cabimento e que não
deve ser aprovado.
Por
Patricia Fachin. IHU On-Line
http://zip.net/bnrPrs
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