Para
professor Luiz Moreira Gomes Júnior, MP tem de ser responsabilizado por
denúncias inconsistentes.
O
clima criado com vazamentos de informações sigilosas e prisões preventivas, o
que tem ocorrido ultimamente no Brasil em operações policiais como a "lava
jato", faz com que o advogado muitas vezes seja criminalizado por defender
o seu cliente. A opinião é do professor Luiz Moreira Gomes Júnior, ex-integrante
do Conselho Nacional do Ministério Público e professor de Direito
Constitucional da Faculdade de Direito de Contagem (MG).
Em
entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele afirma que está sendo
“gestado” no Brasil um ambiente de hostilidade ao exercício da advocacia,
criando uma imagem de que o advogado atrapalha a investigação e o andamento dos
processos. “Sorrateiramente, o corporativismo, de setores que compõem o sistema
de Justiça, tem conjugado uma lógica do ‘nós contra eles, os advogados’, que
tende a eliminar as diferenças entre aparato persecutório e magistratura, com
prejuízos insanáveis aos direitos fundamentais”, diz Gomes, doutor em Direito
Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Ele
afirma que confundir advogado com cliente e direito de defesa com impunidade “é
um dos traços que mais que denotam a vigência de estados de exceção”. O
professor também defende a responsabilização do Ministério Público em casos de
denúncias inconsistentes. E fala que nesses casos o MP deveria indenizar os
prejudicados. “No caso de dolo, porém, além da responsabilização patrimonial da
instituição, deve haver a consequente sanção disciplinar”, afirma.
Leia
a entrevista:
ConJur
— O direito de defesa tem sido rebaixado ou ameaçado no Brasil?
Luiz
Moreira — A ditadura operou método político de eliminação de cidadãos que
consistia na produção da figura do inimigo. Atualmente há o mesmo movimento de
produção do inimigo, só que em outros termos. Agora, o inimigo significa o
criminoso. A negação dos direitos ao inimigo é operada diretamente pelo sistema
de Justiça, sem a presença de intermediários. Ou seja, as instituições que
operam com o Direito é que produzem a figura do inimigo, ao qual é negado o
acesso às garantias fundamentais e ao devido processo legal.
ConJur
— O garantismo tem perdido força no Brasil?
Luiz
Moreira — Paradoxalmente, sim. No Brasil, o garantismo não é apenas uma
corrente. A Constituição é estruturalmente garantista e com ela foi atribuída
ao Supremo Tribunal Federal a defesa das garantias e dos direitos fundamentais.
Com o propósito de subverter essa estrutura garantista, foi moldado um
componente ideológico abstrato (o combate à corrupção) e um “exército” de
combatentes (setores da polícia, do ministério público e do judiciário), que se
utiliza de campanhas midiáticas para obter o apoio da população às suas causas
e garantir que essa atuação seja inquestionável. Isso tem garantido supremacia
da primeira instância sobre as instâncias revisoras. Ou seja, os juízes dos
tribunais têm evitado conceder Habeas Corpus ou mesmo decretar nulidades
processuais, pois têm receio de serem tidos como coniventes com a corrupção.
ConJur
- Quais são os riscos da judicialização da política no Brasil?
Luiz
Moreira — A substituição da legitimidade do sistema político pela aristocracia
do sistema de justiça revela o grande paradoxo em que vivemos: prescindir da
democracia em uma época em que se alcança uma liberdade segmentada, seja como
consumidor, como usuário ou como eleitor. Acreditando que a liberdade se
realiza no conjugar das particularidades, o homem moderno foi prescindindo de
sua cidadania, até o limite em que se converteu em jurisdicionado. A sociedade
brasileira vê-se alijada de formas de expressão de vontade e de representação,
operada por um ativismo, do judiciário e do Ministério Público, que passa a ser
o titular da formulação, da interpretação e da efetividade das normas,
reunindo, sob seu arbítrio, as prerrogativas legislativas, judicativas e
executivas.
ConJur
— O que acha do instituto da delação premiada?
Luiz
Moreira — A delação premiada é uma adaptação, para o Direito, da figura do
confessionário da Igreja Católica. No agir do delator tudo é calculado: o crime
praticado, o que confessar, quem envolver ou quem proteger. Assim, diferentemente
do pecador ante o confessionário, o delator é um jogador que se utiliza do
sistema de justiça para obter vantagens.
ConJur
— Quais riscos isso traz?
Luiz
Moreira — Preocupam-me duas questões em torno desse instituto: a transformação
do depoimento do delator de indício em prova, com a consequente equiparação dos
depoimentos de dois ou de mais delatores em conjunto probatório e a tendência a
se perder a diferença qualitativa, ainda existente, entre os métodos
investigativos da polícia e do Ministério Público dos métodos dos delinquentes.
ConJur
— Qual é a opinião do senhor sobre o vazamento de informações de operações
sigilosas?
Luiz
Moreira — Trata-se de método amplamente utilizado para constranger o
Judiciário. Tem sido utilizado para encobrir malfeitos, para encobrir a
fragilidade na produção de provas, para criar ambiente de submissão dos
tribunais à primeira instância.
ConJur
— Isso não faz com que o advogado muitas vezes seja criminalizado por defender
o seu cliente acusado?
Luiz
Moreira — Há muito é gestado ambiente de hostilidade ao exercício da advocacia.
É como se o advogado atrapalhasse a investigação, atrapalhasse o andamento do
processo. Sorrateiramente, o corporativismo, de setores que compõem o sistema
de justiça, tem conjugado uma lógica do “nós contra eles, os advogados”, que
tende a eliminar as diferenças entre aparato persecutório e magistratura, com
prejuízos insanáveis aos direitos fundamentais. Confundir advogado com cliente,
direito de defesa com impunidade é um dos traços que mais que denotam a
vigência de estados de exceção.
ConJur
— O que acha do modelo de Ministério Público vigente no Brasil?
Luiz
Moreira — Nenhum Ministério Público do planeta se assemelha ao brasileiro, tem
as mesmas garantias de atuação, as mesmas prerrogativas e a mesma abrangência
de atuação. Então, pode-se dizer que o Brasil depositou muitas expectativas no
Ministério Público, que não podem ser traídas por uma atuação canhestra ou
voluntariosa. O MP precisa de nova engenharia constitucional, apta a resolver suas
contradições.
ConJur
— Por exemplo?
Luiz
Moreira — Precisa ser resolvido o sentido de sua independência funcional. Se é
uma independência pessoal ou institucional; enfrentar a pressão corporativa por
benesses, por penduricalhos e tratar a questão remuneratória com maturidade
republicana; recuperar o sentido de elite dirigente interna; construir um
direito administrativo que valha tanto para si como para os demais órgãos que
compõem o serviço público; e resolver a divisão de funções perante o STJ e o STF.
ConJur
— Qual deve ser o compromisso do MP?
Luiz
Moreira — O Ministério Público não tem qualquer compromisso com a acusação. Seu
compromisso é com a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Portanto,
na ação penal seu compromisso é com o sistema constitucional. Excessos e
malfeitos devem ser corrigidos pelas corregedorias locais ou pelo Conselho
Nacional do Ministério Público.
ConJur
— O destaque do MP na mídia é um problema?
Luiz
Moreira — Sim, um grande problema. São conhecidas as queixas de diversos atores
e instituições que atribuem a setores do Ministério Público vazamentos
seletivos, a utilização de notícias “plantadas” pelo próprio MP para abertura
de inquéritos, de investigações com alvos previamente selecionados e a
utilização das prerrogativas institucionais para obtenção de vantagens
corporativas. Trata-se de uma deformação do sistema que precisa ser corrigida
pelas demais instituições. O risco é o Ministério Público abdicar da tarefa de
vanguarda que a Constituição lhe confiou e virar uma instituição comum, voltada
para a satisfação de seus interesses.
ConJur
— O MP, ou algum de seus membros, deve ser responsabilizado por uma denúncia
inconsistente?
Luiz
Moreira — Não considero adequada a responsabilização pessoal do membro do Ministério
Público. No entanto, haver responsabilidade da instituição pelo desempenho de
seus membros.Indenizações são devidas, nos casos citados, pela instituição,
devendo os valores ser tirados diretamente de seu orçamento. No caso de dolo,
porém, além da citada responsabilização patrimonial da instituição, deve haver
também a sanção disciplinar.
Por
Marcelo Galli
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2015-jul-28/entrevista-luiz-moreira-gomes-junior-professor
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