"A
verdade anda sofrendo bastante, pois, de uma doença inoculada no corpo da
opinião pública, com força suficiente para sacrificá-la: a paixão sádica de se
encontrar um ou muitos bodes expiatórios suficientes para aplacar a consciência
individual e coletiva das suas próprias irresponsabilidades morais.",
comenta Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande
do Sul, membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis
o artigo.
A
lei não permite ser posta em dúvida a palavra de certas autoridades, no
exercício dos seus poderes públicos. É a chamada “fé pública”, conferindo a
tais pessoas a presunção de ser verdadeira toda e qualquer certidão (note-se a
força da palavra) assinada por um notário, um registrador, um oficial de
justiça, por exemplo.
Justamente
por essa razão a prova contrária a uma certidão, uma escritura pública, algum
outro documento desse tipo, como tendo resultado de um engano, um erro ou até
um deslize ético-jurídico, encontrará dificuldades muito grandes para ser
produzida, pois esbarra sempre nessa presunção.
Pelo
que se observa ultimamente, entretanto, as notícias relacionadas com a operação
lava jato estão sendo veiculadas como se tivessem o mesmo poder da fé pública.
Está praticamente se impondo ao povo a obrigação de não duvidar de crimes
alegadamente praticados por determinadas pessoas, políticos, empresarias/os,
servidoras/es públicas particularmente, indicadas/os como autoras/es desses
ilícitos pela palavra de delatores, interessados em diminuir suas penas.
Já
existe um tumulto ideológico e político-partidário nesse tipo de comunicação
social, intensificado a cada dia por interesses os mais variados. A
contaminação do sentimento de insegurança sobre o futuro da investigação
lava-jato, (processa - não processa? indicia - não indicia? prova - não prova?
condena - não condena? ) é de tal ordem que os ataques de quem acusa e as
defesas de quem é acusado, a se crer num certo tipo de noticiário interessado
em escandalizar e criar tensão e ansiedade, estão partindo para o vale-tudo.
A
Folha de São Paulo do último domingo, 28 deste junho, publicou um artigo do
jornalista Jânio de Freitas, sobre a lava jato, mostrando como a mídia está
escolhendo com cuidado, de acordo com os vazamentos das delações premiadas,
quais pessoas, datas e circunstâncias sob as quais eles serão mais e melhor
julgados verdadeiros, isentos de qualquer dúvida:
“Em
princípio, os vazamentos seriam uma transgressão favorável à opinião pública
ansiosa por um sistema policial/judicial sem as impunidades tradicionais. Mas,
com o jorro contínuo dos tais vazamentos, nos desvãos do sensacionalismo não
cessam os indícios que fazem a "nova Justiça" – a dos juízes e
procuradores/promotores da nova geração – um perigo equivalente à velha Justiça
acusada de discriminação social e inoperância judicial”.
“É
preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber um
certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e menos importante: as
prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana apenas de expectativa penosa
do preso ainda sem culpa comprovada. Depois, a distribuição de insinuações e
informações a partir de mera menção por um dos inescrupulosos delatores, do
tipo "Fulano recebeu dinheiro da Odebrecht". Era dinheiro lícito ou
provou-se ser ilícito? É certo que o recebedor sabia da origem, no caso de
ilícita?”
A
verdade anda sofrendo bastante, pois, de uma doença inoculada no corpo da
opinião pública, com força suficiente para sacrificá-la: a paixão sádica de se
encontrar um ou muitos bodes expiatórios suficientes para aplacar a consciência
individual e coletiva das suas próprias irresponsabilidades morais. Quanto
maior a veemência a ser expressada contra a conduta de alguém, certa e ou errada
não importa, tanto maior será a chance de sua credibilidade quanto a da
moralidade inspiradora de quem acusa.
Como
quase sempre tudo isso é feito sob a garantia da liberdade de expressão, por
mais falsa seja uma determinada versão dos fatos, ela terá praticamente os
mesmos efeitos da fé pública. Essa violência coberta pela aparência de livre e
honesta se enquadra bem numa pergunta de Eduardo Galeano, muito apropriada para
os tempos que estamos vivendo no Brasil, advertindo ingênuas/os que engolem
qualquer mentira como verdade.
Na
coletânea de seus artigos “O teatro do bem e do mal” pergunta o autor das
“Veias abertas da América Latina”: “Que poder teria a soga se não encontrasse o
pescoço”?
Artigo
publicado no:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/544149-os-delatores-da-lava-jato-tem-fe-publica
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