"Toda
vez que acende a luz do sr. Francisco Campos há um curto-circuito na
democracia." (Rubem Braga)
Francisco
Luís da Silva Campos (1891-1968) foi um brilhante jurista das Minas Gerais, o
primeiro ministro de Estado da Educação, em 1930, e autor de leis que
modernizaram o Direito no Brasil, como o primoroso Código Penal de 1940.
Mas
o prato situado à direita da balança representativa da sua concepção de Justiça
era tão pesado que se inclinava na direção do fascismo. Foi com tal inspiração
que escreveu a Constituição de 1937, baseada na legislação imposta à Itália por
Mussolini, bem como o Ato Institucional 1, que deu início à institucionalização
do regime militar.
Daí
a fina ironia do cronista autor de O Conde e o Passarinho, transcrita na
epígrafe destas linhas.
Transposta
aos nossos dias, a blague já não focaliza apenas um homem soturno, mas se
ajusta à parte de nossos operadores do Direito que, quando põem o dedo no
interruptor da jurisdição penal, acendem-se espessas trevas processuais.
Trata-se
de um segmento dos órgãos da persecução penal e de certos magistrados
"justiceiros", que atropelam o devido processo legal e se
autoinvestem de legisladores para os casos com que se deparam e para os quais
pretendem reescrever as leis penais e processuais.
Excitados
pelo "clamor da turba", na expressão de Rui Barbosa a lembrar Pôncio
Pilatos no mais célebre julgamento da história, esses operadores do Direito
estão mandando às favas princípios e garantias universais e calcando o prato
direito da balança da Justiça.
Assistimos
atônitos a um festival de prisões arbitrárias, antecipatórias da final
condenação, ao desprezo pelo instituto da presunção de inocência, à submissão
de réus a constrangimentos para que revelem crimes de outras pessoas, ao
desrespeito flagrante às leis, ao abandono da boa prática da apuração e à
correção das investigações que resultam em prova indiciária factual.
Entronizou-se
no nosso processo o boato, o "diz que", o "suspeita-se
que", de delações obtidas sabe Deus a que meios, embora saibamos,
seguramente, que não são meios de Deus. Processo com sigilo decretado (só para
a defesa, é claro), então, tornou-se melancólica "mentira legal"
quando se trata de "vazar" dados para se assassinarem reputações e se
prepararem arbitrariedades. Assistimos a esse acinte diariamente no noticiário.
A
matéria é tanta que se faz necessário um recorte para que o todo não esconda a
parte. Particularmente escandaloso é o desrespeito à Lei 9.296/96, a chamada
"Lei do Grampo", que regulamenta a interceptação de comunicações
telefônicas, telemáticas etc.
Seu
artigo 8° é meridiano: "A interceptação de comunicação telefônica, de
qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do
inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das
diligências, gravações e transcrições respectivas".
Autos
apartados para preservar sigilo? Na prática, saem dos escaninhos oficiais para
as manchetes. O que deveria ser sigiloso, resguardado no interesse exclusivo do
processo legal, resplende em público na forma de "vazamentos
seletivos".
Ninguém
jamais é identificado, muito menos responsabilizado. Exceção a essa regra é o
ex-deputado Protógenes Queiroz, que não era do clube, foi condenado a dois anos
e seis meses de prisão e perdeu o cargo de delegado da Polícia Federal por
"violação de sigilo funcional", isto é, forneceu à imprensa dados
sigilosos da operação satiagraha.
Já
os intocáveis hodiernos, a pretexto de "fazerem justiça", ficam
impunes. Lavram os autos nos jornais, nas revistas e nas ruas, buscando apoio
fora dos tribunais, como chegou a pedir um procurador. Essas ilicitudes
costumam prosperar em ambientes de decadência institucional e social, em que
germinam disputas de fundo, praxe em conjunturas políticas turbulentas.
O
império da lei, e aqui se trata de um ordenamento jurídico democrático e justo,
esvai-se na tibieza de autoridade de uns e crescimento do poder autocrático de
outros. Resta-nos esperar que o Supremo Tribunal Federal possa reconduzir a nau
da Justiça ao porto da legalidade.
[Artigo
originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta quinta-feira (2/7)]
http://www.conjur.com.br/2015-jul-02/batochio-operadores-direito-mandam-favas-principios-garantias?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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