O
fato de a jurisprudência brasileira valorizar a ligação afetiva na hora de
determinar as obrigações da paternidade não coloca o vínculo biológico em
segundo plano. Sendo assim, a inexistência de estreito relacionamento não pode
servir de justificativa para o pai biológico deixar de cumprir com suas obrigações,
incluindo o pagamento de alimentos.
Assim
decidiu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. No caso, um
homem tentava rescindir o acórdão que o condenara a pagar pensão alimentícia ao
filho de 50 anos, que não pode mais trabalhar em razão das doenças que
desenvolveu por ser portador do vírus HIV. O pai biológico do autor da ação
alegou que a ajuda deveria ter sido reivindicada do homem que o registrou e com
quem ele teria desenvolvido relação socioafetiva. Mas o colegiado rejeitou o argumento.
Tudo
começou em 2000, quando o filho ingressou com uma ação de reconhecimento de
paternidade. O exame de DNA comprovou a paternidade, e o Judiciário do Rio
acabou por condenar o homem, “um diretor da Rede Globo”, a pagar pensão
alimentícia no valor de 700% sobre o salário mínimo. Após o julgamento dos
recursos, a Justiça confirmou a condenação, que transitou em julgado em 2007.
Mas inconformado, o pai biológico propôs uma nova demanda, desta vez para
tentar rescindir a decisão que lhe foi desfavorável.
Na
ação rescisória, o homem criticou o fato de a ação investigatória de
paternidade ter sido proposta pelo filho somente aos 50 anos. Disse que o
processo foi motivado exclusivamente pelo interesse financeiro do filho, “pelo
simples fato de ser um homem mais rico” e “que a simples ligação genética não
justifica a legitimidade ativa para uma ação de alimentos”. Para o homem, “na
obrigatoriedade da prestação alimentar deveria prevalecer a paternidade
socioafetiva” — ou seja, do homem que o registrou mesmo sabendo que não era o
verdadeiro pai.
O
desembargador Celso Ferreira Filho, que relatou o caso, rejeitou os argumentos.
Ele afirmou que a ação de reconhecimento de paternidade julgada pelo TJ-RJ
revelou que filho e pai adotivo nunca tiveram “o que se possa chamar de
relacionamento afetivo”. É que apesar de tê-lo registrado, esse pai não
conviveu com o filho, que morava com a avó. E depois de separar-se da mãe dele,
não tiveram mais contato. “É fato que só conviveram por curto espaço de tempo,
tendo durante esse período dispensado ao filho adotivo a indiferença”, disse o
desembargador.
Ferreira
Filho também refutou a crítica feita pelo pai biológico de a ação de
reconhecimento de paternidade ter sido movida pelo filho apenas aos 50 anos de
idade. Segundo o desembargador, não há porque se questionar o direito de um
filho buscar sua verdade, “pois tal necessidade por vezes é tão visceral que
quis o legislador não estabelecer prazo derradeiro”.
O
relator também rejeitou a alegação de que a ligação genética não é suficiente
para determinar o pagamento de alimentos, anda mais quando considerada a
necessidade do filho, que deixou de trabalhar por causa de doença. De acordo
com ele, “embora talvez nunca se possa precisar ao certo porque um pai se
negaria a ajudar um filho necessitado, fato é que a decisão judicial deve ser
acatada, não se prestando para vê-la rescindida o mero e incansável
inconformismo do autor”.
“O
direito brasileiro, como bem já salientado, não contempla a figura do filho
meramente biológico […]. O que existe em nosso ordenamento é a filiação,
compreendidos nela os filhos havidos ou não do casamento, aos quais é vedado
qualquer tratamento discriminatório. Portanto, ou se é filho ou não se é. No
mais, todos os direitos e deveres estão salvaguardados, inclusive o de prestar
mútua assistência”, acrescentou o relator
Sem
argumentos
No
julgamento, Ferreira Filho afirmou que a ação rescisória não é uma nova
instância recursal e criticou o fato de o autor ter apresentado nesta demanda
os mesmos argumentos que defendera no processo original. “Tal tese está fadada
ao fracasso, pois para vê-la triunfar, não basta ao autor repeti-la e
repeti-la”.
O
relator concluiu afirmando que a inexistência de estreito relacionamento não
pode servir de justificativa para o pai biológico deixar de cumprir com suas
obrigações. “O estigma lançado aos filhos de pais que, ao gerá-los, não os
desejavam, clama por Justiça, pois subverte os princípios mais sagrados da
responsabilidade, fazendo do réu a vítima e da vítima o réu condenado a expiar
inexoravelmente a pena de um delito ou ato que não cometeu. Todo homem com
capacidade generandi é responsável pelos filhos que põe no mundo. O ordenamento
jurídico, como assinalado, disciplina cuidadosamente esse atuar humano”, afirmou
o desembargador.
O
processo tramitou em segredo de justiça e não foi provido por maioria de votos.
No julgamento, o homem também acabou sendo condenado a arcar com as custas
processuais e os honorários advocatícios no valor de R$ 10 mil. A decisão foi publicada
no último dia 10 de junho.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS.
http://www.conjur.com.br/2015-jun-21/pai-continua-responsavel-filho-mesmo-falta-afeto?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter

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