Imagine
tomar um galão de cinco litros de veneno a cada ano. É o que os brasileiros
consomem de agrotóxico anualmente, segundo o Instituto Nacional do Câncer
(INCA). "Os dados sobre o consumo dessas substâncias no Brasil são
alarmantes", disse Karen Friedrich, da Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A
reportagem é de Marina Rossi, publicada pelo jornal El País, 30-04-2015.
Desde
2008, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de
agrotóxicos. Enquanto nos últimos dez anos o mercado mundial desse setor
cresceu 93%, no Brasil, esse crescimento foi de 190%, de acordo com dados
divulgados pela Anvisa.
Segundo
o Dossiê Abrasco - um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde,
publicado nesta terça-feira no Rio de Janeiro, 70% dos alimentos in natura
consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos. Desses, segundo a
Anvisa, 28% contêm substâncias não autorizadas. "Isso sem contar os
alimentos processados, que são feitos a partir de grãos geneticamente
modificados e cheios dessas substâncias químicas", diz Friederich.
De
acordo com ela, mais da metade dos agrotóxicos usados no Brasil hoje são
banidos em países da União Europeia e nos Estados Unidos. Segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS), entre os países em desenvolvimento, os agrotóxicos
causam, anualmente, 70.000 intoxicações agudas e crônicas.
O
uso dessas substâncias está altamente associado à incidência de doenças como o
câncer e outras genéticas. Por causa da gravidade do problema, na semana
passada, o Ministério Público Federal enviou um documento à Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendando que seja concluída com urgência a
reavaliação toxicológica de uma substância chamada glifosato e que a agência
determine o banimento desse herbicida no mercado nacional.
Essa
mesma substância acaba de ser associada ao surgimento de câncer, segundo um
estudo publicado em março deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
juntamente com o Inca e a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer
(IARC). Ao mesmo tempo, o glifosato foi o ingrediente mais vendido em 2013
segundo os dados mais recentes do Ibama.
Em
resposta ao pedido do Ministério Público, a Anvisa diz que em 2008 já havia
determinado a reavaliação do uso do glifosato e outras substâncias,
impulsionada pelas pesquisas que as associam à incidência de doenças na
população. Em nota, a Agência diz que naquele ano firmou um contrato com a Fiocruz
para elaborar as notas técnicas para cada um dos ingredientes - 14, no total. A
partir dessas notas, foi estabelecida uma ordem de análise dos ingredientes
"de acordo com os indícios de toxicidade apontados pela Fiocruz e conforme
a capacidade técnica da Agência".
Enquanto
isso, essas substâncias são vendidas e usadas livremente no Brasil. O 24D, por
exemplo, é um dos ingredientes do chamado 'agente laranja', que foi pulverizado
pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã, e que deixou sequelas em uma
geração de crianças que, ainda hoje, nascem deformadas, sem braços e pernas.
Essa substância tem seu uso permitido no Brasil e está sendo reavaliada pela
Anvisa desde 2006. Ou seja, faz quase dez anos que ela está em análise
inconclusa.
O
que a Justiça pede é que os ingredientes que estejam sendo revistos tenham o
seu uso e comércio suspensos até que os estudos sejam concluídos. Mas, embora
comprovadamente perigosos, existe uma barreira forte que protege a suspensão do
uso dessas substâncias no Brasil. "O apelo econômico no Brasil é muito
grande", diz Friedrich. "Há uma pressão muito forte da bancada
ruralista e da indústria do agrotóxico também". Fontes no Ministério
Público disseram que, ainda que a Justiça determine a suspensão desses
ingredientes, eles só saem de circulação depois que os fabricantes esgotam os
estoques.
O
consumo de alimentos orgânicos, que não levam nenhum tipo de agrotóxico em seu
cultivo, é uma alternativa para se proteger dos agrotóxicos. Porém, ela ainda é
pouco acessível à maioria da população. Em média 30% mais caros, esses
alimentos não estão disponíveis em todos os lugares.
O
produtor Rodrigo Valdetaro Bittencourt explica que o maior obstáculo para o
cultivo desses alimentos livres de agrotóxicos é encontrar mão de obra.
"Não é preciso nenhum maquinário ou acessórios caros, mas é preciso ter
gente para mexer na terra", diz. Ele cultiva verduras e legumes em seu
sítio em Juquitiba, na Grande São Paulo, com o irmão e a mãe. Segundo ele, vale
a pena gastar um pouco mais para comprar esses alimentos, principalmente pelos
ganhos em saúde. "O que você gasta a mais com os orgânicos, você vai
economizar na farmácia em remédios", diz.
Para
ele, porém, a popularização desses alimentos e a acessibilidade ainda levarão
uns 20 anos de briga para se equiparar aos produtos produzidos hoje com
agrotóxico.
Bittencourt
vende seus alimentos ao lado de outras três barracas no Largo da Batata, zona
oeste da cidade, às quartas-feiras. Para participar desse tipo de feira, é
preciso se inscrever junto à Prefeitura e apresentar todas as documentações
necessárias que comprovem a origem do produto.
Segundo
Bittencourt, há uma fiscalização, que esporadicamente aparece nas feiras para
se certificar que os produtos de fato são orgânicos.
No
mês passado, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) sancionou uma lei que
obriga o uso de produtos orgânicos ou de base agroecológica nas merendas das
escolas municipais. A nova norma, porém, não tem prazo para ser implementada e
nem determina o percentual que esses alimentos devem obedecer.
Segundo
um levantamento da Anvisa, o pimentão é a hortaliça mais contaminada por
agrotóxicos (segundo a Agência, 92% pimentões estudados estavam contaminados),
seguido do morango (63%), pepino (57%), alface (54%), cenoura (49%), abacaxi
(32%), beterraba (32%) e mamão (30%). Há diversos estudos que apontam que
alguma substâncias estão presentes, inclusive, no leite materno.
No
ano passado, a pesquisadora norte-americana Stephanie Seneff, do MIT,
apresentou um estudo anunciando mais um dado alarmante: "Até 2025, uma a
cada duas crianças nascerá autista", disse ela, que fez uma correlação
entre o Roundup, o herbicida da Monsanto feito a base do glifosato, e o
estímulo do surgimento de casos de autismo. O glifosato, além de ser usado como
herbicida no Brasil, também é uma das substâncias oficialmente usadas pelo
governo norte-americano no Plano Colômbia, que há 15 anos destina-se a combater
as plantações de coca e maconha na Colômbia.
Em
nota, a Anvisa afirmou que aguarda a publicação oficial do estudo realizado
pela OMS, Inca e IARC para "determinar a ordem prioritária de análise dos
agrotóxicos que demandarem a reavaliação".
Os
alimentos mais contaminados pelos agrotóxicos
Em
2010, o mercado brasileiro de agrotóxicos movimentou 7,3 bilhões de dólares e
representou 19% do mercado global. Soja, milho, algodão e cana-de-açúcar
representam 80% do total de vendas nesse setor.
Segundo
a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), essa é a lista da
agricultura que mais consome agrotóxicos:
Soja
(40%)
Milho
(15%)
Cana-de-açúcar
e algodão (10% cada)
Cítricos
(7%)
Café,
trigo e arroz (3 cada%)
Feijão
(2%)
Batata
(1%)
Tomate
(1%)
Maçã
(0,5%)
Banana
(0,2%)
As
demais culturas consumiram 3,3% do total de 852,8 milhões de litros de
agrotóxicos pulverizados nas lavouras brasileiras em 2011.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/542273-o-alarmante-uso-de-agrotoxicos-no-brasil-atinge-70-dos-alimentos
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
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