quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A CANÇÃO INACABADA


Lembro exatamente do dia em que nasceste e já te relatei com detalhes sobre ele. Mas além disto, recordo que alguns dias depois eu estava com meu violão lá no Parque da Redenção em Porto Alegre (tua terra natal) e embalado por aquele sentimento de te ver nascer, eu compus uma melodia para a qual eu dei o nome de Letícia, linda no meu entender, mas para a qual eu nunca consegui terminar uma letra. Apenas uma frase me veio à mente na hora e dizia: “você é tal, qual um raio de sol prá mim...”.

Em vão tentei completar a poesia depois sem conseguir. Aliás, eu sempre tive sérios problemas para escrever letras de música e acabava sempre terminando, muitas vezes sem satisfazer-me com o resultado. Só que no caso daquela canção eu fui muito exigente e passei todo este tempo procurando as palavras e rimas certas sem conseguir atingir o meu intento. Nela eu queria obter a exata correspondência entre os meus sentimentos e as palavras que eu iria colocar na poesia. Não consegui até hoje, mas seguidamente quando ainda pego o meu instrumento, apesar dos dedos já enferrujados, sempre dedilho a melodia daquela canção inacabada.

Mas é assim mesmo. Nossas vidas são sempre canções inacabadas e uma vez iniciadas, teremos sempre a oportunidade de trocarmos uma palavra aqui, outra ali, mudarmos a rima, darmos a ela um novo rumo interpretativo e ela só vai acabar quando partirmos definitivamente para outra dimensão.

E como vamos agir com tempo? Ora, diante de sua inexorabilidade de nada adianta queremos lutar contra. Unamo-nos a ele, portanto e aproveitemos para lapidar a cada dia a canção de nossas vidas. Sempre haverá lugar para aperfeiçoarmos nossas letras e melodias. Podemos transformar nossa vida em uma canção passageira ou em uma obra-prima musical fadada a sobreviver ao tempo e ao espaço. A escolha é nossa. Nós temos o condão de decidir quanto tempo vamos sobreviver nos corações e mentes daqueles que nos cercam depois de nossa partida.

Quanto a ti, devo dizer que já venceste muitos desafios e ultrapassaste muitos limites que te foram impostos. O desafio do tempo é apenas mais um e tenho certeza de que vencerás tudo com a serenidade que sempre te caracterizou. Afinal, cada fase de nossas vidas abre portas para diferentes encantamentos e devemos ter o discernimento correto para descobri-los e explorá-los de maneira enriquecedora. Incorro aqui em um lugar-comum, mas posso te afirmar por experiência própria que ele é verdadeiro. 

Bem, e eu, podes ter certeza de que já no alto da minha “maturidade” (para não dizer outra coisa), vou continuar dedilhando a melodia e procurando o restante da letra não acabada. Um dia eu termino com certeza, mas quando isto ocorrer quero ter a satisfação interna de sentir que eu realmente consegui expressar com a maior exatidão possível todos os bons sentimentos que me despertaste desde aquele dia em que nasceste. Se eu partir antes, ao menos a frase que escrevi já encerra um universo de sentimentos. Afinal, “você é tal, qual um raio de sol prá mim.

Jorge André Irion Jobim.


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