Marcelo
Pinto (Jornal A Platéia)
Por
Carine Labres, juíza da 3ª Vara Cível da comarca de Santana do Livramento.
Venho
acompanhando, através da mídia escrita e falada, as divergentes opiniões sobre
o casamento coletivo, que será realizado no dia 13 de setembro, no CTG
Sentinelas do Planalto, em Santana do Livramento.
Uma
delas, em especial, fez-me refletir mais profundamente sobre a controvérsia.
Disse o colega Adel de Oliveira, juiz da 22ª Vara Federal de Porto Alegre, que
“realizar um casamento entre pessoas do mesmo sexo em um CTG é uma provocação
desnecessária que em nada colabora com a luta pela igualdade de direitos. A
ideia parece mais birra de adolescente ou de quem busca espaço na imprensa. É o
modelo de atitude que não agrega nada em favor da justa luta”.
Pergunto,
então: que ideia agregaria algo em favor da causa dos homossexuais? Que atitude
colaboraria, de algum modo, para a luta pela igualdade de direitos? Permanecer
“encastelada” em meu gabinete, redigindo sentenças e despachos, alheia à
realidade dos jurisdicionados? Fechar os olhos para a hipocrisia que paira em
nossa sociedade? Negar a existência de pessoas que, mesmo veladamente,
acreditam que negros são inferiores e que os gays são pessoas doentes?
Respeito,
por evidente, os pensamentos contrários aos meus e, nem de longe, pretendo o
embate com o nobre colega. Causou-me intranquilidade, porém, a afirmação de que
eu procuro espaço na imprensa e que minha postura parece “birra de
adolescente”.
Ocorre
que a ampla divulgação do evento, em jornais, blogs, televisão e saites de
notícias não se reverte em qualquer benefício pessoal a mim; ao inverso, fico
muito mais suscetível às críticas e bem sei que muitos vasculham minha vida
pessoal, atrás de algo que possa denegrir minha imagem.
Esclareço
a todos que me leem, no Espaço Vital, que a participação de magistrados em
atividades extrajurisdicionais pouco contribui para a promoção na carreira,
sendo certo que, nos dias atuais, existem critérios objetivos para a aferição
de produtividade, como em qualquer outra atividade laborativa.
Cheguei
a Santana do Livramento há oito meses, sabendo que aqui permaneceria por, no
mínimo, dois anos; afirmo, então, que, para a (in)felicidade dos especuladores
de plantão, pretendo passar ao largo de tal lapso temporal, pois estou, a cada
dia, mais entrosada nos problemas sociais que assolam a comarca e acredito que
meu trabalho possa ser bastante útil aos jurisdicionados, que estavam
habituados a um Judiciário atuante e participativo, personificado na doçura e
altivez da colega Mirtes Blum, que por vinte e tantos anos se dedicou ao povo
santanense.
Além
disso, deixei bem claro, desde o início, que jamais intencionei ferir a
tradição gaúcha, tampouco afrontar o MTG; ao contrário, pretendo difundir os
valores farroupilhas a todos os seguimentos, buscando a inclusão social e
permitindo que qualquer pessoa, independente de credo, raça ou orientação
sexual possa participar dos festejos gauchescos.
Feitas
estas considerações, posso dizer, então, que ao adjetivar minha conduta de
“birra de adolescente”, o juiz federal Adel de Oliveira foi bastante feliz, já
que, ao longo da história, constata-se que apenas os comportamentos
transgressores é que geraram movimentações sociais capazes de alterar posturas
velhas, cômodas, empoeiradas e em desalinho com a evolução natural das
sociedades.
Como
de toda a crítica deve-se tirar proveito, enxergo nas manifestações contrárias
ao casamento no CTG o ponto mais positivo da minha ideia inicial, pois consegui
motivar algum tipo de sentimento nas pessoas, que passaram a discutir o
assunto, de modo que a minha contribuição para a causa das minorias foi dada.
Assim, tenho certeza que, apesar das adversidades, dei um gigantesco passo na
luta pela igualdade.
Lembro,
por oportuno, que foram os “birrentos adolescentes” que, no início dos anos 90,
com suas caras pintadas, desencadearam manifestações, em todo o território
nacional, que culminaram com o impeachment do Presidente da República. Foram
também os jovens, no auge da puberdade, que, em julho/2013, passaram a
protestar contra os preços das passagens de ônibus urbanos, dando início a uma
série de eventos públicos, que se disseminaram país afora, buscando melhorias
nos serviços, maior repressão aos corruptos e liberdade de expressão.
Na
era digital, os revolucionários, aqueles que se insurgem contra o “sistema”,
não são mais crucificados, queimados em praça pública ou trancafiados em
calabouços.
São,
isto sim, alvos de comentários maldosos que, via de regra, partem de pessoas
que se utilizam de codinomes, não se identificam e falam em nome de uma
pseudo-moral-tradicional-cristã.
Diferentemente
de grandes personalidades da história, os reveses que enfrento hoje podem ser
considerados ínfimos. Contudo, busco na contrariedade, nos exemplos de Maria
Berenice Dias, a primeira mulher a se tornar magistrada no RS, e de Luislinda
Dias de Valois Santos, a primeira mulher negra a se tornar magistrada no
Brasil, a força para prosseguir em minha caminhada. Quando assumi a função jurisdicional,
no ano de 2010, tinha a ideia de fazer a diferença, de não passar em branco
pelas comarcas, realizando somente as tarefas inerentes ao meu cargo.
Quero
poder olhar para trás, daqui a vinte ou trinta anos, e ter a certeza de que
minha investidura na magistratura teve algum sentido e que pude, de alguma
forma, servir ao povo riograndense, fazendo da minha voz e dos meus atos meios
capazes de levar a justiça e, principalmente, a igualdade aos que não são
ouvidos e sequer lembrados pela maioria opressora.
Portanto,
as falsas impressões que causei em alguns não procedem, pois não tenho qualquer
objetivo escuso em “buscar espaço na imprensa”, já que isso não se reverte em
qualquer benefício a mim, enquanto magistrada.
Entretanto,
se esta exposição, não planejada, é capaz de fomentar o debate sobre as causas
das minorias, e se para tanto faz-se necessário o “apedrejamento pessoal”,
assumo o risco, em prol de interesses maiores e duradouros, pois ainda acredito
no Estado, como garantidor de direitos e deveres.
Fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia-30976-birra-adolescente
Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
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