Principais
questões sobre violações e erros cometidos ao longo do julgamento e prisões;
juristas e advogados condenam condução do ministro Joaquim Barbosa:
1 – QUAIS AS VIOLAÇÕES COMETIDAS POR BARBOSA NA EXECUÇÃO DAS PENAS? ELE
SEGUIU O QUE MANDA A LEI?
Primeiro,
o STF inovou com o “trânsito em julgado parcial”. Ou seja, réus que ainda estão
sendo julgados, com recursos a serem analisados, tiveram a prisão decretada,
algo inédito na história do direito brasileiro. Mas a execução penal é apenas
um capítulo a mais em uma série de violações constitucionais de um julgamento
marcado por graves erros e ineditismos jurídicos que precisam ser denunciados e
revistos.
Apenas
do dia 15 de novembro até hoje, eis a lista de violações cometidas pelo
presidente e relator do caso, Joaquim
Barbosa:
-
Determinação da prisão dos réus no dia da proclamação da República, feriado, de
forma monocrática, sem a definição do regime prisional para cada condenado.
-
Determinação da prisão sem expedição das cartas de sentença que deveriam
orientar o juiz responsável pelo cumprimento das penas. Estas só foram
expedidas 48 horas depois, num claro desrespeito à Lei de Execuções Penais.
-
Descumprimento de determinação do Conselho Nacional de Justiça, presidido por
Barbosa, segundo a qual as prisões devem ser feitas apenas com cartas de
sentença. Os réus foram presos apenas com mandado de prisão.
-
Transferência dos presos para Brasília, onde mesmo os réus com direito ao
semiaberto iniciaram as penas no regime fechado do complexo da Papuda.
-
No caso do deputado José Genoino, com direito a cumprir a pena em regime
semiaberto, a decisão colocou em risco sua saúde e sua vida. Ele passou
recentemente por uma cirurgia cardíaca e vinha se submetendo a rigoroso
tratamento por causa de seu estado delicado de saúde.
- Descontente com a condução da execução
penal, Joaquim Barbosa mandou substituir o juiz responsável, escolhendo um nome
cuja família tem ligação política com o PSDB. A arbitrariedade da substituição
foi amplamente criticada pela OAB e por órgãos que representam os magistrados.
- Joaquim Barbosa negou os recursos
apresentados pelo deputado João Paulo Cunha, encerrando sua condenação pelos
crimes de peculato e corrupção passiva, porém saiu de férias sem expedir o
mandado de prisão.
- O presidente do Supremo também adotou claro
comportamento “dois pesos e duas medidas”: enquanto José Genoino foi preso em
regime fechado e depois encaminhado ao domiciliar, o ex-deputado Roberto
Jefferson segue em liberdade, mesmo depois da recomendação da Procuradoria para
que ele fosse preso imediatamente.
- O conjunto das ilegalidades de Joaquim
Barbosa incomodou juristas e advogados. Principais declarações desde o início
das prisões:
“Garantir
aos condenados neste processo uma execução correta das penas não é privilégio.
É fazer cumprir a lei”
16/12
– PierPaolo Bottini e Sergio Renault
“Eu
nunca imaginei que o Supremo Tribunal Federal fosse tomar o rumo que tomou”
15/12
– Bandeira de Mello
“A
mídia julga, condena e não há tribunal contra essa condenação. É falácia dizer
que Poder Judiciário mudou depois da AP 470”
15/12
– Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay
“Todo
condenado deve cumprir sua pena, mas nunca além daquela para a qual foi
condenado. Se o Estado o mantém no cárcere além do prazo, torna-se responsável
e deve ser punido por seu ato. Como não se pode encarcerar o Estado, deve-se
pelo menos pagar indenizações à vítima pelos danos morais causados.
A
tese vale também para aqueles que forem condenados a regimes abertos ou
semiabertos e acabarem por cumprir a pena em regimes fechados, por falta de
estrutura estatal, pois estarão pagando à sociedade algo que lhes não foi
exigido, com violência a seu direito de não permanecerem atrás das grades.
Nesses casos, devem também receber indenização por danos morais.”
13/12
– Ives Gandra Martins
“O
que mais assusta é o encarceramento de pessoas que não foram condenadas a este
tipo de pena”
10/12
– Pedro Serrano
“A
Ação Penal 470 não tem valor jurídico”
“
As prisões foram absolutamente absurdas e ilegais, feitas para ‘criar um
espetáculo’”
09/12
– Dalmo de Abreu Dallari
“Pelo
visto, alguns magistrados são platônicos e gostariam de banir a democracia para
sempre”
09/12
Maria Sylvia Carvalho Franco
“Onde
se encontra a lei que retira a prisioneiros de qualquer índole o direito de
expressão, e mais, de expressão impressa?”
06/12
– Wanderley Guilherme dos Santos
“A
execução começou e se mantém até o momento fora dos trilhos da legitimidade e
da legalidade”
03/12
– Wálter Maierovitch
“[Afastamento
de juiz da execução das penas] fere a democracia”
28/11
– Kenarik Boujilian, juíza
“Pelo
menos na Constituição que eu tenho aqui em casa não diz que o presidente do
Supremo pode trocar juiz, em qualquer momento, num canetaço”
25/11
– João Ricardo dos Santos Costa (presidente eleito da AMB)
“O
STF continua a inovar na legislação penal e processual penal. Agora,
instituiu-se o “trânsito em julgado parcial”
25/11
– Hugo Leonardo, advogado criminalista e diretor do Instituto de Defesa do
Direito de Defesa.
“Nunca
houve impeachment de um presidente do STF. Mas pode haver, está na
Constituição. Bases legais há. Foi constrangedor, um linchamento. O poder
judiciário não pode ser instrumento de vendetta.”
25/11
– Claudio Lembo, ex-governador de SP
“Além
das flagrantes ilegalidades e abusos de poder, o ministro Barbosa não domina a
lei de execução penal”
22/11
– Wálter Maierovitch
“A
prudência impediria que réus condenados a regime mais brando ficassem presos,
um minuto sequer, em outro mais gravoso”
21/11
– Luiz Guilherme Arcaro Conci, da OAB
“Não
enxergo qualquer efeito pedagógico nesse julgamento e não desejo em hipótese
alguma que se repita em outros processos futuros”
18/11
– Wanderley Guilherme dos Santos
2 – DURANTE O
JULGAMENTO, O SUPREMO VIOLOU OUTRAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS?
Em
várias ocasiões, o Supremo violou princípios legais e constitucionais, algo já
fartamente apontado por juristas e advogados. Uma das primeiras prerrogativas
violadas pelo Supremo foi o direito, assegurado pela Constituição, de um réu
ser julgado por pelo menos duas instâncias jurídicas, o que também fere a
Convenção Interamericana dos Direitos Humanos. A lei brasileira determina que
apenas aqueles que dispõem de foro privilegiado à época da denúncia devem ser
julgados diretamente pela Suprema Corte. Apenas três dos quase 40 réus tinham
foro privilegiado. Mas todos os demais foram igualmente julgados pelo STF, sem
direito à apelação a outra instância.
O
princípio da presunção da inocência também foi abalado. Mais: foi invertido.
Manifestações de ministros – como Luiz Fux, ao dizer que a presunção de
inocência admite prova em contrário. “Não é qualquer fato oposto que pode
destruir a razoabilidade de uma acusação”, afirmou durante o julgamento. Ou
seja, assumiu textualmente que caberia aos réus o dever de provar sua
inocência, livrando a acusação da obrigação de provar a culpa. Foi assim que,
mesmo sem provas, o STF promoveu condenações.
Ao
lado da inversão do chamado ônus da prova, o STF também fez o uso flexível das
provas indiciárias para justificar parte das condenações. É o tipo de prova que
se constrói a partir de um indício – não necessariamente robusto – do
envolvimento do réu no fato analisado. O que se percebeu nos votos de boa parte
dos ministros foi uma flexibilização para acolher provas produzidas na fase de
investigação policial ou pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, nas quais
não ocorreram o contraditório e a ampla defesa. Em outras palavras, o STF
condenou com base em indícios, probabilidades, estranhezas, coincidências ou
presunções.
Outra
violação foi a dispensa da chamada prova de ofício para o crime de corrupção
passiva e ativa. Ou seja, bastou a existência de indícios para materializar a
culpa dos réus, sem se ater ao próprio ato em si e suas consequências. Foi
assim que o STF justificou a acusação de compra de votos, mesmo sem provas.
3 – A DECISÃO DO STF VIOLA A CONVENÇÃO INTERAMERICANA DOS
DIREITOS HUMANOS – PACTO DE SAN JOSÉ?
O
Brasil é um dos signatários do Pacto de San José da Costa Rica, que trata das
garantias dos direitos humanos e judiciais. Entre essas garantias, está o
direito de o réu ser julgado por pelo menos duas instâncias, o chamado duplo grau
de jurisdição. Como até mesmo os réus sem foro privilegiado foram julgados pelo
STF – o mais alto tribunal do país -, sem direito a recurso em outro tribunal,
houve violação do pacto. Com isso, parte dos réus já manifestou a decisão de
recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em
seu artigo 8º, a Convenção estabelece os princípios das garantias mínimas a
qualquer cidadão, como a presunção da inocência e o “direito de recorrer da
sentença a juiz ou tribunal superior” – duas garantias não respeitadas na AP
470.
O
mesmo artigo também prevê o direito a um julgamento por juiz imparcial. Quem
investiga o crime não pode ao mesmo tempo ser o juiz do processo. A Suprema
Corte brasileira, com base no artigo 230 do seu regimento interno, não respeitou
tal princípio. O ministro relator Joaquim Barbosa, responsável por todo o
período da investigação, também conduziu o julgamento, em clara violação ao
Pacto de San José.
4 – FOI O MAIOR ESCÂNDALO POLÍTICO DA HISTÓRIA DO PAÍS?
HOUVE DESVIO DE DINHEIRO PÚBLICO COMO CONCLUIU O SUPREMO?
Não.
Por mais de um motivo. O primeiro é em relação ao suposto desvio de dinheiro
público no valor de mais de R$ 70 milhões para financiar compra de votos na
Câmara. A tese não para em pé. Há farta comprovação, nos autos do processo, de
que todos os serviços de publicidade foram prestados no contrato da DNA com o
Banco do Brasil usando o dinheiro do fundo Visanet. São notas fiscais, planos
de mídia e documentação fotográfica e em vídeo que comprovam as campanhas
realizadas em TVs, jornais, revistas e mídias aeroportuárias para divulgar o
cartão Ourocard/Visa. O mesmo pode-se dizer a respeito dos patrocínios
esportivos e culturais bancados pelo Banco do Brasil por meio deste contrato. A
história se repete em relação ao contrato da SMP&B com a Câmara dos
Deputados: não houve vício na licitação e a execução do contrato está
documentada e aprovada pelo Tribunal de Contas da União.
Esta
é a espinha dorsal da Acusação. A demonstração de que não houve o crime de
peculato derruba o castelo de cartas elaborado pela Procuradoria-Geral da
República e endossada pela maioria dos ministros no Supremo. Ora, se não houve
desvio de dinheiro público, não há como negar que o dinheiro distribuído pelo
valerioduto teve, de fato, origem nos empréstimos bancários junto aos bancos
Rural e BMG. Como o próprio PT admitiu ainda em 2005, a dívida seria quitada
com dinheiro recebido via caixa dois de empresas doadoras de campanha.
O
destino do dinheiro, também reconhecido pelos partidos envolvidos na denúncia,
foi o pagamento de dívidas da campanha de 2002 (eleições nacional e nos
estados) e o financiamento para as disputas municipais em 2004. É fundamental
que se registre que a lei eleitoral não proíbe que partidos aliados estabeleçam
entre si acordos para repasse de verbas. O que não se permite é o uso de
recursos não declarados.
Também
não se justifica dizer que o escândalo envolveu o primeiro escalão do governo
federal, com a participação de ministros no esquema. Anderson Adauto,
ex-ministro dos Transportes, e Luiz Gushiken, ex-ministro de Comunicação
Social, foram absolvidos pelo STF. Gushiken, inclusive, teve a absolvição
pedida pela própria acusação, tal o descabimento da inclusão de seu nome no
processo. José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, foi condenado como chefe da
quadrilha do mensalão embora a acusação não tenha produzido uma prova sequer de
seu envolvimento.
5 – OS ACUSADOS NO ESQUEMA FORMARAM UMA QUADRILHA?
De
acordo com o Código Penal, o crime de formação de quadrilha ocorre quando três
ou mais pessoas se associam, de maneira estável e permanente, com o propósito
de cometer crimes e perturbar a paz social. O que, convenhamos, não ficou
provado ao longo do julgamento.
Segundo
o voto da ministra Cármen Lúcia, no caso da AP 470, tantos os réus ligados aos
partidos políticos quanto os relacionados às agências de publicidade não se
associaram com este fim específico. Para a ministra, eles já ocupavam tais
cargos quando outros crimes foram cometidos.
A
ministra Rosa Weber, depois acompanhada também pelo revisor Ricardo
Lewandowski, argumentou ainda que só atuam em quadrilha pessoas que sobrevivem
dos produtos conquistados pelo crime. “O fato narrado na denúncia caracteriza
coautoria e não quadrilha”, afirmou à época do julgamento.
O
debate tampouco é inédito no Supremo. Já em 2007, quando da aceitação da
denúncia que deu origem à Ação Penal 470, já havia vozes na própria Corte que
entendiam que a reunião de algumas pessoas para cometer delitos – seja de ordem
financeira ou eleitoral – dentro de uma agremiação política não caracterizava a
formação de quadrilha. Mesmo assim, a denúncia foi aceita sob o argumento de
que era preciso ir a fundo na investigação. Cinco anos depois, superada toda a
instrução penal, a acusação do Ministério Público manteve-se igualmente
inconsistente.
Em
agosto de 2013, um caso similar chamou a atenção e sua decisão caminhou na
linha da divergência aberta por Lewandowski. O STF condenou o senador Ivo
Cassol (PP-RO) e outros dois réus por fraude em licitações na cidade de Rolim
de Moura, em Rondônia, entre 1998 e 2002, porém os absolveu do crime de
quadrilha. No entendimento do ministro Dias Tóffoli, revisor do caso, não ficou
provada a associação permanente para cometer crimes, como acusou o Ministério
Público, restando apenas a união dos envolvidos para delitos pontuais, no
sistema de coautoria.
6 – O MENSALÃO EXISTIU?
O
mensalão não existiu e a expressão, cunhada por Roberto Jefferson, ganhou forte
apelo midiático para acusar o PT de corrupção. É, no fundo, uma grande peça de
marketing político com claros objetivos eleitorais. Em juízo, com exceção de
Jefferson, todos os envolvidos – sejam réus ou testemunhas – negam sua
existência. O mensalão não existiu porque nunca houve o desvio de dinheiro
público tampouco a compra de votos na Câmara. Estes são dois pontos que terão
de ser corrigidos numa possível revisão criminal. Se os embargos de declaração
não foram o ‘fórum adequado’ para rediscutir o mérito, como muitos ministros
reiteraram neste ano, resta a reabertura do julgamento por meio da revisão.
Vale
ressaltar que a denúncia original se sustentava no pagamento mensal de mesadas
de R$ 30 mil para que os parlamentares votassem a favor do governo. É consenso,
no entanto, reconhecido pela própria acusação, de que nunca houve pagamento
sistemático, como delatou Roberto Jefferson. O que existiu de fato, amplamente
comprovado, foram repasses financeiros não declarados entre partidos para pagar
dívidas de campanha, o que consiste, em resumo, em crime eleitoral.
7 – EXISTE LÓGICA NA ACUSAÇÃO DE COMPRA DE VOTOS DE
PARLAMENTARES DO PRÓPRIO PT OU DA BASE ALIADA?
Não
há qualquer lógica. Também não é possível dizer que as famosas ‘rebeliões’ de
deputados às vésperas de qualquer votação aconteceram de forma inédita no
primeiro governo Lula, o que teria justificado o pagamento de propina. Essas
‘rebelioes’ já ocorriam bem antes dessa época e perduram até hoje. É uma
realidade do chamado “presidencialismo de coalizão”.
Além
disso, um estudo estatístico que analisa o comportamento das bancadas em 2003 e
2004 na Câmara dos Deputados mostra que não há qualquer relação entre os saques
de dinheiro nas agências do Banco Rural e as votações em Plenário.
A
verdade é que o governo contava com maioria folgada de apoio na Câmara e sempre
encontrou mais dificuldade para aprovar projetos no Senado, onde a maioria era
apertada. Por que, então, o governo só teria comprado votos na Câmara e não no
Senado? Mais ilógico ainda, neste cenário, seria o PT comprar votos de suas
principais lideranças na Câmara dos Deputados – nomes que historicamente não
questionavam a condução das propostas políticas do governo.
8 – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DECIDIU PRESSIONADO PELA
MÍDIA?
É
público e notório que a AP 470 recebeu forte pressão da mídia, inflando a opinião
pública para que o julgamento fosse um marco no combate à corrupção, levando
pela primeira vez políticos poderosos para o banco dos réus e, finalmente, para
a cadeia. A transmissão ao vivo pela TV Justiça e pela GloboNews transformaram
o caso em um reality show. Mídia e STF se retroalimentaram para fazer do
julgamento um espetáculo. Frente às câmeras, os ministros se excederam em
longos discursos políticos em detrimento ao debate jurídico, ganhando ampla
cobertura de todos os veículos de mídia. Toda exposição televisiva do
julgamento não atentou para o fato de ser um julgamento penal, que deveria ser
marcado pela isenção.
A
pressão para se fazer do mensalão o marco contra a corrupção resultou em sérias
violações de garantias constitucionais, como o direito à presunção da
inocência. Os réus foram a julgamento já condenados moral e publicamente. Os
réus que não tinham foro privilegiado também tiveram negado o duplo grau de
jurisdição (o direito de recorrer a outra instância). Os ministros inovaram
ainda ao dispensar o ato de ofício como prova de participação no crime de
corrupção, ao inverter o ônus da prova (isto é, coube a defesa provar a
inocência e não ao Ministério Público a culpa) e, finalmente, ao aplicar de
maneira equivocada a teoria do domínio do fato para superar a falta de provas
contra determinados réus.
Todas
as decisões, ao longo de mais de quatro meses de julgamento, foram tomadas para
não afrontar o discurso uníssono de exemplaridade cunhado pela mídia.
O
debate sobre os embargos infringentes foi mais uma prova da pressão da mídia.
Nunca um juiz foi tão exposto à cobrança de jornais, revistas e televisão
quanto Celso de Mello para votar contra tais recursos. Em nome da opinião
pública, defendia-se o fim imediato do julgamento – uma pressão que quase deu
resultado.
9 – O EX-MINISTRO JOSÉ DIRCEU FOI CONDENADO SEM PROVAS?
O
jurista Ives Gandra Martins, conhecido por seu pensamento liberal e de oposição
ao PT, afirmou, em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, que Dirceu foi
condenado sem provas e que a teoria do domínio do fato foi adotada de forma
inédita no STF.
De
fato, não há provas materiais contra o ex-ministro José Dirceu. Tampouco o
testemunho de Roberto Jefferson, corréu na ação penal, seria a comprovação de
que o petista teria organizado e comandado o esquema para desviar dinheiro
público e comprar votos de parlamentares na Câmara dos Deputados. Pelo
contrário: dezenas de testemunhas, idôneas e ouvidas sob o crivo do
contraditório, foram taxativas em afirmar que nunca houve compra de votos no
Congresso e que José Dirceu não participou dos acordos financeiros do partido
para quitar dívidas de campanha.
No
julgamento, no entanto, os ministros desprezaram os testemunhos colhidos em
juízo e optaram pela versão de Jefferson. Vários ministros, ao condenar Dirceu
por corrupção ativa, fizeram referência ao testemunho do corréu. Ao julgar, não
buscaram a verdade, mas sim certo contentamento verossímil com o frágil roteiro
montado pela Procuradoria-Geral da República.
As
três audiências na Casa Civil em que Marcos Valério esteve presente foram
fartamente explicadas pela defesa do ex-ministro. Em 30 meses de governo, José
Dirceu recebeu centenas de empresários acompanhados de seus assessores. Uma
rotina inerente à função de ministro-chefe da Casa Civil. Jamais houve qualquer
encontro particular de Dirceu com Valério.
10 – AS PENAS IMPOSTAS PELO SUPREMO FORAM EXAGERADAS?
A
comunidade jurídica apontou por diversas vezes o exagero das penas, muitas
delas acima do crime de homicídio, por exemplo. Em nome da exemplaridade no
combate à corrupção, optou-se, para usar a linguagem dos tribunais, por ‘penas
mais gravosas’. A fase de dosimetria foi marcada por uma constrangedora
confusão entre os ministros, liderados pelo relator Joaquim Barbosa, ao tentar
manter alguma coerência na metodologia para apenar os réus. Com medo de
sentenciar a penas prescritas, decidiram impor no crime de formação de
quadrilha uma pena base muito mais elevada se comparada com a de outros crimes.
A clara contradição chegou a ser questionada por alguns ministros durante o
julgamento dos embargos de declaração, porém foram vencidos pela maioria.
11 – HOUVE MAIS RIGOR NESTE CASO DO QUE COM OUTROS
ESCÂNDALOS?
Na
verdade, não se deve afirmar que houve mais rigor neste caso se comparado com
outros escândalos. O que ocorreu, nos últimos anos, foi uma campanha muito bem
sucedida em transformar a denúncia no “maior escândalo de corrupção do governo
Lula e da República”, algo muito maior que o crime eleitoral assumido pelo PT
ainda em 2005. A estratégia buscou encontrar casuísmos para prejudicar o PT,
algo que não foi possível fazer nas urnas.
No
governo Fernando Henrique Cardoso, as investigações relevantes contra o PSDB
nunca foram adiante. Ficavam engavetadas na Procuradoria-Geral da República. De
tanto arquivar processos, o PGR foi apelidado de ‘engavetador-geral da
República’.
Recentemente,
o escândalo das licitações viciadas para o Metrô de São Paulo ressuscitou a
técnica de proteção aos tucanos. O procurador Rodrigo de Grandis ignorou por
três anos a investigação aberta pelo Ministério Público da Suíça para apurar o
envolvimento de empresas multinacionais, como a Alstom, nas licitações com
cartas marcadas. O caso só veio à tona quando outra empresa participante do
esquema decidiu denunciar.
12 – O QUE É A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E POR QUE ELA FOI
USADA?
Ao
lado das outras violações já ditas acima, o STF usou a teoria do domínio do
fato como o argumento jurídico central que permitiu à maioria dos ministros
concluir pela condenação de boa parte dos réus. Foi a maior das inovações
durante o julgamento, como afirmou o jurista Ives Gandra Martins à Folha.
O
problema essencial é o modo como a teoria, importada de tribunais alemães, foi
usada no STF. Embora originariamente ela não dispense a necessidade de provas
para qualquer condenação, o Supremo caminhou na direção contrária. Os ministros
adotaram a interpretação de que o cargo ocupado pelo réu é o suficiente para
concluir a culpa.
Foi
assim no caso do ex-ministro da Casa Civil, como apontou o relator, Joaquim
Barbosa: “José Dirceu detinha o domínio final dos fatos. Em razão do
elevadíssimo cargo que exercia na época dos fatos, José Dirceu atuava em
reuniões fechadas, em jantares, encontros secretos, executando atos de comando,
controle e garantia do sucesso do esquema criminoso, executado em esquema de
divisão de tarefas”.
Ou
seja, sem provas, o STF recorreu à função ocupada pelo ex-ministro para chegar
à condenação. O ministro Luiz Fux chegou a justificar seu voto pela “lógica da vida”.
Foi o ápice do desprezo pelas provas.
Em
2012, durante a primeira fase do julgamento, o principal expoente da teoria do
domínio do fato, o jurista alemão Claus Roxin, foi taxativo ao dizer que ela
não dispensa a comprovação da culpa do acusado. A condenação pela simples
ascendência hierárquica seria uma aplicação indevida do domínio do fato.
13 – O MENSALÃO REPRESENTOU UMA AMEAÇA À DEMOCRACIA?
Essa
tese só se sustenta a partir da premissa de que teria havido desvio de dinheiro
público e compra de votos, o que, como já dito acima, não se sustenta perante
uma análise crível dos autos. O acordo financeiro entre partidos para alianças
em futuras eleições em nada ameaça a democracia. Este é o regime vigente,
referendado pelas regras do Tribunal Superior Eleitoral.
Se
o mensalão não representa uma ameaça à democracia, o mesmo não se pode dizer da
condução e da conclusão do julgamento no STF. A Ação Penal 470 negou aos réus
que não tinham foro privilegiado o direito ao duplo grau de jurisdição, uma
clara afronta à Convenção Americana dos Direitos Humanos. Ao longo do
julgamento, as provas que desmontavam o roteiro da PGR foram menosprezadas. Em
novembro, em pleno feriado da República, o ministro Joaquim Barbosa decretou
ilegalmente as prisões dos réus, uma nova violação de garantia constitucional.
14 – O JULGAMENTO FOI UMA VITÓRIA CONTRA A CORRUPÇÃO?
Não
há como falar em vitória contra a corrupção porque, apesar de toda retórica ao
longo do julgamento e do papel da imprensa em destacar a exemplaridade do caso,
o STF errou ao concluir que houve desvio de dinheiro e compra de votos. Os
acordos financeiros entre os partidos e os pagamentos realizados, com lastro no
caixa 2, não constituem corrupção, e sim crime eleitoral.
O
caso expõe a crise do sistema político, que prevê o financiamento privado de
campanha, dando a brecha para doações ilegais por meio do caixa 2 das empresas.
O que se faz necessário é avançar na reforma política, optando, entre outros
pontos, pelo financiamento público exclusivo de campanhas.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Fonte.
Blog do Zé Dirceu
http://www.zedirceu.com.br/as-14-perguntas-essenciais-sobre-as-violacoes-e-os-erros-da-ap-470/
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