terça-feira, 25 de março de 2014

ECA. ATO INFRACIONAL E MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS


O artigo 103 do ECA considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal, e o artigo 110 do mesmo Estatuto estabelece que “Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”.

É sabido que na órbita penal e em especial naquelas hipóteses a envolver interesses de adolescente, somente é possível a aplicação de medidas mais incisivas, em especial a internação (artigo 112, inciso VI do ECA), quando há prova cabal, firme, completa, induvidosa e coerente.

O regime de semiliberdade (artigo 112, inciso V do ECA) e da liberdade assistida (artigo 112, inciso IV do ECA) podem ser recomendáveis, em muitas hipóteses, na medida em que sabido que a segregação (internação) constitui exceção e deve ser evitada a todo custo (prisão = internação deve ser considerada a extrema ratio da ultima ratio).

É incontroverso que a segregação do menor é medida excepcionalíssima, “(…) devendo ser aplicada ou mantida somente quando evidenciada sua necessidade – em observância ao próprio espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente, que visa à reintegração do menor à sociedade”. (Superior Tribunal de Justiça – Recurso em Habeas Corpus nº 20.550 – RJ (2006/0264367-5).

No mesmo julgado se vê que “A simples alusão à gravidade do fato praticado, bem como à alegada necessidade da segregação, a fim de que o adolescente seja retirado da senda criminosa, é motivação genérica que não se presta para fundamentar a medida restritiva de liberdade, até mesmo por sua excepcionalidade, restando caracterizada a afronta aos objetivos do sistema”.

Acerca da internação ou da prisão, que no Brasil têm o mesmo efeito, Louk Hulsman lembra que “(…) a prisão não é apenas a retirada do homem do mundo normal da atividade e do afeto. É principalmente a entrada num universo artificial onde tudo é negativo, impondo um sofrimento estéril, pois ninguém extrai qualquer benefício do encarceramento: nem o preso, nem sua família, nem a sociedade”. (“Indenização da prisão indevida”, de Luiz Antonio Soares Hentz, LEUd, p. 81).

Quando possível (havendo mínima e digna estrutura ou núcleo familiar), é certo que o menor estará muito mais bem cuidado e seguro no âmbito do convívio familiar pleno e saudável do que internado, com todas as condições que eventualmente forem impostas pelo Estado-Juiz, sabidas que são as péssimas condições dos estabelecimentos (im)próprios no Brasil.

Da obra “Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – comentários jurídicos e sociais”, coordenada por Munir Cury, Malheiros, São Paulo, 2006, página 417, extrai-se que “(…) a privação da liberdade deve ser evitada, existindo, antes dela, outras medidas de caráter mais adequado”.

Também relevante lembrar que nada mais lamentável e deletério há do que um inocente condenado, preso ou internado. Interessantes as citações seguintes, extraídas de Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação Criminal nº 00380967.3/6-0000-000, Desembargador Relator Carlos Biasotti, julgado em 10/05/2007:

“Ainda que, ao aviso de Malatesta, o espírito humano, limitado em suas percepções, não alcance a verdade, nas mais das vezes, senão por via indireta – “Lo spirito umano, limitato nelle sue percezioni, non arriva, il piu spesso, allá verità, che per via indiretta”, (La Lógica delle Prove in Criminale, 1985, vol. I, p. 43) -, não parece de bom exemplo suprir pela força do raciocínio a lacuna da prova. (…)

É corretíssima para o juiz criminal a escrupulosa sensibilidade na observância da lei, embora em matéria de interpretação não prevaleça o brocardo in dubio pro reo. Este princípio aplica-se apenas à apreciação da prova e pode muito bem expressar-se na decisiva frase do antigo Min. Cândido Lobo: Só condeno por prova que me deixe a consciência tranqüila” (Jurisprudência Criminal, 1973, vol II, p. 469)”.

Ainda a propósito da difícil, nobre e solitária missão do julgador, essencialmente de grande responsabilidade, de se lembrar Piero Calamandrei:

“Sei de um químico que, quando em seu laboratório destilava venenos, acordava sobressaltado à noite, lembrando com terror que um miligrama daquela substancia bastava para matar um homem. Como pode dormir seus sonos tranqüilos o juiz, que sabe ter em seu alambique secreto aquele tóxico sutil que se chama injustiça, de que uma gota, escapada por erro, pode bastar não apenas para tirar a vida, mas, o que é mais terrível, para dar a toda uma vida um tormentoso sabor amargo, que nenhuma doçura nunca mais poderá consolar?

O bom juiz põe o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas, mesmo as mais humildes. Ele sabe que não existem grandes causas e pequenas causas, porque a injustiça não é como aqueles venenos acerca dos quais certa medicina afirma que tomados em grandes doses matam, mas tomados em pequenas doses curam. A injustiça envenena até mesmo em doses homeopáticas” (“Eles, os juízes, vistos por um advogado”, Editora Martins Fontes, p. 347/348).

O sistema da persuasão racional significa convencimento formado com liberdade intelectual, mas sempre apoiado na prova constante dos autos e acompanhado do dever de fornecer a motivação dos caminhos do raciocínio que conduziram o juiz à conclusão.

Acerca da ética da legalidade, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Roberto Grau, consigna que “A solução de cada problema judicial estará necessariamente fundada na eticidade (= ética da legalidade), não na moralidade. Como a ética do sistema jurídico é a ética da legalidade, a admissão de que o Poder Judiciário possa decidir com fundamento na moralidade entroniza o arbítrio, nega o direito positivo, sacrifica a legitimidade de que se devem nutrir os magistrados” (O direito posto e o direito pressuposto, Malheiros, 2008, página 290).

O ECA, a dispor sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, dada a sua relevância teórica e prática, merece maior atenção da sociedade, do próprio Estado e dos trabalhadores jurídicos, até para que se possa diminuir o enorme abismo (ainda) existente entre a grandiosidade das promessas e a miséria da realização/efetivação/concretização de direitos no Brasil.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

Fonte

http://atualidadesdodireito.com.br/danieldecamargo/2014/03/21/eca-ato-infracional-e-medidas-socioeducativas/

Nenhum comentário: