O
artigo 103 do ECA considera ato infracional a conduta descrita como crime ou
contravenção penal, e o artigo 110 do mesmo Estatuto estabelece que “Nenhum
adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”.
É
sabido que na órbita penal e em especial naquelas hipóteses a envolver
interesses de adolescente, somente é possível a aplicação de medidas mais
incisivas, em especial a internação (artigo 112, inciso VI do ECA), quando há
prova cabal, firme, completa, induvidosa e coerente.
O
regime de semiliberdade (artigo 112, inciso V do ECA) e da liberdade assistida
(artigo 112, inciso IV do ECA) podem ser recomendáveis, em muitas hipóteses, na
medida em que sabido que a segregação (internação) constitui exceção e deve ser
evitada a todo custo (prisão = internação deve ser considerada a extrema ratio
da ultima ratio).
É
incontroverso que a segregação do menor é medida excepcionalíssima, “(…)
devendo ser aplicada ou mantida somente quando evidenciada sua necessidade – em
observância ao próprio espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente, que
visa à reintegração do menor à sociedade”. (Superior Tribunal de Justiça –
Recurso em Habeas Corpus nº 20.550 – RJ (2006/0264367-5).
No
mesmo julgado se vê que “A simples alusão à gravidade do fato praticado, bem
como à alegada necessidade da segregação, a fim de que o adolescente seja
retirado da senda criminosa, é motivação genérica que não se presta para
fundamentar a medida restritiva de liberdade, até mesmo por sua
excepcionalidade, restando caracterizada a afronta aos objetivos do sistema”.
Acerca
da internação ou da prisão, que no Brasil têm o mesmo efeito, Louk Hulsman
lembra que “(…) a prisão não é apenas a retirada do homem do mundo normal da
atividade e do afeto. É principalmente a entrada num universo artificial onde
tudo é negativo, impondo um sofrimento estéril, pois ninguém extrai qualquer
benefício do encarceramento: nem o preso, nem sua família, nem a sociedade”.
(“Indenização da prisão indevida”, de Luiz Antonio Soares Hentz, LEUd, p. 81).
Quando
possível (havendo mínima e digna estrutura ou núcleo familiar), é certo que o
menor estará muito mais bem cuidado e seguro no âmbito do convívio familiar
pleno e saudável do que internado, com todas as condições que eventualmente
forem impostas pelo Estado-Juiz, sabidas que são as péssimas condições dos
estabelecimentos (im)próprios no Brasil.
Da
obra “Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – comentários jurídicos e
sociais”, coordenada por Munir Cury, Malheiros, São Paulo, 2006, página 417,
extrai-se que “(…) a privação da liberdade deve ser evitada, existindo, antes
dela, outras medidas de caráter mais adequado”.
Também
relevante lembrar que nada mais lamentável e deletério há do que um inocente
condenado, preso ou internado. Interessantes as citações seguintes, extraídas
de Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação
Criminal nº 00380967.3/6-0000-000, Desembargador Relator Carlos Biasotti,
julgado em 10/05/2007:
“Ainda
que, ao aviso de Malatesta, o espírito humano, limitado em suas percepções, não
alcance a verdade, nas mais das vezes, senão por via indireta – “Lo spirito
umano, limitato nelle sue percezioni, non arriva, il piu spesso, allá verità,
che per via indiretta”, (La Lógica delle Prove in Criminale, 1985, vol. I, p.
43) -, não parece de bom exemplo suprir pela força do raciocínio a lacuna da
prova. (…)
É
corretíssima para o juiz criminal a escrupulosa sensibilidade na observância da
lei, embora em matéria de interpretação não prevaleça o brocardo in dubio pro
reo. Este princípio aplica-se apenas à apreciação da prova e pode muito bem
expressar-se na decisiva frase do antigo Min. Cândido Lobo: Só condeno por
prova que me deixe a consciência tranqüila” (Jurisprudência Criminal, 1973, vol
II, p. 469)”.
Ainda
a propósito da difícil, nobre e solitária missão do julgador, essencialmente de
grande responsabilidade, de se lembrar Piero Calamandrei:
“Sei
de um químico que, quando em seu laboratório destilava venenos, acordava
sobressaltado à noite, lembrando com terror que um miligrama daquela substancia
bastava para matar um homem. Como pode dormir seus sonos tranqüilos o juiz, que
sabe ter em seu alambique secreto aquele tóxico sutil que se chama injustiça,
de que uma gota, escapada por erro, pode bastar não apenas para tirar a vida,
mas, o que é mais terrível, para dar a toda uma vida um tormentoso sabor amargo,
que nenhuma doçura nunca mais poderá consolar?
O
bom juiz põe o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas, mesmo as mais
humildes. Ele sabe que não existem grandes causas e pequenas causas, porque a
injustiça não é como aqueles venenos acerca dos quais certa medicina afirma que
tomados em grandes doses matam, mas tomados em pequenas doses curam. A
injustiça envenena até mesmo em doses homeopáticas” (“Eles, os juízes, vistos
por um advogado”, Editora Martins Fontes, p. 347/348).
O
sistema da persuasão racional significa convencimento formado com liberdade
intelectual, mas sempre apoiado na prova constante dos autos e acompanhado do
dever de fornecer a motivação dos caminhos do raciocínio que conduziram o juiz
à conclusão.
Acerca
da ética da legalidade, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Roberto
Grau, consigna que “A solução de cada problema judicial estará necessariamente
fundada na eticidade (= ética da legalidade), não na moralidade. Como a ética
do sistema jurídico é a ética da legalidade, a admissão de que o Poder
Judiciário possa decidir com fundamento na moralidade entroniza o arbítrio,
nega o direito positivo, sacrifica a legitimidade de que se devem nutrir os
magistrados” (O direito posto e o direito pressuposto, Malheiros, 2008, página
290).
O
ECA, a dispor sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, dada a sua
relevância teórica e prática, merece maior atenção da sociedade, do próprio
Estado e dos trabalhadores jurídicos, até para que se possa diminuir o enorme
abismo (ainda) existente entre a grandiosidade das promessas e a miséria da
realização/efetivação/concretização de direitos no Brasil.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Fonte
http://atualidadesdodireito.com.br/danieldecamargo/2014/03/21/eca-ato-infracional-e-medidas-socioeducativas/

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