O
envio do cartão de crédito, ainda que bloqueado, sem pedido prévio e expresso
do consumidor, caracteriza prática comercial abusiva e autoriza a indenização
por danos morais. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
essa prática viola frontalmente o disposto no artigo 39, inciso III, do Código
de Defesa do Consumidor.
A
decisão foi tomada no julgamento de recurso do Ministério Público de São Paulo
contra uma administradora de cartão de crédito. Com o provimento do recurso,
foi restabelecida sentença da Justiça paulista que havia condenado a
administradora a se abster dessa prática e a indenizar os consumidores por
danos morais, além de reparar eventuais prejuízos materiais.
A
Turma, seguindo a posição do relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
reconheceu o caráter abusivo da conduta da administradora com o simples envio
do cartão de crédito sem solicitação prévia do consumidor.
Para
a Turma, o CDC tutela os interesses dos consumidores em geral no período
pré-contratual, proibindo abusos de direito na atuação dos fornecedores no
mercado de consumo. A prática de enviar cartão não solicitado, concluiu, é
absolutamente contrária à boa-fé objetiva.
Solicitação
prévia
O
MP estadual ajuizou ação civil pública visando impedir a administradora a
remeter cartões de crédito aos consumidores, sem que tenham solicitado
previamente, sob pena de multa diária.
Em
primeira instância, a administradora foi condenada a se abster, imediatamente,
de enviar ao consumidor, sem que haja solicitação prévia, cartões de crédito ou
outro tipo de produto que viole o disposto nos artigos 6°, inciso IV, e 39,
inciso III, do CDC, sob pena de multa diária de 50 salários mínimos.
A
administradora foi ainda proibida de cobrar qualquer valor a título de encargo
ou prestação de serviço, referente aos cartões de crédito enviados aos
consumidores sem solicitação prévia, também sob pena do pagamento de multa
diária de 50 salários mínimos.
Por
fim, foi condenada a indenizar os consumidores pelos danos morais e
patrimoniais causados em razão do envio dos cartões.
Mera
oferta
O
banco apelou da sentença. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por
maioria, proveu a apelação por entender que o simples envio de cartão de
crédito bloqueado não configuraria prática vedada pelo ordenamento jurídico,
constituindo mera oferta de serviço sem qualquer dano ou prejuízo patrimonial.
Contra
a decisão, o MP interpôs embargos infringentes, que foram rejeitados. Para o
TJSP, o que o CDC veda é que se considere contratado o serviço com o simples
envio, obrigando o consumidor a cancelar o cartão caso não o deseje.
Proibição
literal
Inconformado,
o MP estadual recorreu ao STJ sustentando que, na literalidade da lei, a
prática adotada pela administradora de cartões de crédito é expressamente
vedada. É considerada prática abusiva.
O
inciso III do artigo 39 do CDC diz que é vedado ao fornecedor “enviar ou
entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer
qualquer serviço”.
Para
o MP, a expressão legal não permite relativização. Além disso, não reclama a
ocorrência de lesão e não fala em lesividade potencial ou situações de perigo.
Simplesmente proíbe a conduta, dentro da sistemática protetiva do CDC.
Angústia
desnecessária
Em
seu voto, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino ressaltou que, mesmo quando o
cartão seja enviado bloqueado, a situação vivenciada pelos consumidores gera
angústia desnecessária, especialmente para pessoas humildes e idosas.
Ele
citou precedente da própria Terceira Turma, que, embora analisando situação
diversa, concluiu pelo caráter ilícito da conduta de enviar cartão não
solicitado, com base no artigo 39, III, do CDC. Naquele caso (REsp 1.061.500),
foi duscutida a indenização por dano moral a consumidor idoso que recebeu
cartão desbloqueado, não solicitado, seguido de faturas.
Voto
vencido
No
caso atual, por maioria, a Turma restabeleceu a sentença de primeira instância.
Ficou vencido o ministro Villas Bôas Cueva, para quem “o envio de cartão
bloqueado ao consumidor, que pode ou não solicitar o desbloqueio e aderir à
opção de crédito, constitui proposta, e não oferta de produto ou serviço, esta
sim vedada pelo artigo 39, III, do CDC”.
Para
o ministro Cueva, o envio de cartão desbloqueado pode gerar dano patrimonial,
em razão da cobrança indevida de anuidades, ou moral, pelo incômodo das
providências necessárias ao cancelamento. Já o cartão bloqueado, segundo ele,
não gera débito nem exige cancelamento. O ministro observou ainda que, no caso,
foram prestadas informações corretas ao consumidor.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

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