Vivemos
sob a égide de um complexo cipoal de leis penais. Tenho dito reiteradamente que
elas formam uma espécie de campo minado à espera de algum incauto que pise em
alguma de suas minas para que ela venha a explodir em sua cara.
Estas
incontáveis leis que a maioria dos operadores do direito sequer conhece em sua
totalidade, formam uma espécie de teia com a qual o estado, caso assim o
queira, pode a qualquer momento emaranhar qualquer pessoa que esteja obstruindo
seus desígnios. Cada palavra, cada gesto ainda que sem um grande potencial
ofensivo, pode ser punido ainda que apenas com os incômodos de um processo ou
de uma sentença condenatória que, embora não atinja a liberdade da pessoa, pode
lhe fechar muitas portas no futuro.
Alguém
sabia que se portar de modo inconveniente em solenidade ou ato oficial, fazer
gritaria ou algazarra, exercer profissão ruidosa, jogar no jogo do bicho,
entregar-se à ociosidade, importunar alguém em público, andar embriagado são
contravenções penais? Pois quando eu falo, muita gente não acredita. E quantos
de nós já incorremos em tais infrações penais? Dirão alguns que nunca viram
alguém punido por tais atos, ao que eu respondo que estas leis ainda estão vigentes
ainda, esperando o momento de serem usadas, como uma espécie de “munição de
reserva” para ser utilizada no momento certo em que o estado queira atingir
algum de seus desafetos.
Pois
agora surgem notícias de que está em vias de ser votado às pressas diante da
iminência de protestos populares, um projeto de lei que tipifica atos que serão
considerados crime de terrorismo.
Esquecem
nossos legisladores que existem alguns princípios penais que formam o arcabouço
do direito penal brasileiro, servindo de faróis norteadores para as atividades
do legislador e dos operadores do direito, configurando a política criminal de
um estado democrático de direito. Além de terem função programática, eles
também exercem função normativa, devendo ser utilizados na interpretação do
direito penal.
Com
o direito penal sendo considerado um mal necessário para tutelar os bens
jurídicos fundamentais da sociedade, os princípios devem servir precipuamente
para colocar limites na atuação do estado, evitando excessos ou insuficiência
em sua atuação.
Entre eles, temos o Princípio da Legalidade, segundo o
qual "não há crime sem lei anterior que o defina e nem há pena sem prévia
cominação legal". Ele tem uma função de garantia, vedando a aplicação de
penas ilegais e uma função constitutiva, significando que o tipo penal deve
estar descrito em uma lei taxativa e exata. Podemos afirmar que a legalidade
não é apenas a exigência de uma lei anterior definindo a infração penal, mas
significa também a vedação a tipos indeterminados, abertos, daqueles que
praticamente colocam o indivíduo nas mãos dos julgadores. Em suma, todo o tipo
penal deve ser claro, determinado e certo, evitando-se tipos genéricos através
dos quais se possa incriminar qualquer pessoa por ensejarem interpretações
variadas dependentes do tempo, do espaço, do julgador ou até mesmo por
conveniência do sistema.
Assim
se refere o projeto de lei 499/2013 ao tentar definir o crime de terrorismo:
“Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou
tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação de
liberdade da pessoa” e “Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado
mediante dano a bem ou serviço essencial”.
Pois
basta lermos o texto e perceberemos que ele não obedece ao referido princípio,
eis que dotado de uma amplitude e generalidade dentro da qual poderemos
enquadrar qualquer tipo de conduta, bastando para isto, uma retórica
convincente proferida por algum demagogo de plantão que leve a uma nova
interpretação do novo texto normativo. Ou seja, ficaremos nas mãos de nossas
despreparadas forças policiais, de membros do Ministério Público e dos
magistrados com suas diversificadas ideologias. Em um primeiro momento ele
poderá até ser utilizado para punir mascarados, mas não irá demorar para
atingir movimentos sociais, sindicatos, manifestações estudantis e
provavelmente movimentos dos sem-terra, índios e quilombolas.
Por outro lado, novos tipos penais com alto conteúdo
repressivo, não podem de maneira alguma ser fruto de casuísmos, de emergência
ou de simbolismo, e devemos evitar elaborá-los por influência de momentos de
emoção, paixão, tensão e de revolta privada com algum fato determinado como
este da morte do cinegrafista da TV Bandeirantes. Leis penais devem ser votadas
apenas em tempos de relativa tranqüilidade e sempre sob os auspícios da
proporcionalidade e razoabilidade.
Pois é gente. Neste momento eu me dispo de minhas
preferências partidárias e passo a utilizar as vestes de quem trabalha no meio
jurídico há bastante tempo e reafirmo: esta lei antiterrorismo é um perigo para
o estado democrático de direito. Quem viveu com a guilhotina de um AI-5 e de
uma Lei de Segurança Nacional pendente sobre sua cabeça durante vários anos
sabe bem do que estou falando.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

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