quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

DUDA. A CANÇÃO


Em plena juventude, (final dos anos 60) no auge do movimento hippie, estávamos eu e o Luiz Loko (Luiz Diógenes Trindade) sentados em um banco da denominada Pracinha dos Bombeiros aqui de Santa Maria, RS, tocando violão e ensaiando uns vocais. Luiz foi o melhor cantor com o qual eu tive contato em toda a minha vida de músico (33 anos) e na época era o único que cantava músicas do Led Zeppelin sem ficar devendo nada para o cantor Robert Plant, além de fazer shows com canções de Elvis Presley e da banda Creedence Clearwater Revival.

Eis que se aproxima um amigo comum, o Pata Pata, um hippie que dormia nas praças e construções, vivia na estrada e já havia percorrido de carona toda a América. Ele andava sempre com um bongô que tocava maestria, mas era muito desafinado. Mesmo assim ele fez um ritmo do country e praticamente recitou a letra de uma poesia de sua autoria chamada Duda.

Eu e o Luiz Loko nos apaixonamos pela letra em virtude da beleza e simplicidade dos versos. Então o Luizão compôs para ela uma melodia que tinha três ritmos e necessitava ter um alcance vocal muito grande, quase impossível de ser cantada por qualquer cantor mediano. Esta versão ele chegou a gravar, mas depois quebrou o disco em um dos seus momentos de loucura. Reza a lenda que ele chegou a tocar a canção dele em algumas apresentações, inclusiva ali no auditório do Colégio Maria Rocha.

Eu por minha, vez, como sempre fui apenas músico e não tinha um grande alcance vocal, fiz uma outra melodia para que eu pudesse cantar sem maiores problemas. O próprio Luiz Loko cantava também esta minha versão em suas apresentações, pois dizia que era mais “dançante”.

Para complementar a história pitoresca, o Pata Pata era um sujeito muito inteligente. Ele subia na mureta e discursava lá na frente da Faculdade de Direito recebendo aplausos efusivos dos alunos, pois sabia de cór várias passagens de filósofos, desde aqueles da Grécia Antiga até os mais modernos e sabia usá-las com perspicácia para fazer sua crítica ao regime militar. Ele só parava quando a polícia chegava e o retirava à força de lá.

Infelizmente ele morreu afogado no ano de 1971, pouco mais de um ano depois do dia em que nos mostrou a letra de Duda. Na noite de sua morte eu estava tocando lá na casa do Chopp que ficava lá na Rua do Acampamento. Por volta de meia-noite, chegaram o Luiz, o Xirú, o Mudo e o Pata Pata e disseram que iam a pé até o Balneário do Passo do Verde tomar banho no rio e me convidaram para ir junto. Eu disse que não podia, pois estava tocando e eles partiram. Para nossa tristeza, por lá o Pata Pata acabou morrendo afogado.

Há mais ou menos um ano eu encontrei o Xirú ali mesmo na Pracinha dos Bombeiros (onde hoje eu vou quase diariamente para escutar alguns jovens que ainda tocam violão por ali e fazer exercícios na academia ao ar livre) e nós recordamos algumas destas histórias.

O Xirú é o único sobrevivente daquele grupo. Ele foi garçom e era marido da Ester, uma cantora que chegou a tocar com a minha companheira Clarinha no grupo feminino Andrômedas. Ela faleceu em um acidente e o Xirú acabou viciado em álcool, fato que fez com que ele não conseguisse mais emprego em lugar algum. Várias vezes eu me deparei com ele dormindo nas praças Saldanha Marinho e dos Bombeiros, momentos em que ele sequer me reconhecia. Quando eu o encontrei recentemente ele estava saindo de uma internação, mas já estava em companhia de uma garrafinha de cachaça. Não o vi mais, mas naquele dia conseguimos conversar e ele lembrou de várias das minhas músicas e desta história do Pata Pata.

Histórias malucas, mas são relatos de pessoas que passaram por nossas vidas, deixando marcas indeléveis em nossos corações. E foi com muito prazer que acabei sendo brindado pelo Maestro Paulo Rosa com uma bela versão que ele fez juntamente com seu filho Fábio Rosa para a melodia que compus há mais de quarenta anos atrás para a letra de Pata Pata.

Bem, de qualquer maneira, o meu velho e saudoso amigo Luiz Loko também é um dos autores espirituais desta singela canção que tanto encantou o pessoal de nossa geração. Eu até lembro da melodia por ele criada, mas precisaria de um cantor excepcional para reproduzi-la. Então por enquanto, fica aqui a minha homenagem a todas estas pessoas que deram e que ainda dão brilho em toda minha caminhada, sempre em forma de canções.

Jorge André Irion Jobim.

Eis aqui a letra e a música

DUDA
Música: Jorge André Irion Jobim
Letra : Pata Pata
Interpretação: Paulo Rosa e Fabio Rosa

Duda, é impossível
Ser insensível ao teu olhar
Da janela do trem, que vai partindo
Para o além
Vai te levando e não vai voltar

Duda...Teu sorriso está molhado
Te aceno entre o cansaço
E o grito contra a guerra
E o grito contra a guerra

Lá vai o trem...
Já não sou ninguém
Lá vai o trem...
Já não sou ninguém 

Jorge André Irion Jobim, Pata Pata e Luiz Loko

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