segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

EMPREGADA DOMÉSTICA. PECULIARIDADES QUE DÃO DIREITO ÀS HORAS EXTRAS


Com o entendimento de que não é possível supor que a falta de limitação legal da jornada diária ou semanal para os trabalhadores domésticos permita que se exija o trabalho muito acima dos limites estabelecidos para os demais trabalhadores, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande Sul, que provimento a recurso ordinário interposto por uma trabalhadora contra decisão do Juiz Substituto Élson Rodrigues da Silva Junior, atuante na 10ª vara do Trabalho de Porto Alegre.

O relator do acórdão, Desembargador João Ghisleni Filho, avaliou como inegável o fato de os trabalhadores domésticos não terem direito ao pagamento de adicional de horas-extras ou à limitação de carga horária semanal. Ainda assim, disse que o caso dos autos apresenta peculiaridades que permitem afirmar que havia limite na carga horária do trabalho desenvolvido. Isso porque o pagamento era calculado pelo número de horas trabalhadas, inclusive havendo desconto das faltas. O uso de cartão-ponto para marcar entradas e saídas é outro fator a evidenciar o rígido controle da jornada, acrescentou o magistrado.

Para o Des. Ghisleni, as características da relação de trabalho discutida nos autos a diferenciam daquela de emprego doméstico tradicional, pois há presença de refeitório, de outros empregados domésticos, do uso de cartão-ponto e de empresa especializada para a confecção dos recibos de pagamento. Além disso, destacou que a adoção de limites de jornada também para o empregado doméstico se coaduna com as normas internacionais de proteção aos direitos humanos, firmadas e ratificadas pelo Brasil.

O magistrado mencionou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, pela qual é possível pagar um salário proporcional à jornada inferior às 44 semanais, e disso inferiu ser necessário que se pague as horas trabalhadas além da jornada contratada, ainda que não se remunerem como extras (por falta de previsão legal) as horas trabalhadas além das 220 horas mensais. Assim, votou pela condenação da empresa ao pagamento das horas trabalhadas que excederam as 220 horas mensais contratadas, com reflexos nos décimos-terceiros salários e férias com 1/3, no que foi acompanhado pelos demais julgadores.

Da jurisprudência citada

Já decidiu este Egrégio TRT, por sua Colenda 1ª Turma, em acórdão da lavra da Desembargadora Ione Salin Gonçalves

EMENTA: EMPREGADO DOMÉSTICO. LABOR EM SOBREJORNADA. O fato de a empregada doméstica não ter direito a horas extras, assim entendido o pagamento da hora normal acrescida do adicional previsto em lei ou norma coletiva, não veda o direito à remuneração das horas laboradas além da carga legal. Não havendo estipulação em contrário, entende-se que a reclamante foi contratada para a jornada de oito horas e a carga mensal de 220 horas. Toda hora excedente corresponde a sobrejornada que confere o direito ao pagamento da hora normal. [Recurso Ordinário 0014200-59.2009.5.04.0131, julgado em 16-06-2010].

A interpretação é compatível com o caráter comutativo do contrato de trabalho, pois que a recorrente foi contratada para trabalhar 220 horas mensais (onde se inclui o descanso semanal remunerado) pelo salário ajustado, fazendo jus ao acréscimo salarial quando trabalhar além desta quantidade. Não é outra, senão esta, a interpretação que se extrai da Orientação Jurisprudencial nº 358 da SDI-1 do E. Tribunal Superior do Trabalho, ainda que a contrario sensu:

OJ-SDI1-358 SALÁRIO MÍNIMO E PISO SALARIAL PROPORCIONAL À JORNADA REDUZIDA. POSSIBILIDADE. DJ 14.03.2008.
Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzida, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário mínimo proporcional ao tempo trabalhado.

Se é possível pagar um salário proporcional à jornada inferior às 8 horas diárias ou 44 semanais, necessário que se pague as horas trabalhadas além da jornada contratada, ainda que não se remunerem como extras (por falta de previsão legal) as horas trabalhadas além das 220 horas mensais.

A adoção de limites de jornada também para o empregado doméstico se coaduna com as normas internacionais de proteção aos direitos humanos, firmadas e ratificadas pelo Brasil. Nesse sentido, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, documento normativo que, ao lado do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto nº 592/92), decorre da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591, de 06 de julho de 1992, prevê, em seu art. 7º, o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis. Seu art. 3º compromete o país a “assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto”. Dentre as condições de trabalho justas e razoáveis previstas no art. 7º, cuja igualdade de gozo deve ser assegurada pelo país que firma o Pacto, está o direito previsto na sua letra d: “O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feridos.” [sublinhou-se].

Não por acaso, o Constituinte, o legislador ordinário e o TST têm reconhecido a ampliação dos direitos dos trabalhadores domésticos.

O parágrafo único do art. 7º da Constituição foi um acréscimo qualitativo aos direitos dos trabalhadores domésticos sem precedentes, mormente se comparado ao acanhado rol de direitos da Lei nº 5.859/72, que já ampliara a inexistente regulamentação decorrente do art. 7º, a, da CLT, que impedia sua aplicação à relação de emprego doméstica.

A expansão dos direitos dos domésticos, entretanto, não se restringiu ao comando constitucional. Ao contrário, ao longo dos anos a legislação trabalhista foi incorporando novos direitos à categoria: a Lei nº 10.208/2001 autorizou a inclusão facultativa do empregado doméstico ao regime do FGTS e o consequente direito ao seguro-desemprego; a Lei nº 11.324/2006 ampliou suas férias para 30 dias, estendeu às gestantes o direito à estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto e, ao revogar a letra a do art. 5º da lei nº 605/49, que dispõe sobre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos, permitiu sua aplicação aos domésticos, garantindo-lhes o direito ao gozo de folga nos feriados.

Cabe recurso da decisão.

Processo 0131000-82.2008.5.04.0010

Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

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