terça-feira, 22 de setembro de 2009

STORA ENSO. A MALANDRAGEM APLAUDIDA


REINO DE ATAVUS

Há cerca de um ano e meio, fui procurado por um catador que passa diariamente pela minha rua. Ele me contou que sua companheira havia sido chamada a prestar depoimento em uma delegacia de polícia, acusada de ser dona de uma empresa que evidentemente deveria estar aplicando golpes em algumas cidades. Falou-me do temor de que ela fosse presa, eis que pessoas simples, moradoras da periferia, são sempre tratadas com um rigor e desdém desmedidos. Afinal, já faz parte de nossa cultura que para os despossuídos, não vigora o Princípio da Inocência até prova em contrário.

Conversamos a respeito e ele acabou se tranqüilizando, até porque basta ver a condição da mulher que o acompanha, para perceber imediatamente que ela não é e nem poderia ser a dona de uma empresa. Se o fosse, não estaria se dedicando à tão estafante trabalho.

À época, eu, meu filho André Vinicius Mossate Jobim e alguns outros ecologistas, escrevíamos artigos contra a ideia de nosso futuro prefeito municipal (Cesar Schirmer) trazer para Santa Maria, a empresa Stora Enso, conhecida predadora e poluidora do meio ambiente. Eu até fui criticado através dos jornais pelo assessor de comunicação da Stora Enso, senhor Itamar Pelizzaro, em nota na qual afirmava que minhas críticas e posicionamentos eram baseadas em informações improcedentes e que para ele, era difícil entender o preconceito contra as florestas plantadas.

Ao mesmo tempo em que tudo isso acontecia, o Ministério Público Estadual abriu um inquérito civil a fim de investigar o processo de licenciamento ambiental dos projetos das papeleiras Stora Enso, Votorantim Celulose e Papel e Aracruz Celulose no RS, eis que existiam indícios de que a multinacional sueco-finlandesa havia constituído uma empresa com sócios brasileiros, chamada Azenglever Agropecuária Ltda, para burlar exigências legais relativas a investidores estrangeiros na região. Ela serviria para registrar em seu nome a propriedade das terras já compradas e fazer novas aquisições, o que dispensaria qualquer autorização do Conselho de Defesa Nacional.

A informação, tão logo foi divulgada, fez com que integrantes dos movimentos ambientalistas acusassem a Stora Enso de tentar "driblar" a Lei de Segurança Nacional para "impor" seu projeto de reflorestamento para construção de uma fábrica de celulose. A justificativa dos ecologistas era de que os projetos ameaçam o ambiente com o que chamam de "deserto verde", áreas densas de florestas de eucaliptos que interferem na biodiversidade local.

Acontece que a Via Campesina do Rio Grande do Sul entregou ao Ministério Público Federal (MPF) um documento comprovando que a Azenglever seria de propriedade de dois brasileiros que eram justamente o diretor florestal e o vice-presidente da Stora Enso para a América Latina.

Descoberta a armação, o processo de compra de terras e de registro em cartório através de “laranjas” foi interrompido, eis que se contrapunha à Lei de Segurança Nacional que proíbe companhias de capital estrangeiro de terem propriedades rurais a menos de 150 quilômetros da fronteira..

Convenientemente para a empresa, surgiu até uma emenda constitucional (PEC 49/2006) de autoria do senador Sérgio Zambiasi (PTB) que mudava a regulamentação das denominadas Faixas de Fronteira, sob a alegação de que “a legislação está obsoleta e compromete o desenvolvimento da região". De qualquer forma, estava configurada a tentativa de burlar a legislação.

Como se vê, a conduta adotada pela multinacional, é a mesma que serviu de embasamento para que a senhora a que me referi tivesse sido investigada, ou seja: a utilização de “laranjas” para cometimento de eventuais irregularidades ou burlar a lei. A única e abissal diferença é que, no caso da senhora do catador, ela foi inquirida seriamente, tratada com todo o rigor que normalmente se aplica às pessoas simples e ela voltou para seu casebre ainda mais arcada, agora não apenas por carregar nas costas os sacos contendo o lixo reciclável, mas também por carregar o peso extra da humilhação, do descaso e da indignidade a que são submetidas pessoas que vivem nos limites da exclusão.

Quanto à multinacional, infelizmente, volta aos noticiários sob os aplausos da mídia mais subserviente, com afirmações eufemísticas de que a Stora Enso conseguiu “remover um importante obstáculo” ao seu plano de expansão no Brasil ao obter o aval para regularizar o registro de terras compradas na faixa de fronteira no Rio Grande do Sul, pondo um ponto final em uma tentativa de liberação de registro em nome da empresa que se arrastava por mais de dois anos.

Infelizmente, a autorização para a Stora Enso regularizar a compra de terras na fronteira foi concedida pelo Conselho de Defesa Nacional, em decisão assinada pelo ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional, que deu liberação prévia para a companhia “adquirir o imóvel rural denominado Fazenda Cerro Jacaquá, com área de 170,6075 ha, no município de São Francisco de Assis, na faixa de fronteira do Rio Grande do Sul.”

Observamos que, aquilo que foi uma tentativa cristalina de burlar a legislação brasileira, acabou sendo tratada como uma grande vitória por parte dos abnegados e eficientes administradores das multinacionais. Na verdade, estamos diante de uma malandragem que, reinterpretada por hermeneutas espertalhões, recebeu o toque mágico da legalidade e acabou se convolando em ato de administradores vitoriosos. Enfim, uma “malandragem aplaudida” de forma veemente por uma multidão de seres desprezíveis com suas mãos, sorrisos e ideias de aluguel.

De qualquer forma, é hora dos ambientalistas arregimentarem forças para continuarem suas lutas de “formiguinhas” contra as nefastas empresas, meras sugadoras do que resta de vida no planeta terra.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Publicado no site
Publicado no jornal A Razão de Santa Maria, RS no dia 1º de Outubro de 2.009

Nenhum comentário: