quarta-feira, 2 de setembro de 2009

CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL E A LEI 12.05/09. ALTERAÇÕES E RETROCESSO

Com a sanção da Lei 12.015/09 no dia 10 de agosto pelo Presidente Lula, alterando a redação de alguns crimes sexuais previstos no Código Penal, conseguimos detectar alguns equívocos por parte do legislador, eis que prejudicarão a vítima ou acarretarão um retrocesso em questões para as quais a jurisprudência já vinha tendo um posicionamento mais flexível.

Em primeiro lugar, a ação penal para os crimes sexuais que antes era privada, significando que somente era procedida mediante queixa-crime de iniciativa da vítima ou de seu representante legal, agora passa a ser através de Ação Penal Pública condicionada à representação em alguns poucos casos, porém incondicionada quando a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. Significa que em tais casos, ela terá início mediante atuação do Ministério Público, independentemente a anuência da vítima. O correto é que ela tivesse mantido o direito de não querer dar publicidade ao abuso, pois muitas vezes, o processo criminal pode prolongar seu sofrimento, configurando um segundo atentado contra sua dignidade já dilacerada .

O erro mais grave do legislador no entanto, foi penalizar a prática sexual com menores de 14 anos de maneira quase que objetiva. Salta aos olhos a desproporcionalidade da medida, eis que agora, um rapaz de 18 anos que transar com a namorada de 13 estará sujeito a uma pena mais severa (8 a 15 anos) que a do estupro com violência cometido contra mulher adulta (artigo 213), que é de seis a dez anos de reclusão ou do estupro com violência cometido contra menor entre 14 e 18 anos de idade, cuja pena é de oito a doze anos de cadeia. Ficou inclusive mais grave do que matar alguém, já que a pena do condenado por homicídio simples (artigo 121 do Código Penal) é de seis a doze anos de prisão.

É claro que o Código de 1940 já previa a presunção de violência se a relação sexual fosse praticada com menor de 14 anos, porém a jurisprudência mais arejada do STF e do STJ vinha mitigando tal presunção, pois excluía o crime sempre que se comprovava o consentimento válido da menor.

Como a lei não faz distinção entre sexo consentido ou não-consentido, o retrocesso é evidente, pois ignora o fato que nos dias de hoje é cada vez mais raro haver moça ou rapaz virgem aos 14 anos, sendo que eles fazem tal opção de maneira livre e conscientemente e não por motivo de agressão sexual.

Outra novidade, foi a revogação do crime de “atentado violento ao pudor” previsto no art. 214 do Código Penal e que previa uma pena de reclusão, de seis a dez anos para quem constrangesse alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal, aplicando-se, segundo a doutrina, aos casos em que era praticado o sexo anal com a vítima. Agora, parte de suas elementares foi deslocada para o art. 213 do mesmo diploma legal que passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena - reclusão, de seis a dez anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Antes da referida lei, a redação do art. 213 do CP era a seguinte: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Pena - reclusão, de seis a dez anos.”

Como se pode perceber, o sujeito passivo do delito que anteriormente era apenas a mulher, agora foi substituído pela expressão “alguém”, significando que o sexo do ofendido doravante será indiferente para a caracterização do crime de estupro, podendo ele ser cometido tanto contra a mulher, como também contra o homem. Agora, tanto a conjunção carnal (coito vaginal) não consentida, assim como qualquer outro ato libidinoso (coito anal) forçado por meio da violência ou grave ameaça passam a ser tutelados em um único tipo penal

Com tal modificação, surgem especulações se não poderão os autores de atentado violento ao pudor, virem a se beneficiar do denominado “abolitio criminis”, uma das formas de extinção da punibilidade que faria desaparecer o delito e todos os seus reflexos penais, permanecendo apenas os civis. Salvo melhor juízo, entendo que não, já que, em princípio, não ocorre a abolitio criminis se a conduta praticada pelo acusado e prevista na lei revogada é ainda submissível a outra norma penal em vigor. No caso, a conduta continua prevista no art. 213 do Código Penal.

Já, em relação à "Novatio legis in mellius" termo empregada quando há a publicação de uma nova lei que revoga outra anteriormente em vigência, beneficiando de alguma forma o condenado, não há como fugir.

Anteriormente, os nossos tribunais entendiam que, "não há falar em continuidade delitiva dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor" (HC nº 70.427/RJ , Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 24-9-1993), ainda que "perpetrados contra a mesma vítima" (HC nº 688.77/RJ , Relator Ministro Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ 21-2-1992)”. Embora possuindo a mesma natureza, estupro e atentado violento ao pudor eram considerados crimes de espécies distintas. Assim sendo, em caso da prática dos dois delitos contra a mesma vítima, ocorria o concurso material com a conseqüente soma das penas, o que acabava resultando na condenação, no mínimo, a uma pena de reclusão de doze anos para o autor. Agora, com a aglutinação de ambas as condutas em apenas um tipo penal, o autor será condenado tão somente a um apenamento mínimo de seis anos, eis que estamos diante de um crime único.

Em virtude da referida “novatio legis in mellius”, autores dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor em cujas condenações foi reconhecida a existência de concurso material, poderão pedir a revisão de suas sentenças buscando a diminuição de suas penas, afinal, estamos diante da única exceção ao Princípio da Irretroatividade da Lei Penal, que é justamente quando ela vem a beneficiar de qualquer forma os autores de fatos delituosos.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Publicado de forma resumida no Jornal A Razão de Santa Maria, RS no dia 20 de Outubro de 2.009

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