terça-feira, 25 de agosto de 2009

SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. UM CASO CONCRETO


Domingo, oito horas da manhã, sou acordado em minha casa pelos gritos de uma pessoa me chamando do lado de fora do portão com um jeito de quem está desesperada. Ainda sonolento, levanto e vou atende-la pois pelo jeito, o caso é bastante grave.

Noto que se trata de uma senhora acompanhada da filha de seis anos. Tão logo eu a recebo, ela desanda a falar que o pai da menina não quer mais vê-la, que não vai busca-la nos horários que foram determinados na audiência de conciliação levada a efeito em uma Ação de Alimentos que ela havia proposto contra ele tão logo foi abandonada e na qual já havia sido regulamentado o direito de visitas. Tudo assim, de maneira inflexível, sem se ater ao fato de que referido senhor já tem outra família, é um trabalhador autônomo, não tendo horários fixos disponíveis.

Ela me relata que, como o pai não havia ido ver a filha, ela a levou até a frente da casa dele e o chamou para fora. Como eu já disse, ele tem outra família e as pessoas acabaram ameaçando-a de chamar a polícia caso ela continuasse gritando em frente da residência deles. Tudo na frente da menina.

Ao final do relato, ela manifestou a intenção de que eu tomasse alguma medida para obrigar o pai a ver a menina. Não adiantou eu lhe dizer que era melhor para a filha que eles entrassem em acordo a respeito das visitas e que ela não precisava ser tão rígida em relação aos horários estabelecidos, já que o ideal é que a visitação ocorra sem essa conotação de obrigatoriedade, eis que isso poderá até mesmo ser prejudicial para a criança, pois para ela, o encontro poderá acabar se transformando em um suplício.

No desenrolar da conversa, seguidas vezes ela repetiu na frente da filha que o pai não se importava com ela, que não tinha coração, que dava mais importância aos filhos que tinha com outra mulher e outras coisas mais. Tudo sem se importar com o fato de que a menina estava escutando tudo, apesar de eu delicadamente ter tentado alerta-la a respeito.

Notei que ali estava ocorrendo um processo daquilo que modernamente os doutrinadores estão chamando de Síndrome de Alienação Parental que, em rápidas palavras, é a programação de uma criança para que odeie o genitor. Conhecida pela sigla em inglês PAS, o termo foi proposto por Richard Gardner em 1985 para as situações em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, tudo em consequência de situações onde a ruptura da vida conjugal gera naquele que foi abandonado, um desejo de vingança muito grande em relação ao ex-parceiro. Não conseguindo conviver com a separação, um deles acaba iniciando um processo de destruição da imagem do outro, numa atitude que busca levar à desmoralização e descrédito do ex-cônjuge, passando a utilizar o filho como instrumento para agredi-lo.

A postura de represália chega ao auge, quando ocorrem as falsas denúncias de abuso sexual por parte do interessado em destruir a relação do filho com o outro progenitor. Muitas vezes a própria criança é levada a acreditar e a repetir algo que na verdade não aconteceu. Qualquer olhar, qualquer gesto de carinho um pouco mais efusivo, pode ser tomado como indício do abuso. Como questões assim acabam chegando ao judiciário, muitas vezes o magistrado, ciente do cuidado que deverá ter em questões delicadas como essa, sem ter saída, suspenderá as visitas ou determinará que elas sejam monitoradas, o que também é um constrangimento para ambos. Tudo até que sejam realizados os mais diversos estudos sociais e psicológicos para que se possa aferir a veracidade das acusações.

Pronto. É o que basta para a mãe ou o pai que acusa se sentir vingado e com a sensação de ter atingido o seu intento que é justamente, macular a relação afetiva entre o outro progenitor e o filho. Acaba esquecendo que o novo fenômeno que também é chamado de “Implantação de Falsas Memórias”, evidentemente acabará comprometendo o desenvolvimento sadio do filho e colocando em risco o seu equilíbrio emocional, levando-o a uma crise de lealdade em relação a um dos pais, e um sentimento de culpa em relação ao outro.

Pois bem, voltando ao caso concreto, eu tentei dialogar com a mulher e faze-la entender que hoje dia, se reconhece a necessidade de que os filhos tenham uma relação de afetividade bastante intensa com ambos os pais, que devemos buscar sempre intensificar as visitas e para tanto, precisamos buscar a flexibilização dos horários de acordo com as possibilidades de cada um, sem se ater ao que ficou escrito na ata de audiência. De nada adiantou no momento. Ela queria que eu tomasse uma medida para fazer com que o juiz obrigasse o pai a ver a filha nos horários pré-estabelecidos.

Bem. Eu só acredito em amor espontâneo e não por imposição. De qualquer modo, apenas para acalma-la e evitar que a cena continuasse a se desenrolar na presença da menina, disse-lhe que iria estudar qual a melhor medida e que ela me procurasse daí a dois dias, imaginando que após algumas noites de sono, ela teria tempo suficiente para raciocinar a vencer sua ira. Foi o que aconteceu. Alguns dias depois ela me telefonou e disse que eu suspendesse qualquer medida que eu tivesse tomado, assim com um certo ar de magnanimidade para com o ex-companheiro.

Senti um certo alívio, pois existem questões que somente as partes envolvidas podem resolver e para as quais, o judiciário não tem soluções prontas. De qualquer maneira, o estrago já estava feito. Embora eu tivesse tentado evitar, cenas e palavras deploráveis ocorreram na frente da menina e creio que isso irá permanecer em sua mente, influenciado-a negativamente por muito tempo. Para a filha, a imagem do pai foi irremediavelmente maculada.

Necessário que façamos uma advertência às pessoas que agem dessa forma. Ela precisam ficar sabendo que o poder judiciário não se coaduna com tais atitudes e, se buscarmos na jurisprudência, observaremos que seguidamente tais condutas levam as pessoas que as praticam a perderem a guarda dos filhos usados como instrumento de vingança. Tudo porque os efeitos na criança são devastadores, já que, segundo os estudiosos, de imediato, ela passa a ter uma sensação de perda que só é comparável á morte de um dos pais, do avô e da avó, todos de uma só vez. Com a contínua ausência do progenitor alienado ela passará a ter um sentimento de que está lhe faltando alguma coisa, justamente a referência, o apoio e o amor que naturalmente flui não só dos pais, mas também dos avós e demais parentes.

Segundo os estudos realizados, ao agir assim, com uma espécie de egoísmo e sentimento de vingança travestido de amor e proteção exacerbada, o genitor irá levar a criança a situações de ansiedade, tensão, depressão e doenças psicossomáticas. Fará que elas sejam mais impacientes e nervosas e menos capazes de enfrentar situações complexas com as quais deverão se confrontar na vida adulta, podendo resultar em comportamentos de grande inadaptação para a vida em sociedade.

Trata-se de um preço emocional muito alto e destrutivo que a criança vítima da síndrome de alienação parental irá pagar apenas para satisfazer sentimentos rasteiros de um dos genitores.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Publicado no site