O
Estado pode determinar que a vacinação da população seja obrigatória, inclusive
contra a Covid-19, sendo afastadas medidas invasivas como o uso da força para
exigir a imunização. O entendimento foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal
nesta quinta-feira (17/12).
O
colegiado definiu que a vacinação compulsória pode ser implementada por medidas
indiretas, como a restrição ao exercício de certas atividades ou à presença em
determinados lugares.
Também
foi definido que pais são obrigados a levar os filhos para vacinação conforme
prevê o calendário de imunização, devendo ser afastadas convicções filosóficas.
Foram
analisadas em conjunto duas ações diretas de inconstitucionalidade, que
tratavam da vacinação contra a Covid-19, e ainda um recurso extraordinário.
Prevaleceram os entendimentos dos relatores, ministros Ricardo Lewandowski e
Luís Roberto Barroso, respectivamente.
Ontem,
em um voto longo, Lewandowski afirmou que o Estado é obrigado a proporcionar a
toda a população interessada o acesso à vacina para prevenção da Covid-19. A
saúde coletiva, disse, "não pode ser prejudicada por pessoas que
deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão
egoisticamente beneficiárias da imunidade de rebanho".
Hoje,
ele recebeu elogios de seus pares pela profundidade da análise. Os ministros
concordaram com que as limitações podem ser implementadas tanto pela União como
pelos estados e municípios. Todos reforçaram que o fato de a vacinação ser
compulsória não significa vacinação forçada.
No
julgamento das ações, o placar foi de 10 votos contra 1. Vencido, Nunes Marques
apresentou ressalvas sobre a obrigatoriedade, defendendo que ela é "medida
extrema, apenas para situação grave e cientificamente justificada e esgotadas
todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária". Defendeu que a
vacinação obrigatória pode ser sancionada por medidas indiretas, como a
imposição de multas.
Decisão unânime
Nesta
quinta, Barroso defendeu que o direito à saúde coletiva e, particularmente, das
crianças e dos adolescentes, deve prevalecer sobre a liberdade de consciência e
de convicção filosófica. Caracteriza como ilegítimo que, em nome de um direito
individual, frustre-se o direito da coletividade.
O
recurso analisado discute se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores
de idade, com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e
existenciais. Na origem, pais veganos e contra intervenções médicas invasivas
deixaram de cumprir o calendário de vacinação determinado pelas autoridades
sanitárias.
Segundo
Barroso, no entanto, "o poder familiar não autoriza que os pais, invocando
convicção filosófica, coloque em risco a saúde dos filhos". Para o
ministro, este é um dos raros casos em que se justifica o Estado ser
paternalista.
A
tese fixada, de repercussão geral, foi a seguinte: "É constitucional a
obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de
vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de
imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii)
seja objeto de determinação da união, estados e municípios, com base em
consenso médico científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à
liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis,
nem tampouco ao poder familiar".
O
ministro foi acompanhado por unanimidade.
Tese em ADI
A
corte também inovou ao fixar tese em ação direta de inconstitucionalidade,
quando a praxe é a de não definir teses em ações de controle abstrato, conforme
lembraram os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
Foi definido que:
"(I)
A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada
sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de
medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao
exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde
que previstas em lei, ou dela decorrentes, e
i)
tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes,
(ii)
venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e
contraindicações dos imunizantes,
(iii)
respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas,
(iv)
atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e
(v)
sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente;
(II)
tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto
pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as
respectivas esferas de competência."
Fernanda Valente é
correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2020-dez-17/stf-decide-vacinacao-obrigatoria-constitucional
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