Configura
erro judiciário indenizável a liberação imediata, por juiz do trabalho, de
depósito recursal em favor da parte reclamante antes do trânsito em julgado da
sentença trabalhista. Por isso, a 2ª Vara Federal de Canoas (RS), na região
metropolitana de Porto Alegre, mandou a União pagar, a título de dano material,
R$ 2,1 mil a uma distribuidora de alimentos, prejudicada pela liberação
equivocada do valor do depósito recursal em favor da reclamante.
A
União já havia sido condenada em novembro de 2019 pela 3ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em caso idêntico, envolvendo a mesma
juíza trabalhista: Valdete Souto Severo. Nesses dois processos, os reclamados
(empregadores) saíram-se vencedores ao final da contenda judicial, mas não puderam
resgatar os depósitos recursais — sacados e não devolvidos pelos reclamantes.
O
juiz federal Felipe Veit Leal observou que a magistrada que proferiu a sentença
contrariou o comando do parágrafo 1º do artigo 899 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT): "(...) Transitada em julgado a decisão recorrida,
ordenar-se-á o levantamento imediato da importância de depósito, em favor da
parte vencedora, por simples despacho do juiz’".
Além
disso, frisou, a 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região já reconheceu a ilegalidade da liberação do valor do
depósito recursal antes do trânsito em julgado da decisão final, justamente
pela possibilidade de sua modificação na instância recursal.
‘"Em
que pese a Juíza tenha fundamentado sua decisão de liberar o saque dos valores
no art. 475-O do CPC/1973, vigente à época, a jurisprudência trabalhista já
havia consolidado o entendimento de que o aludido dispositivo processual não
tem aplicação no âmbito do processo trabalhista, vez que a Consolidação das
Leis do Trabalho não era omissa quanto ao tema", lembrou Veit.
Atuou
em nome da empresa o advogado Diego Thobias do Amaral, do escritório Jorge A.
A. do Amaral Advogados Associados.
O caso
Tudo
começou quando a Unidasul Distribuidora Alimentícia S/A foi processada pela
ex-empregada Patrícia Vessner da Silva na 1ª Vara do Trabalho de São Leopoldo
(região metropolitana de Porto Alegre). Ao prolatar a sentença de procedência,
a juíza do trabalho Valdete Souto Severo determinou a imediata liberação do
depósito recursal em favor da reclamante, sem qualquer requerimento.
Justificou
a magistrada: "Havendo interposição de recurso, o valor do depósito
recursal deverá ser imediatamente liberado ao reclamante, por alvará, na medida
em que a sentença trabalhista deve ter cumprimento imediato e de que o
ordenamento jurídico autoriza expressamente a liberação de dinheiro em execução
provisória, independentemente de garantia, nas hipóteses de crédito alimentar
(art. 475-O do CPC, plenamente aplicável ao processo do trabalho, porque
compatível com o princípio da proteção)".
Ato
contínuo, a Justiça trabalhista expediu alvará para saque do valor referente ao
depósito recursal. Assim, em 16 de julho de 2015, a parte reclamante levantou a
quantia de R$ 2.214,54.
Em
combate àquela sentença, a defesa da empresa interpôs recurso ordinário no
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4). Em 27 de janeiro de 2016,
ao dar parcial provimento ao recurso da reclamada, a 6ª Turma afastou a
liberação imediata do depósito recursal.
Para
a desembargadora-relatora Maria Cristina Schaan Ferreira, o dispositivo legal
que permite a liberação não pode ser aplicado de ofício pelo juiz. Antes, é
necessário que a parte beneficiária faça pedido expresso neste sentido.
"Isso porque, se ao final a liberação de valores se revelar indevida (no
caso de improcedência da reclamatória, por exemplo), o empregado dificilmente
estaria em condições de devolver os valores liberados, caso em que poderia (em
tese) ter contra si instaurado processo de execução, com o acréscimo de
despesas próprias deste", explicou naquele acórdão.
Após
o trânsito em julgado, a parte reclamada ficou com crédito de R$ 2.202,04. As
várias tentativas de cobrança movidas contra a parte reclamante, no entanto, resultaram
infrutíferas, inclusive as feitas pelos sistemas Bacenjud e Renadud — o que
levou ao arquivamento da execução.
Com
este desfecho, só restou à defesa da parte reclamada ajuizar ação de danos
materiais em face da União, para se ressarcir do prejuízo causado por um agente
do estado, que errou na aplicação da lei e ignorou a jurisprudência
trabalhista.
Jomar Martins é
correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor
Jurídico
https://www.conjur.com.br/2020-out-28/uniao-indenizar-reclamada-erro-juiza-trabalho

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