Por
que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia,
inspiraria “desconfiança” para constar em um álbum da polícia com possíveis
suspeitos de crimes? O questionamento foi feito pelo juiz do Rio de Janeiro
André Luiz Nicolitt ao mandar soltar o músico Luiz Carlos da Costa Justino, que
teria sido preso por engano na última quarta-feira (2/9).
Luiz
Carlos da Costa Justino foi preso com base em banco de imagens
A
polícia suspeita que Justino participou de um assalto à mão armada em novembro
de 2017, mas a defesa, familiares e amigos dizem que ele participava de uma
apresentação em uma padaria no momento em que ocorreu o crime. O mandado de
prisão preventiva foi expedido após a vítima reconhecer Justino como um dos
assaltantes. Ele acabou detido após ser parado em uma blitz policial.
A
defesa entrou com pedido de Habeas Corpus, que foi concedido durante o plantão
judiciário. Segundo o juiz, há nos autos prova de residência, atividade laboral
lícita, boas referências e sem antecedentes criminais. Assim, ele afirmou que
os elementos de investigação são "frágeis para permitir a prisão de um
jovem com tantos lastros positivos em sua biografia trazida ao processo".
"O
mandado de prisão é de novembro de 2017, de modo que após tanto tempo sem qualquer
ocorrência envolvendo o réu e sendo possível que sua não localização tenha
decorrido de inoperância do próprio Estado, tudo isso faz desaparecer o quesito
de contemporaneidade exigível por legislação superveniente ao decreto e que se
aplica ao caso", completou.
Nicolitt
destacou que o reconhecimento fotográfico é duvidoso em função de sua grande
possibilidade de erro: "São muitas as objeções que se pode fazer ao
reconhecimento fotográfico. Primeiro, porque não há previsão legal acerca da
sua existência, o que violaria o princípio da legalidade. Segundo, porque, na
maior parte das vezes, o reconhecimento fotográfico é feito na delegacia"
sem informações claras, "o que viola a ideia de cadeia de custódia da
prova".
Para
o juiz, no caso dos autos, causou "perplexidade" como a foto de
alguém primário, de bons antecedentes, sem qualquer passagem policial poderia
integrar álbuns de fotografias em sede policial como suspeito. O reconhecimento
pela vítima foi feito no mesmo dia do assalto. Segundo Nicolitt, se não houve
prévia investigação, o álbum de suspeitos só pode significar um rol de pessoas
“que inspiram desconfiança”.
"Indaga-se:
por que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia,
inspiraria 'desconfiança' para constar em um álbum? Como essa foto foi parar no
procedimento? Responder a esta pergunta significa atender a um reclamo legal
chamado 'cadeia de custódia da prova'", questionou Nicolitt.
Ele
também afirmou que a liberdade do músico não gerou problemas para a sociedade,
pois não responde a qualquer outro crime, "sendo que a única organização
de que se tem notícia a que o mesmo pertence é uma organização musical".
"Ao que parece, ao invés de gerar perigo, nesses três anos, vem promovendo
arte, música e cultura", concluiu. Dessa forma, o juiz revogou a prisão
preventiva de Justino.
Processo
0021082-75.2020.8.19.0004
Tábata Viapiana é repórter
da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico
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