Não bastasse a seca e a pandemia, os agricultores da
Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul agora estão preocupados com a aproximação
de uma nuvem de gafanhotos que está atacando plantações no Norte da Argentina.
A Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) e o
Ministério da Agricultura estão monitorando o avanço dos insetos.
Nesta quarta-feira (24), os gafanhotos estavam na região
de Santa Fé, a 250 quilômetros da fronteira com o Rio Grande do Sul. O alerta
às autoridades brasileiras foi feito pelo Serviço Nacional de Sanidade e
Qualidade Agroalimentar da Argentina (Senasa).
“É uma distância relativamente próxima. Se essa nuvem
persistir e as condições meteorológicas forem favoráveis ao ingresso da praga
no estado, pode afetar algumas culturas e pastagens inclusive", conta o
fiscal agropecuário Ricardo Felicetti, chefe da Divisão de Defesa Sanitária
Vegetal da Seapdr.
Relatos da mídia argentina dão conta de que a nuvem de
gafanhotos teria vindo do Paraguai e das províncias de Formosa e Chaco, onde há
produção de mandioca, milho e cana-de-açúcar. Seu deslocamento é influenciado
pela direção dos ventos e a ocorrência de altas temperaturas.
Flávio Varone, meteorologista da Seapdr, analisou as
condições climáticas do período atual para avaliar os riscos destes insetos
chegarem ao Rio Grande do Sul.
"A aproximação de uma frente fria oriunda do Sul vai
intensificar os ventos de Norte e Noroeste, potencializando o deslocamento do
massivo para a Fronteira Oeste, Missões e Médio e Alto Vale do Rio Uruguai.
Contudo, a tendência de queda nas temperaturas e previsão de chuva para todo o
estado nesta quinta-feira (24) tende a amenizar o risco com a dispersão da
praga", detalha.
Monoculturas e
desequilíbrio
O diretor da Associação Brasileira de Agroecologia
Leonardo Melgarejo explica que o fenômeno é uma expressão do desequilíbrio
ecológico que favorece esta grande população de insetos, associada ao sumiço
dos chamados "controles naturais", com a extinção ou a redução
drástica das populações de pássaros, aranhas, e pequenos roedores, como a
mulita e as preás.
O habitat desses animais está dando lugar aos projetos
cada vez mais extensivos do agronegócio. “Todos comem gafanhotos e isto tudo
está desaparecendo com o avanço da soja e das outras monoculturas extensivas. O
uso de venenos que ataca algumas culturas também mata os predadores desses
insetos”, argumenta.
Parte do mesmo processo de degradação ambiental, a mudança
climática também propicia a superpopulação de gafanhotos na medida em que gera
uma sequência de verões e outonos secos, e invernos cada menos frios. Assim,
ficam prejudicados os chamados "períodos de controle", acrescenta o
engenheiro agrônomo.
“Neste período em que nós estamos chegando, seria o que
eles estariam se reproduzindo e sendo controlados pelo frio. Mas, ao mesmo
tempo, como o verão e o outono foram secos, eles estão se transferindo para
lugares onde tenham possibilidade de se desenvolver e nós estamos no caminho”,
assinala Melgarejo.
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importância do plano de Reforma Agrária Popular lançado pelo MST?
O ambientalista recordou que uma situação como esta já
aconteceu nos anos 1930 na Bolívia, na Argentina e no Uruguai. Na Argentina, em
1932,150 milhões de hectares foram invadidos por migrações em massa desses
insetos.
“Estes insetos têm uma característica muito interessante.
O seu comportamento é individual, mas quando as condições ficam favoráveis para
uma grande multiplicação eles alteram o comportamento e os seus hormônios
modificam o tamanho e a força das asas para que a população migre para um outro
lugar onde se encontre comida para a possibilidade de manutenção daquela grande
massa de indivíduos. E eles podem ter até dois ou três ciclos por ano. Migram
em massa e nessas migrações podem fazer até voos de 150 quilômetros por
dia."
Perigo para as
abelhas e outros polinizadores
Outra preocupação ambiental apontada por Melgarejo é que,
se a nuvem de gafanhotos chegar ao Brasil, o combate será feito com uso intenso
de inseticidas que poderão acabar com as abelhas e outros animais. “O controle
vem sendo feito com veneno, muito veneno. Os venenos que foram utilizados na
última crise foram o Fipronil, a Sipermetrina, o Tiametoxam, estes todos são
venenos que nós temos associados a mortandade das abelhas. Então a situação é
alarmante”, alertou.
“Temos que torcer que os técnicos da Argentina consigam
controlar, reter esta nuvem de gafanhotos lá, porque se chegar aqui no Brasil
possivelmente nós vamos usar a mesma estratégia, pulverização e venenos que
acabam com as abelhas. Os companheiros argentinos estão fazendo um bom trabalho
no controle da organização social para enfrentar a pandemia de covid-19 e
esperamos que façam também um bom trabalho de controle biológico nesta praga de
gafanhotos.”

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