A aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei
4.162, que cria o chamado marco legal do saneamento básico, representa um
enorme retrocesso. Ao contrário do que propagam seus defensores, não trará
ganhos para a população e tem como objetivo essencial proporcionar ainda mais
lucro ao setor privado. A proposta aprovada, que deverá ser sancionada pelo
presidente da República, revoga avanços criados para permitir ao poder público
solucionar a enorme defasagem existem nesses serviços públicos essenciais para
a população.
A tramitação do projeto se deu sob uma verdadeira campanha
de desinformação, que apontava como única alternativa para superar as carências
existentes a entrega do serviço para a iniciativa privada. Ao mesmo tempo, um
ataque virulento às empresas públicas, ignorando a enorme experiência por elas
acumulada que possibilitou uma oferta de água e saneamento nas grandes cidades,
mas também em pequenos municípios, onde o serviço nunca havia chegado.
Diante do muito que ainda há por ser feito num país
continental e com quase seis mil cidades, tentou-se desqualificar as empresas
públicas. Pelo texto aprovado, o Estado cede lugar ao setor privado, que ganha
amplos poderes para fazer das enormes demandas por saneamento uma poderosa
fonte de lucro.
Segundo o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao
Saneamento (ONDAS), “a proposta pode criar um monopólio do setor privado nesses
serviços essenciais, o que não contribuirá com a tão propalada universalização
do acesso”. O Observatório lembra que a carência maior se encontra nos pequenos
municípios, nas áreas rurais e nas periferias das grandes cidades, onde a
população não possui condições de pagar pelo serviço, o que não despertará
interesse das empresas privadas que buscam lucros. Áreas onde residem
populações com baixa capacidade de pagamento dos serviços, portanto,
incompatível com a necessidade de lucro almejado pelas empresas privadas e por
seus acionistas.
Ter acesso a água e a esgoto é direito básico e as
carências no Brasil são de grande monta. Em um país que abriga a maior floresta
tropical do mundo e um gigantesco potencial hídrico, esse déficit é
inaceitável. Mas, com o enfraquecimento do papel do Estado no setor em favor do
lucro privado, esse direito fica ainda mais distante. Não se pode falar em progresso
social e de desenvolvimento econômico sem considerar essa condicionante.
O tema é objeto de um debate que tem sido travado há muito
tendo como centro a necessidade de universalização do acesso aos serviços de
saneamento e à oferta de água tratada. Ao contrário do que foi apregoado, há
alternativas além da que coloca a iniciativa privada como única capaz de
atender à demanda.
Aliás, Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), em
vigor há menos de 10 anos, não impede a participação da iniciativa privada, mas
prevê um papel determinante do poder público, que agora é tolhido pela nova
proposta. Mas também se faz necessário, como destaca o ONDAS, “a garantia de
recursos perenes de financiamento, seja por meio de empréstimos (CEF e BNDES)
ou de Recursos do Orçamento Geral da União (OGU) – sempre com profundo controle
dos investimentos por parte da sociedade, a criação de um fundo para
universalização do acesso, como já ocorre em outros setores, como o de energia,
e um programa de revitalização e fortalecimento para as empresas públicas e
autarquias”.
Vale ainda destacar que o projeto aprovado coloca o Brasil
na contramão do que tem ocorrido em muitos países, onde sistemas de saneamento
que havia sido privatizados estão sendo reestatizados. Um estudo do Instituto
Transnacional da Holanda (TNI) mostra que entre 2000 e 2017 a mudança ocorreu
em 1600 municípios de 58 países.
A retomada do serviço pelo poder público, na maioria dos
casos, ocorreu em “resposta às falsas promessas dos operadores privados; à colocação
do interesse do lucro por sobre o interesse das comunidades; ao não cumprimento
dos contratos, das metas de investimentos e expansão e universalização,
principalmente das áreas periféricas e mais carentes; aos aumentos abusivos de
tarifas”, como indica matéria publicada pelo Portal Vermelho.
A aprovação desse marco regulatório privatista se torna
ainda mais danoso porque que se concretiza no âmbito de um governo
ultraliberal, cuja plataforma e “missão” é liquidar com o patrimônio público. A
regulamentação e a execução dessa Lei se efetivarão sob a égide dos interesses
dos monopólios, do lucro máximo. Sob o império dessa lógica, as periferias das
metrópoles, das cidades médias, regiões mais populosas e carentes serão
simplesmente excluídas da oferta do serviço.
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