Setor
não recolhe ICMS
STF
precisa dar resposta
Devemos
incentivar agroecologia
Há
no Brasil 6 grandes empresas, todas corporações transnacionais, que controlam
mais de 60% do mercado de agrotóxicos: Syngenta (China/Suíça), Bayer/Monsanto
(Alemanha), Corteva (ex-DowDupont, EUA), Basf (Alemanha), UPL (índia) e FMC
(EUA). O volume de vendas é de cerca de 550 mil toneladas de venenos por ano,
segundo o Ibama, a um faturamento aproximado de US$ 10,8 bilhões de dólares
(segundo a Aenda, a Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos).
Esse
poder econômico, por si só, explicaria a enorme influência dessas empresas
sobre o poder político que garante seus privilégios econômicos. No Brasil, o
povo paga ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) sobre as compras que
faz de feijão, arroz, leite, pão, água mineral, gasolina e até luz elétrica e
telefone. Porém, pasmem, venda de agrotóxicos não recolhe ICMS.
Essa
incompreensível injustiça social e tributária decorre da influência dessas
empresas ainda nos tempos da ditadura empresarial-militar (1964-1985), quando
na década de 1970, por um acordo de cavalheiros, espantosamente os secretários
estaduais da Fazenda acordaram em isentar a venda dos agrotóxicos do
recolhimento de ICMS. Sem nenhum amparo legal, em nenhuma lei.
Alguns
Estados deram 60% de isenção, mas a maioria deu 100%. Da mesma forma IPI,
Cofins, PIS/Pasep, têm isenção total. E isso vigorou nas últimas décadas até os
dias atuais.
Os
prejuízos aos cofres públicos desta isenção fiscal ascendem a bilhões de reais,
que poderiam ter sido aplicados em escolas, professores, médicos, estradas,
serviços ao povo brasileiro.
Ninguém
consegue explicar porque essa injustiça perdura há tanto tempo, se não pelo
enorme poder político e influência nos poderes da República que essas empresas
cultivam.
Até
a recente mudança da legislação eleitoral, elas financiavam generosamente
candidatos de todos os partidos, inclusive do PT, que depois apoiavam os
interesses dessas empresas nas casas legislativas e nos governos.
Outra
situação inaceitável é a utilização da pulverização aérea para passar os agrotóxicos
nas áreas. Há uma legislação que cerceia a pulverização próxima de outros
cultivos e de moradias. Porém, os ávidos fazendeiros do agronegócio não
respeitam. Já tivemos uma escola bombardeada por veneno em Goiás, onde todos os
alunos foram parar no pronto-socorro. Até hoje ninguém recebeu nenhuma
indenização. Tivemos diversas aldeias indígenas bombardeadas no Mato Grosso e
no Mato Grosso do Sul. Alguns fazendeiros usam, inclusive, como forma
pressionar a saída desses povos de suas aldeias, sobretudo no Mato Grosso do
Sul.
Mas
por ironia da história, já que a Globo
apoia o agro como “moderno”, até o senhor Galvão Bueno perdeu toda a sua
produção de uvas viníferas no sul do Rio Grande do Sul pela irresponsabilidade
dos seus vizinhos sojicultores que usaram agrotóxicos e afetaram seu cultivo de
videiras.
Há
centenas de casos semelhantes com agricultores familiares afetados por seus
vizinhos do agronegócio.
Em
toda a Europa, está proibido o uso de aviação agrícola para passar venenos.
Diversos países já sinalizaram e se preparam para erradicar o uso do Glifosato,
que é a matéria-prima de diversos agrotóxicos. E há uma proposta para, em 7
anos, erradicar o uso desse veneno em toda a comunidade europeia.
Os
agrotóxicos matam a biodiversidade na natureza vegetal, animal e das bactérias,
que compõem a vida do solo, e mantêm apenas a planta desejada.
Os
malefícios para a natureza, a água e a saúde humana estão fartamente
pesquisados e documentados por muitos pesquisadores de universidades, da
Fiocruz, Ibama e do Instituto Nacional do Câncer. É consenso na comunidade
científica que o consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos de forma
permanente gera várias enfermidades, inclusive câncer.
No
Brasil, já foram encontradas amostras de glifosato presente no leite materno,
em região produtora de soja no Mato Grosso (pesquisa da UFMT). No norte do
México, pesquisadores encontraram glifosato na urina de crianças.
E
pior: levantamento realizado pelo Ministério da Saúde (Siságua) revela que 60%
dos municípios brasileiros não realizaram em 2018 o monitoramento obrigatório
de agrotóxicos na água.
No
restante dos municípios, metade apresentou resíduos de diversos agrotóxicos e
94% dos municípios tinham resíduos de, pelo menos, um agrotóxico. Entre as
substâncias encontradas estão tanto o glifosato, a atrazina, como agrotóxicos
já banidos décadas atrás, como o DDT. Ou seja, toda a população urbana está
também à mercê dessa insanidade.
Mercenários
de plantão nas universidades e na mídia corporativa alegam que precisamos de
agrotóxicos porque praticamos uma agricultura nos trópicos mais suscetível a
enfermidades das plantas. Ledo engano. O Japão é o país que mais consome
agrotóxicos por hectare; China, EUA e Brasil são os maiores consumidores pela
ordem de volume total de agrotóxicos. Notem que os 3 principais usuários de
agrotóxicos praticam agricultura de inverno e de clima temperado. Portanto, a
explicação dos trópicos não é suficiente.
O
Brasil teve o privilégio de ter 2 dos maiores cientistas de solos do mundo, a professora
Ana Maria Primavesi, da UFSM (1920-2020) e o professor Adílson Paschoal (1941)
da Esalq/USP. Eles passaram a vida inteira estudando a natureza dos solos e
defendendo que as enfermidades são resultantes da condição de saúde do solo.
Portanto,
ele avaliam que os agrotóxicos não resolvem as causas, apenas combatem efeitos,
que a médio prazo sempre vão se repetindo e agravando. Defendem que é possível
produzir com alta produtividade, melhorando a fertilidade dos solos, sem usar
agrotóxicos. Ambos são, na prática, os pais da agroecologia moderna.
Os
agrotóxicos são utilizados apenas por necessidades econômicas do modelo de
produção em latifúndios do agronegócio, que adotou a monocultura de larga
escala e substituiu a mão de obra pelos agrotóxicos. Reeditaram a plantation
colonial e, no lugar dos trabalhadores escravizados, usam venenos.
A
senadora e psicóloga-fazendeira Kátia Abreu justificou, tempos atrás, que os
ricos continuariam se alimentando com produtos orgânicos, porque são mais
saudáveis e mais caros, mas os pobres teriam que se contentar em comer comida
barata e com substâncias químicas (declaração registrada no documentário de
Sílvio Tendler “O veneno está na mesa”.
A
justificativa da escala também não convence. Já temos diversas experiências de
grandes fazendas que adotaram a agroecologia e cultivam vários produtos em
larga escala e com alta produtividade. O empresário Paulo Diniz, em sua fazenda
Toca, de 2.300 hectares, produz o açúcar orgânico da Native, em parceria com
diversas fazendas de Sertãozinho (SP).
É
também o caso das famílias assentadas pela reforma agrária no Rio Grande do
Sul, que produzem de forma cooperada a cada ano ao redor de 500 mil sacas de
arroz orgânico. São os maiores produtores de arroz sem venenos da América Latina.
Felizmente,
parece que agora há uma consciência maior na sociedade contra os agrotóxicos e
na defesa de alimentos saudáveis, o que começa a ter repercussão na política.
A
Assembleia Legislativa do Ceará, de forma pioneira, proibiu o uso de
pulverização aérea, apesar de toda a pressão do agronegócio da banana para
exportação. O Estado de Santa Catarina tem um governador militar eleito na onda
do bolsonarismo que mandou um projeto que implementa a cobrança escalonada de
ICMS sobre a venda de agrotóxicos.
Desde
2016, o Psol entrou com uma ação de inconstitucionalidade da isenção de ICMS e
demais impostos sobre a venda de agrotóxicos no STF (ADI 5.553). Era para ser,
finalmente, julgado antes do Carnaval, mas estranhamente foi retirado de pauta
a pedido de algum ministro? Estaria esse ministro preocupado com os interesses
econômicos das 6 grandes empresas ou com a saúde da população brasileira e com
os prejuízos das finanças estaduais?
O
documentário da cineasta francesa Marie-Monique Robin “O Mundo Segundo a Monsanto”, demonstra a
influência dessas grandes corporações.
O
filme denuncia as falcatruas da Monsanto, atualmente controlada pela alemã
Bayer, nos Estados Unidos e na França para garantir seus lucros. A empresa,
inclusive, chegou a colocar o seu advogado como secretário da agricultura no
governo Bill Clinton apenas para legislar em causa própria.
Esperamos
que os supermercados respeitem a lei do Código do Consumidor e sinalizem nas
gôndolas e nos rótulos os produtos que têm agrotóxicos. É um direito de todo o
povo saber e poder escolher, solenemente ignorado pelas empresas.
Esperamos
que a sociedade nos ajude a combater essas agressões e exija cada vez mais
alimentos orgânicos produzidos de forma agroecológica. Será uma longa luta,
porém seremos vencedores.
No
passado, luta semelhante foi travada contra as empresas fabricantes de
cigarros, que juravam que não causavam problemas à saúde e tinham até médicos
–muito bem pagos– a seu favor.
Governos
e sociedade se conscientizaram e fizeram campanhas sistemáticas contra o
tabagismo, ainda que o fator preponderante para as empresas foi os processos
que resultaram em vultosas indenizações às vítimas de câncer no pulmão provocados
pelo cigarro.
Esse
movimento já começou também em relação aos agrotóxicos. Nos Estados Unidos, a
Bayer/Monsanto já foi condenada a pagar milhões de dólares a agricultores com
câncer pelo uso do glifosato vendido pela empresa.
Espero
que o STF não se acovarde, defenda a lei e os interesses do povo e coloque em
pauta e julgue o quanto antes a necessidade das empresas recolherem o ICMS pela
venda de agrotóxicos.
Como
diz o poeta Chico Buarque: “Apesar de vocês amanhã haverá de ser um novo dia!”
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