Quando
começou a faculdade de Direito, em São Paulo, o juiz Edevaldo de Medeiros já
era casado e tinha dois filhos pequenos, de 1 e 2 anos de idade.
Filho
de um operário baiano e de uma faxineira catarinense, pagou seus estudos
trabalhando como tesoureiro num grupo do setor de laticínio.
Formado
em 2001, com 29 anos, passou no primeiro exame da OAB após a formatura e
advogou até tomar posse como magistrado, em janeiro de 2007.
“Tive
que lidar com juiz grosseiro e tendencioso que não respeitava a defesa”, diz
sobre seus tempos de procurador.
Ele
está à frente de um projeto de relevante cunho social, que busca aproximar os
jurisdicionados da 39ª Subseção Judiciária de Itapeva, envolvendo as várias
comarcas em que atua.
Juntamente
com outros 11 juízes pela Democracia, Medeiros respondeu representação
administrativa, aberta pelo CNJ, por ter visitado Lula na prisão, em Curitiba,
que reclamava, também, de uma entrevista concedida por Edevaldo ao Brasil de
Fato, na qual ele teceu criticas à lava jato.
Depois
de arquivado o feito contra ele, oito procuradores federais apresentaram nova
representação, somente em face de Edevaldo, que motivou a instauração de um
processo administrativo, autorizado pelo Tribunal Regional Federal da 3a
Região, que ele está respondendo atualmente.
Nessa
representação os procuradores falam da visita feita a Lula, da entrevista ao
jornal Brasil de Fato, e citam várias decisões proferidas por ele nos
processos cíveis e criminais nos quais o MPF é parte, tentando cercear e
censurar suas decisões motivadas, por nítida perseguição.
Confira a entrevista:
DCM:
O senhor responde a processos por ter visitado Lula na prisão e criticado a
lava jato. O primeiro, junto com outros 11 magistrados. O segundo é somente
contra o senhor e foi provocado por representação de oito procuradores federais
que se insurgem contra decisões suas, proferidas nos processos cíveis e
criminais nos quais o MPF atua. É possível que eles estejam se vingando de sua
posição garantista?
Edevaldo
de Medeiros: Na verdade, o primeiro processo foi arquivado em relação à maioria
dos juízes, mas ainda há dois respondendo a eles no TRT do Recife.
Quanto
ao segundo, ele tem três motivações: ter visitado Lula na cadeia; a entrevista
que dei naquela ocasião ao site Brasil de Fato, em que falei conceitualmente
sobre operações policiais, o que inclui a Lava Jato, espécie do gênero, e
critiquei o comportamento político do atual ministro da Justiça, enquanto juiz;
e, finalmente, pelo modo como interpreto a lei.
Para
mim, está claro que o que desencadeou a representação foi ter visitado Lula na
prisão. Foi a oportunidade de ouro que setores autoritários do MPF encontraram
para atacar meu modo de pensar o direito, porque todas as decisões que eles
referem na representação já haviam sido recorridas.
Neste
aspecto, não se trata de algo especificamente contra mim, mas contra o
garantismo penal, doutrina do professor italiano Luigi Ferrajoli, largamente
utilizada no Brasil, e contra a independência da magistratura. É um ataque à
democracia.
Pretendem,
ao me punir, intimidar todos os outros juízes que seguem a mesma linha teórica
de interpretação, transformando-os em mamulengos, cujas cordas de coordenação
ficarão nas mãos dessa ala conservadora do MPF.
Irônico
nisso tudo é que uma das procuradoras que me acusa é condenada criminalmente
por crime de calúnia cometido contra juiz federal.
Em
2018 o juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho foi punido com censura pelo
TJSP por ser “progressista demais”. Em linguagem popular, o que é garantismo, o
que é ser progressista?
O
juiz dito progressista ou garantista, em linguagem simples, é aquele que
analisa a acusação sem preconceito, sem prejulgar o réu. É um juiz que exige lisura dos órgãos de
investigação, prova lícita e firme para condenar e foge do maniqueísmo que
divide as pessoas entre “homens de bem” e “bandidos”.
É
o magistrado que trata acusação e defesa com a mesma distância e respeito, sem
dar privilégio ou segredar com qualquer delas. É também o juiz que não tem ódio
do réu, que não se serve da pena para impor maior sofrimento do que aquele
previsto em lei ao sentenciado e que não divulga informação sigilosa para a
imprensa, a fim de prejudicar o réu.
Em
suma, é um juiz humano, equilibrado e circunspecto, que não supre as falhas da
acusação, que é, portanto e acima de tudo, imparcial.
Jurisdição
é uma palavra originada do latim que vem da junção de juris, “direito”, e
dicere, “dizer”, isto é, significa “dizer o direito”, poder que detém o Estado
para aplicar a lei a uma causa, resolvendo o conflito.
Independência
funcional é um poder-dever de cada juiz, de interpretar a lei segundo as regras
de interpretação, sem a intervenção ou limitação de terceiros.
Trata-se
da atividade intelectual de olhar para o texto legal e obter dele seu sentido e
alcance, a resposta de como resolver uma causa, em uma linguagem bastante
acessível.
O
que buscam os procuradores?
A
respeito do processo urdido contra mim por esse setor do MPF, que não demonstra
ter apreço pela independência judicial, gostaria de dizer que tenho enorme
confiança no Poder Judiciário e no meu Tribunal.
Estou
certo de que os desembargadores, ao tomarem pé do absurdo que é essa
representação, me absolverão. Aliás, alguns já farejaram a iniquidade da
acusação e votaram contundentemente contra a abertura do processo.
Todos
os votos contra a abertura do procedimento foram maravilhosos, mas dou especial
destaque aos votos de dois magistrados muito antigos no tribunal, um deles é o
segundo mais antigo e já foi corregedor, o desembargador Baptista Pereira, e o
desembargador Peixoto Junior.
A
contundência dos votos deles em defesa do estado de direito e da independência
judicial chegou a me emocionar e, além disso, deixaram claro que essa luta não
é apenas minha, é de quem acredita na democracia, no estado de direito e na
independência judicial.
Em
14/12/18 foi inaugurada no Fórum federal de Itapeva/SP, a Galeria Menina
Camponesa. Como foi a idealização desse projeto que inclui a instalação, no
Fórum, de uma galeria fotográfica em homenagem à menina camponesa?
Foram
as características particulares dos Municípios que formam a 39ª Subseção
Judiciária de Itapeva que deram origem à curiosidade inicial, e culminaram com
a instalação da Galeria Fotográfica da Menina Camponesa.
Composta
por vinte e três municípios, a 39ª Subseção Judiciária tem sede no município de
Itapeva, localizado no sudoeste paulista, que é o segundo maior município do
Estado de São Paulo em extensão territorial.
Em
razão de seu tamanho e de sua vocação rural, o município de Itapeva possui
diversos bairros rurais, alguns, inclusive, distando até 50 km da cidade, como
é o caso dos bairros de Amarela Velha e Cercadinho.
Além
dos bairros rurais, o município de Itapeva tem também duas Agrovilas, distantes
aproximadamente 30 km da cidade, e o Quilombo do Jaó, a 8 km do centro da
cidade.
E
não é só, há mais três quilombos na jurisdição da Subseção Judiciária, nos
municípios de Apiaí, Itaoca e Ribeirão Grande, bem como três aldeias indígenas,
em Itaporanga e Barão de Antonina. No Município de Itaberá há mais quatro
Agrovilas.
Foi
diante dessa riqueza cultural que os servidores da Justiça Federal de Itapeva,
juntamente com o juiz Edevaldo de Medeiros, resolveram fazer uma primeira
visita às escolas municipais rurais, Therezinha de Moura e Franco Montoro, que
funcionam em duas das Agrovilas referidas.
Durante
a visitação, entretanto, percebeu-se que havia uma distância, não somente
física, mas social a ser superada, de modo que as escolas foram convidadas a
visitar a Justiça Federal.
Há
previsão de nova atividade para o ano em curso? Qual a proposta?
Sim.
Neste ano, provavelmente no dia 10 ou 11 de dezembro, pretendemos comemorar os
10 anos da Justiça Federal de Itapeva.
Nossos
convidados serão os de sempre: quilombolas, indígenas, assentados, camponeses
em geral, amigos da umbanda, católicos, protestantes, do rap, autoridades e
quem mais quiser celebrar a democracia e a fraternidade sincera.
O
jornalista e escritor Fernando Morais ficou me devendo uma visita no ano
passado. Quem sabe neste ano ele pague a dívida? (rss)
Como
vê o crescente retorno da censura prévia a jornalistas, advogados e juízes
progressistas?
Temos
visto, lamentavelmente, o recrudescimento da censura, por vários modos, contra
esses profissionais que você referiu.
A
pretexto de aplicar a lei, certos grupos têm perseguido quem não concorda com
as suas ideias autoritárias, propondo inclusive processos e penalidades.
Na
magistratura tem sido assim.
O
que se observa é que não há nenhuma coerência nessas tentativas de punição.
Veja,
por exemplo, a série de fatos graves praticados pelo juiz-político, hoje no
Ministério da Justiça, alguns que até poderiam configurar crime, mas ele sequer
foi processado administrativamente.
O
mesmo tipo de perseguição contra juízes progressistas se verifica em relação a
promotores de vanguarda também.
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