Escola
contemporânea tornou-se competitiva e meritocrática. Quer a pressa, a pressão
permanente. Não suporta a dúvida, nem a singularidade. Contra esta máquina
domesticadora, surgem as pedagogias lentas, reflexivas e pós-capitalistas
–
Eu tenho agora meu próprio ritmo – respondeu Franklin
–
também reprovo mais do que antes o que é apressado
(Sten
Nadolny)
O
livro A descoberta da lentidão, do romancista alemão Sten Nadolny, traz como
centro a história do navegador e pesquisador John Franklin que realizou missões
de exploração no Ártico em meados do século XIX. O personagem era caracterizado
por sua dificuldade em aprender na escola devido a sua lentidão. Entretanto,
quando conseguia desenvolver alguma aprendizagem a realizava com profundidade,
encontrando detalhes e percebendo nuances não verificadas pela maioria das
pessoas. A sua percepção dos detalhes, com calma e apreço pela atividade
desenvolvida, conduziu-o ao mar. Como navegador, explorador do Polo Norte,
Franklin descobriu a lentidão e permitiu-se, na bela narrativa literária,
assumir outros modos de pensamento.
Uma
das circunstâncias narradas no livro de Nadolny diz respeito ao encontro do
navegador com Charles Babbage, um inventor da Londres do século XIX. Babbage
apresentou a Franklin sua gigantesca máquina de calcular que trabalhava
ininterruptamente produzindo tábuas de algoritmos e tabelas náuticas. O
inventor descrevia seus novos conhecimentos enquanto Franklin o interrompia
para compreender seu raciocínio. Após um determinado período, o navegador o
interrompe estabelecendo o diálogo abaixo.
Quando Franklin compreendia alguma coisa
meditava sobre o assunto com suas próprias ideias.
– Não. A máquina tem limites – disse ele
para irritação do inventor. – Ela só pode calcular aquilo que é encontrável com
as perguntas dirigidas, portanto as respostas “sim” ou “não”.
Ele contou a respeito dos esquimós e da
impossibilidade de se aprender alguma coisa de novo através de perguntas
alternativas.
– Sua máquina não pode se espantar e não
pode cair em confusão, portanto também não pode descobrir nada de estranho. O
senhor conhece o pintor Willian Westall? – Babbage nem ouvira a pergunta.
– Para um homem do mar o senhor pensa
extraordinariamente rápido! – disse ele com voz abafada.
– Não, eu penso com esforço – respondeu
Franklin – mas nunca interrompo o pensamento. O senhor conhece muito pouco a
gente do mar (STEN, 1990, p. 229).
Tomando
esta trama literária como contraponto desta reflexão podemos considerar que nos
processos contemporâneos de escolarização há pouco espaço para a dúvida, para a
controvérsia e para a lentidão. A cultura do novo capitalismo, bem descrita por
Richard Sennett, conduziu-nos a uma centralidade do curto prazo. Mais que isso,
a meritocracia – e todos os demais modelos de estratificação das performances –
converteram-se nos arranjos institucionais predominantes, condição esta que a
escola contribuiu para difundir. A produção de práticas curriculares na
atualidade, especialmente nos espaços formativos destinados às juventudes, tem
sido caracterizada por uma pressão permanente, qual seja: potencializar o desempenho
acadêmico em exames de larga escala e intensificar a capacidade inovadora dos
professores e das instituições. Tanto nas redes públicas, quanto nas redes
privadas, os currículos escolares são impulsionados a produzir excelência
acadêmica por meio do uso de métodos inovadores. Em minha percepção, esta dupla
racionalidade pedagógica – de maneira compulsória – impõe aos profissionais da
educação a responsabilidade de responder apressadamente a este duplo
imperativo. Isto é, em comum entre a pressão por desempenho e a compulsão por
inovar podemos reconhecer a impaciência na obtenção de resultados.
Para
aqueles que cotidianamente experimentam suas existências nas escolas
brasileiras, uma nova gramática é colocada em ação. Velocidade, agilidade,
presteza, celeridade e rapidez (e a palavra da moda: assertividade) tornam-se
imperativos para as mudanças educativas em tempos de capitalismo impaciente.
Uma lógica urgentista e pragmática – com foco na rentabilidade máxima – tende a
direcionar os sentidos dos fazeres escolares de nosso tempo. Como sugeri na
obra Customização curricular no Ensino Médio, com o advento do neoliberalismo
(e os sistemas explicativos que dele se derivam) as escolas têm sido
interpeladas a privilegiar performances customizadas e a operar em alta
rotação.
Todavia,
a formação humana ocorre em tempos e espaços diferenciados – como a metáfora
proposta por Nadolny nos sugere –, por pessoas singulares e que reagem de modos
distintos às experiências e saberes ofertados pela escola. Em tais condições,
esboça-se internacionalmente uma defesa das pedagogias lentas – uma apologia a
um movimento de “slow school experiencie”. Duas características merecem
destaque neste momento. A primeira delas é o reconhecimento de que a educação é
uma atividade lenta, conforme apregoa Joan Domènech. Com isso, precisamos
sinalizar que o tempo precisa ser devolvido para a infância e a adolescência,
assim como é oportuno lembrar que uma educação lenta é parte central de um
trabalho de efetiva inovação educativa. A segunda característica, extraída do
diálogo com Nuccio Ordine, trata-se de uma resistência ao utilitarismo hoje
predominante. Afastando-se da lógica da mercadoria, consideramos prudente
seguir ensinando aquilo que, por muitos, é tomado como “inútil”. Explica o filósofo
italiano que os saberes que não têm uma finalidade em si mesmos “podem
desempenhar um papel fundamental no cultivo do espírito e no crescimento civil
e cultural da humanidade”. Pela interlocução com a obra de Sten Nadolny,
gostaria de acrescentar: construir uma educação pós-capitalista passa pela
redescoberta da lentidão!
Referências:
SILVA, Roberto
Rafael Dias da. Customização curricular no Ensino Médio: elementos para uma
crítica pedagógica. São Paulo: Cortez, 2019.
STEN, Nadolny. A
descoberta da lentidão. Rio de Janeiro: Rocco, 1990.
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