Os contratos-padrão de planos de saúde são coletivos e de
adesão, o que, muitas vezes, senão, em quase sua totalidade, impõem ao
consumidor obrigações desproporcionais, não se podendo falar em mitigação das
disposições da Legislação Consumerista. Ressalte-se, outrossim, a necessidade
de equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores e igualdade nas
contratações, ensejando, uma vez constatado o desequilíbrio contratual
(situação de vantagem exagerada ou incompatível com a boa-fé ou a equidade), a concessão
da tutela necessária e adequada à proteção dos direitos estabelecidos pelo
Código de Defesa do Consumidor; e do art. 122 do Código Civil, que veda as
disposições contratuais que sujeitem o negócio jurídico ao arbítrio de uma das
partes – dispositivo esse aplicável à espécie, nos termos do art. 2º, § 2º, da
LINDB e do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor:
Importante ressaltar que o Colendo Superior Tribunal de
Justiça já apreciou a questão relativa à incidência do Código de Defesa do
Consumidor nas relações entre pessoas jurídicas, concluindo que o que deve
nortear a aplicação da norma ao caso concreto é a vulnerabilidade da pessoa
contratante, de modo a preservar o ideal de garantia de igualdade material
entre fornecedores e consumidores[1].
Ora, como é de conhecimento geral, escasseiam os planos de
saúde individuais, interessando-se as operadoras de planos de saúde e de seguro
saúde mais pelos planos coletivos, que melhor lhes permitem a adequação em
massa dos contratos aos seus interesses. Nesse contexto, subtrair os contratos
coletivos ao alcance do CDC, ou mesmo mitigar a proteção consumerista a esses
contratos, ao argumento de se tratar de contratação entre “pessoas jurídicas”,
significa, na prática, excluir da proteção legal milhões de consumidores.
Não se pode perder de vista que o contrato de prestação de
serviço de assistência médico-hospitalar (plano de saúde ou seguro-saúde) não é
um contrato qualquer. Submete-se o consumidor, antes da aceitação pelo
fornecedor, a declaração de saúde; não raro, a inspeção de saúde; e ao
cumprimento de carências diversas, e agravos. Por isso, se existe uma
possibilidade de aumento drástico do preço, ele deve estar rigorosamente
informado sobre quanto e quando, para que tome a decisão mais adequada a seu
interesse, a tempo e modo, de sorte a não ficar desassistido.
Uma vez assentada, na hipótese, a plena incidência do CDC
aos planos e seguro de saúde, discute-se a validade ou não do reajuste em razão
da faixa etária.
Em relação à matéria em tela, o Superior Tribunal de
Justiça, em regime de recursos repetitivos, apreciou a questão, em 14/12/2016,
no julgamento do Recurso Especial nº 1.568.244 RJ, de relatoria do Ministro
Ricardo Villas Bôas Cueva, nos seguintes termos:
“RECURSO
ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CLÁUSULA DE REAJUSTE
DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO.
PERCENTUAL DE REAJUSTE. DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS. ABUSIVIDADE. NÃO
CARACTERIZAÇÃO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL DO CONTRATO.
1. A variação
das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em
razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara,
bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes,
sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998).
2. A cláusula de
aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do
beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e
na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de
riscos.
3. Os gastos de
tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que
os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente
em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de
saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto
os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os
seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.
4. Para que as
contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas,
o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade
intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos
custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados
(mecanismo do community rating modificado).
5. As mensalidades
dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser
majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para
eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde suplementar em virtude
do fenômeno da seleção adversa (ou antisseleção).
6. A norma do
art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003, que veda "a discriminação do idoso
nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da
idade", apenas inibe o reajuste que consubstanciar discriminação
desproporcional ao idoso, ou seja, aquele sem pertinência alguma com o
incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato.
7. Para evitar
abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias
dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a
expressa previsão contratual; (ii) não serem aplicados índices de reajuste
desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto
confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial
proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para
esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua
permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos
governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é,
aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº
9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à
abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e,
quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001
da ANS. b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999
e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU nº
6/1998, a qual determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite
de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não
poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17
anos), não podendo também a variação de valor na contraprestação atingir o
usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos. c)
Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da
RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas
etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária
não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da
variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à
variação cumulada entre a primeira e sétima faixas.
8. A abusividade
dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova
faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada
caso concreto. Tal reajuste será adequado e razoável sempre que o percentual de
majoração for justificado atuarialmente, a permitir a continuidade contratual
tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência do próprio fundo
mútuo e da operadora, que visa comumente o lucro, o qual não pode ser
predatório, haja vista a natureza da atividade econômica explorada: serviço
público impróprio ou atividade privada regulamentada, complementar, no caso, ao
Serviço Único de Saúde (SUS), de responsabilidade do Estado.
9. Se for
reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde
em virtude da alteração de faixa etária do usuário, para não haver
desequilíbrio contratual, faz-se necessária, nos termos do art. 51, § 2º, do
CDC, a apuração de percentual adequado e razoável de majoração da mensalidade
em virtude da inserção do consumidor na nova faixa de risco, o que deverá ser
feito por meio de cálculos atuariais na fase de cumprimento de sentença. 10.
TESE para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: O reajuste de mensalidade de plano
de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do
beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam
observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii)
não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente
e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o
idoso.
11. CASO
CONCRETO: Não restou configurada nenhuma política de preços desmedidos ou
tentativa de formação, pela operadora, de "cláusula de barreira" com
o intuito de afastar a usuária quase idosa da relação contratual ou do plano de
saúde por impossibilidade financeira. Longe disso, não ficou patente a
onerosidade excessiva ou discriminatória, sendo, portanto, idôneos o percentual
de reajuste e o aumento da mensalidade fundados na mudança de faixa etária da
autora.
12. Recurso
especial não provido”
Conforme entendimento do STJ, portanto, não há abusividade
nos reajustes em razão de aumento de faixa etária, desde que observados e
respeitados alguns requisitos.
Outrossim, cumpre destacar a Resolução do Conselho de
Saúde Suplementar – CONSU nº 06, de 3 de novembro de 1998, com a redação dada
pela Resolução CONSU nº 15/1999, a qual, no seu artigo 1º, estatui que “para
efeito do disposto no artigo 15 da Lei nº 9.656/98, as variações das contraprestações
pecuniárias em razão da idade do usuário e de seus dependentes,
obrigatoriamente, deverão ser estabelecidas nos contratos de planos ou seguros
privados a assistência à saúde, observando-se as 07 (sete) faixas etárias
discriminadas abaixo: I – 0 (zero) a 17 (dezessete) anos de idade; II – 18
(dezoito) a 29 (vinte e nove anos) anos de idade; III – 30 (trinta) a 39
(trinta e nove) anos de idade: IV – 40 (quarenta) a 49 (quarenta e nove) anos
de idade; V – 50 (cinquenta) a 59 (cinquenta e nove) anos de idade; VI – 60
(sessenta) a 69 (sessenta e nove) anos de idade; VII – 70 (setenta) anos de
idade ou mais.
Outrossim, o parágrafo 1º do artigo 2º da referida
Resolução CONSU 15/99 estabeleceu que “a variação do valor na contraprestação
pecuniária não poderá atingir o usuário com mais de 60 (sessenta) anos de
idade, que participa de um plano ou seguro há mais de 10 (dez) anos, conforme
estabelecido na Lei nº 9.656/98.
Ademais, deve-se observar a regra geral, de acordo com a
qual “o reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar
fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja
previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos
governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais
desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea,
onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”.
Nesse passo, o reajuste aplicado após a faixa de sessenta
anos contraria a expressa vedação contida no artigo 15, parágrafo 3º do
Estatuto do Idoso, que dispõe que “é vedada a discriminação do idoso nos planos
de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.
Nesta mesma direção, o Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo editou a Súmula 91: “ainda que a avença tenha sido firmada antes da
sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, § 3º, do Estatuto
do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa
etária”.
Ademais, este Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu:
“Plano de Saúde.
Sul América. Ação revisional de contrato. Aplicação do Estatuto do Idoso,
independentemente de o contrato ser firmado anteriormente. Posicionamento do E.
STJ e inteligência da Súmula nº 91 deste E. Tribunal. Vedação ao aumento por
faixa etária, nos termos do parágrafo único do artigo 15 da Lei nº 9.656/98.
Prescrição decenal, considerando lacuna na Lei nº 7.347/85 e no CDC”[2].
“Apelação. Plano
de Saúde. Declaratória de Nulidade de Cláusulas Contratuais c.c. Devolução de
Valores Pagos. Reajustes reputados abusivos pelo autor. Reajustes em razão de
mudança de faixa etária. Beneficiário com idade superior a 60 anos. Procedência
da ação. Preliminar de prescrição. Aplicação do art. 205 do C.C. e não da
prescrição ânua do art. 206, § 1º, II, alínea b do mesmo diploma. Preliminar
rejeitada. Mérito. Aumento de mensalidade a partir dos 60 anos, após o advento
do Estatuto do Idoso. Impossibilidade. Abusividade de cláusulas bem apreciada.
Contrato firmado antes das Leis 9.656/98 e 10.741/03, mas que deve observar
seus ditames (Súmula 91 e 100 do TJSP). Aplicação do CDC aos contratos de plano
de saúde (súmula 469 do STJ) que impõe proteção aos consumidores e aos idosos,
ante sua vulnerabilidade. Aumento abusivo por força do CDC. (regras do CDC que
encerram questão de ordem pública). Impossibilidade de se transigir.
Restituição de todas as prestações pagas indevidamente nos termos da sentença.
Recurso improvido”[3].
Assim sendo, é nula a cláusula contratual em plano ou
seguro de saúde, que estipula o reajuste da prestação, em razão do aumento de
faixa etária após 60 (sessenta) anos, cabendo ao consumidor a restituição dos
valores pagos a maior, de forma simples, observada a prescrição trienal.
[1]STJ, REsp nº
1.195.642 – RJ (2010/0094391-6), Relatora: Ministra: Nancy Andrighi,
Recorrente: Empresa Brasileira de Telecomunicações, j. em 13.11.2012.
[2]TJSP, Apelação nº
0008371-66.2013.8.26.0011, Rel. Des. Henrique Nelson Calandra, 7ª Câmara de Direito
Privado, j. 09/04/2014.
[3]TJSP, Apelação nº
0011598-67.2013; Relator(a): Silvério da Silva; Comarca: São Paulo; Órgão
julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 29/10/2015; Data de
registro: 29/10/2015.
Maria Fátima Vaquero
Ramalho Leyser é procuradora de Justiça (MP-SP) e associada do Movimento do
Ministério Público Democrático.
Revista Consultor Jurídico
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