A
história que contaremos é a do alemão Jürgen Stroop, um protótipo dos
recalcados, desajustados, inúteis tanto para o trabalho manual quanto para o
intelectual ou científico, que cultivavam a inveja e o ódio para com todos os
demais seres humanos. E ele era um Ninguém!
No
pós Primeira Guerra Mundial, a Alemanha derrotada, com a economia asfixiada
pelo tratado Versalhes, se enchera de revoltados e descontentes, muitos dos
quais gastavam suas energias contra um mundo que eles eram incapazes de
compreender e de enfrentar. De tal modo que os anos 1920 viram surgir uma
geração de pessoas obscuras e insignificantes, verdadeiros Ninguéns.
Os
Ninguéns nunca eram responsáveis por suas dificuldades, mas vítimas de uma
conspiração do mundo contra os alemães. E à frente deste mundo que os tolhia os
Ninguéns enxergavam os judeus e seus negócios, os intelectuais e suas ideias,
os comunistas, os socialistas e os democratas!
Até
que surgiu na figura de Adolf Hitler, um líder carismático que os comandasse.
Com o pouco que possuíam de personalidade e de compreensão da vida, entenderam
que a única forma de sucesso para eles possível e e, quem sabe, ser Alguém eram
moldarem sua sorte a do Nazismo.
E
os Ninguéns se tornaram Nazistas!
Princípio
dos anos 1930. Um novo status, e o uniforme marrom da primeira Milícia Nazista!
Tudo o que eles tinham a fazer era exercer a força bruta, o mesmo tipo que já
utilizavam nas esquinas, nos bares e em família. As forças da ordem e o
Exército Alemão os acobertavam, fingiam que não os viam, quando não se
incorporavam aos milicianos nas horas vagas.
Instintivamente,
os Ninguéns também entenderam a única regra para o sucesso: a obediência
absoluta! E como a moralidade não constituía problema algum, tudo se resumia à
disciplina, às armas e à força bruta.
E
as tropas nazistas acolheram malandros, bandidos, policiais fracassados e
corruptos, militares decaídos, bêbados e drogados e os transformaram em heróis.
Em troca, eles lhes deram absoluta obediência sem escrúpulos, remorsos ou
conflitos de consciência, quer quando deveriam assassinar presuntivos ou reais
inimigos do Partido, quer quando fosse o caso de destruir um comércio, uma
Sinagoga, ou incendiarem o Parlamento.
E
os nazistas fizeram o que Hitler prometera desde que se metera na política. A
Alemanha quer pela expropriação das propriedades judaicas, quer pela exploração
sem tréguas do trabalho escravo pelos grandes industriais, tornou-se poderosa e
temida, tanto em termos bélicos quanto econômicos.
Jürgen
Stroop, nascido Joseph, não desejava passar a vida num banco de sapateiro como
seu pai, profissão que acumulava com a de “ganso” de polícia. Acontece que o
jovem Stroop não era bom para coisa alguma. Sem nem ao menos concluir o curso
elementar já era um desocupado, que vivia de pequenos furtos e empreitadas,
tinha duas mulheres e três filhos, um dos quais viria a falecer vítima de
violência doméstica.
E
Jürgen Stroop juntou-se aos nazistas e, no processo, aprendeu muitas lições.
Uma das mais importantes: os intelectuais, os democratas e os judeus eram
“homens fracos”. Esposavam ideias nobres sobre as quais ele pouco entendia, mas
que por elas não estavam dispostos a morrer. Logo, eram supérfluos e covardes. E
ele poderia governá-los aterrorizando-os ou assassinando os mais resistentes.
Sobre
os instrumentos de propaganda nazista, Stroop aprendeu que uma mentira repetida
mil vezes, até mesmo para aqueles que sabiam que se tratava apenas de uma
mentira, faria com que ela se transformasse em verdade.
E
que a primorosa distorção dos fatos, era um excelente gerador das meias
verdades. Que para a maioria das pessoas a verdade consiste apenas aquilo no
que as pessoas querem crer, nada mais.
Enquanto
participara das turbas da milícia nazista, a SA, a tropa de choque que
aterrorizava as ruas de Munique, aprendeu que a prática de cada ato de
violência sempre contava com a apatia dos homens livres. E isto lhe trazia a
satisfação do cheiro do sangue vertido e Stroop descobriu que este cheiro
viciava.
Uma
vez desencadeada a Segunda Guerra de 1939, um dos primeiros países invadidos e
o que por mais tempo foi ocupado pelos nazistas foi a Polônia, e o povo
polonês, como anteriormente o próprio povo alemão, foi levado a compreender que
“reserva” era a nova nomenclatura de gueto; que “despojo legítimo de guerra”
eram os bens roubados ou confiscados aos judeus e aos inimigos políticos; que
“contaminado” era o nome da propriedade a ser confiscada; “medidas sanitárias”
significavam execuções em massa; que “abatido quando tentava escapar” era
sinônimo de assassinato sob tortura na prisão; “reinstalação”, era confisco de
propriedades; “trabalho voluntário”, igual a trabalho escravo; “sub-humanos”
designava os judeus, os ciganos, presos políticos e homossexuais ( exceto os
arianos); “mestiçagem” requeria execução para evitar a mistura de sangue
sub-humano com o ariano; que “comunistas, especulador, belicista” era um
cognome para judeus e que “dispensa de tratamento especial”, simbolizava o
extermínio.
E
Heinrich Himmler, o segundo em comando da Alemanha, entregou a Stroop, agora um
general SS-Gruppenführer , o comando das SS e da polícia na cidade de Varsóvia.
E ele comandou a repressão ao Levante do Gueto de Varsóvia, quando milhares de
judeus poloneses se insurgiram de armas na mão contra as condições de fome,
opressão e lento extermínio em que viviam.
A
heroica luta judaica se estenderia por três meses! Esta foi uma epopeia da luta
do homem por liberdade e dignidade. Um exército de algumas centenas de
combatentes, sob o comando do ex-oficial do Exército Polonês Mordechaj
Anielewicz, utilizando armas improvisadas, excetos aquelas tomadas ao próprio
inimigo, fez frente e resistiu à mais poderosa potência militar que o mundo já
conheceu.
Após
o genocídio completado, Stroop foi transferido para a Grécia como comandante SS
e chefe de polícia; no entanto, seus métodos eram tão violentos que a
administração local pró-nazista o recusou e ele foi transferido para a área do
Reno, onde ficou até o final da guerra.
Stroop
foi preso pelos Aliados e transferido de volta para a Polônia, onde foi julgado
e condenado como genocida e criminoso de guerra, sendo executado em Varsóvia em
1952.
Entretanto,
enquanto esperava a execução na prisão, Stroop foi ironicamente colocado na
mesma cela do corredor da morte em que estava Kazimierz Moczarski , jornalista
e ex-combatente da resistência polonesa, que sobrevivera à guerra e que agora
era prisioneiro político do governo comunista da Polônia. Os stalinistas
acusavam falsamente Moczarski de ser colaborador nazista, e também o haviam
condenado à morte.
Aquilo
formatou um clima em que Stroop, que se negara a abrir a boca tanto durante a
instrução e julgamento, relaxasse na presença do companheiro de corredor da
morte, e tudo relatasse, sem subterfúgios ou meias palavras.
Ora,
foi a partir das conversas entre os dois que Moczarski, dono de uma incrível
memória, escreveria seis anos após o livro Conversas com um Carrasco
("Rozmowy z katem"). Foi este livro que nos permitiu esse relato,
assim com o amplo conhecimento sócio-político dos Ninguéns tornados Assassinos
de Estado.
Moczarski
teve sua condenação à morte suspensa, mas permaneceu preso até o final do
terror stalinista (1955), sendo novamente julgado e declarado inocente e
reabilitado. Seu livro, entretanto, só foi liberado para publicação em 1976.
Quantas
lições nos traz a história! Quantos Ninguéns assumiram e assumirão postos
estratégicos na nossa República!
E
cada vez se torna mais evidente de que somente poderemos enfrentar qualquer
tipo de autoritarismo e de totalitarismo se criarmos uma nova ética
arquetípica: a de que a vida humana deve ser tratada como sagrada!
Carlos
Russo Jr.
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