Diante
do ataque à produtora do Porta dos Fundos na véspera do Natal e do vídeo de
supostos neo-integralistas reivindicando a autoria do atentado, é necessário
esclarecer de onde vem e o que é, afinal, o integralismo e o neo-integralismo.
Leandro Pereira Gonçalves, professor do departamento de História da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e autor do livro “Plínio Salgado:
um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)”, esclareceu em
entrevista à Fórum alguns pontos básicos acerca do tema.
Confira a íntegra.
Sobre
esse ressurgimento dos grupos integralistas: esse “neo” significa um resgate de
valores já defendidos ou há várias correntes?
Academicamente,
quando falamos em neo-integralismo, estamos denominando todas as tentativas de
organizações do movimento após a morte do Plínio Salgado em 1975. O líder
máximo, Plínio Salgado, era a síntese do movimento, que começa nos anos 30 e
continua em décadas posteriores em outras organizações partidárias. Com a morte
do chefe, os militantes ficam sem uma referência e passam a buscar diversas
possibilidades para reestruturar o integralismo. São várias experiências desde
os anos 80 até os grupos contemporâneos, portanto, chamamos de “neo” – essas
organizações e movimentos, que vem após a morte do Plínio Salgado. Mas destaco
que os grupos não aceitam essa caracterização. Eles se denominam como
integralistas, pois dizem que o movimento não “morreu” para “renascer”.
E
em relação às correntes e valores: há uma miscelânea muito grande. Há vários
tipos, alguns mais radicais outros mais conservadores. Certamente, há muitos
militantes que não concordam com a ação divulgada ontem, mas muitos apoiam de
forma total.
E
eles sempre estiveram “vivos” mesmo? Onde se encontram esses grupos, há algum
estado específico onde eles se proliferam?
Entre
os anos de 1975 (morte do Plínio) e 1988, os antigos militantes atuaram
principalmente na publicação de artigos em defesa do movimento, tanto é que em
1981 foi fundada a Casa de Plínio Salgado, com o objetivo de preservar a
memória do Plínio Salgado (que existe até hoje em uma sala no centro de São
Paulo).
Em
1983, o ex-militante do PRP paulista, Anésio Lara Campos Júnior (meio irmão do
Eduardo Suplicy), registrou a Ação Nacionalista Brasileira, porém sem
continuidade ou aderência expressiva. Em 1985, Anésio promoveu outra tentativa
de reestruturação ao criar uma nova Ação Integralista Brasileira, tornando-se o
primeiro presidente.
Durante
o decorrer da década de 1980 os conflitos entre os “herdeiros” se acentuaram.
De um lado, liderados pela viúva do chefe, D. Carmela Salgado, estavam aqueles
que não concordavam com o que consideravam “usurpação” da legenda da AIB por
Anésio e, de outro, o então presidente que se recusava a abrir mão da
liderança.
Nessa
ocasião, tentaram reorganizar o integralismo através dos Centros Culturais que
reuniam alguns grupos nacionalistas, mas não necessariamente seguidores diretos
do integralismo. Alguns deles pertenciam ao movimento “carecas” do Rio de
Janeiro e do ABC em São Paulo. A relação entre os “carecas” e o integralismo
ocorreu através de Anésio Lara Campos Júnior, que os acolheu na recém-fundada
AIB.
Entendo
que nesse momento o integralismo ganhou outra conotação, pois defensores de
outros elementos políticos, além do integralismo, passaram a utilizar a
simbologia, algo que é visto atualmente com os diversos grupelhos que se
denominam de integralistas.
No
século XXI eles tentaram uma reorganização principalmente a partir de 2004,
quando reuniram-se os grupos dispersos que tentavam dar uma unidade ao
integralismo através do Iº Congresso Integralista para o Século XXI, mas que
não foi muito bem sucedido, pois as ramificações continuaram, marca dos
diversos grupos que hoje existem.
Devido
as redes sociais, eles estão presentes em todo o Brasil, mas vejo que Rio de
Janeiro e São Paulo tem uma maior expressão.
Você
acha que a recente cobertura da mídia de pequenas manifestações desses grupos
tenha incitado outros grupos neo-integralistas, não necessariamente alinhados
aos que apareceram, a se manifestarem?
No
dia 16 de dezembro eu fiz uma postagem no twitter, quando divulguei a
reportagem do Estadão comentando superficialmente algo a respeito. Copio
abaixo:
O
Integralismo está na mídia! Nos últimos dias uma série de matérias
jornalísticas foram publicadas sobre o integralismo brasileiro, seja na busca
de relações analíticas com a contemporaneidade ou com o propósito de refletir
sobre o passado da extrema-direita brasileira. [1]
Para
o pesquisador do integralismo é muito bom, pois o seu objeto está cada vez mais
em evidência e mostra a relevância de um tema que foi visto como periférico e
marginalizado na historiografia. [2]
Mas,
ao mesmo tempo, contribui para dar voz aos grupelhos que hoje não possuem voz
alguma, encorajando muitos jovens a gritar o Anauê! [3]
Por
muitos anos, o integralismo e o estudo da direita foram marginalizados pela
historiografia. Lembro de uma edição especial, em dezembro de 2005 da saudosa
revista Caros Amigos, com um dossiê voltado para o estudo da direita. A
justificativa emitida pela redação, ao analisar a necessidade de conhecer e
estudar o tema, foi justificada pela necessidade de conhecimento do
conservadorismo brasileiro: “A direita brasileira é uma das mais espertas do
mundo, porque entregou a pesquisa universitária à esquerda, para que esta
estudasse os movimentos populares e assim ela ficaria bem informada – enquanto
praticamente não há quem estude a própria direita e as elites em geral”.
E
é isso mesmo. Por anos, a universidade estudou, financiou e incentivou apenas o
estudo da esquerda, no que tange a História Política, deixando a direita em um
espaço de desconhecimento (e associando quem estuda a direita como um defensor
do espectro). Quantas vezes eu não fui questionado se não era integralista por
estudar o integralismo?!?
Nos
anos 70 o Florestan Fernandes escreveu: “Hoje está na moda dizer-se que se deve
estudar o integralismo. Não compartilho dessa opinião.” Entendo as palavras do
sociólogo, mas não concordo, pois é preciso dar voz e conhecer aqueles que
assumem uma posição de força e opressão, entretanto, quando a mídia trata o
tema, um lado sensacionalista e caricaturado é muitas vezes estabelecido.
Como
disse, em hipótese alguma, acho que deva ser um objeto de pesquisa ignorado,
mas quando o tema sai dos muros acadêmicos, para o público geral, deve ser
tratado com cautela. Sei que o leitor tem curiosidade em saber quem são, onde
vivem… Mas acho que as falas públicas dos militantes deveriam ser mais dosadas,
ao contrário do pesquisador. Participei recentemente de algumas excelentes
reportagens na Folha de São Paulo, com algumas jornalistas excelentes. O
Estadão fez uma matéria muito boa com o meu colega de departamento da UFJF,
Odilon Caldeira, entretanto, sinto que, em troca de likes, em alguns momento, a
voz do militante ecoa mais que a voz do pesquisador.
Você
acha que poderia haver um movimento maior de repressão à esquerda depois do
ato, ainda que eles estejam, de certa forma, alinhados ideologicamente com o
governo fascista?
Ontem
mesmo quando o vídeo foi divulgado eu pensei nisso… Creio que, dependendo dos
rumos das investigações, o governo pode, sim, endurecer e aplicar a lei anti-terror…
Mas ainda acho cedo, porque o principal no momento é identificar a veracidade
do vídeo, dos autores e dos elementos que estão por trás do ato.
Os
integralistas sempre foram alinhados com os católicos. Você acha que poderia
existir um braço evangélico neo-integralista?
O
integralismo tem a defesa do cristianismo e não só o catolicismo. Aqui em Juiz
de Fora mesmo, o integralismo nos anos 30 foi fundado dentro da Igreja
Metodista. No Rio Grande do Sul, a base foi o Luteranismo. Tinham espíritas kardecistas
no movimento dos anos 30, mas obviamente, a base central foi o catolicismo,
devido a liderança e discurso do Plínio Salgado, que era um homem muito
católico. A defesa gira em torno dos elementos católicos (inclusive no passado
alguns neo-integralistas ensaiaram uma aproximação com a TFP, nitidamente
católica), mas nada impede um protestante ser integralista
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