A gestão de Artur Bernardes à frente do Governo Federal
foi marcada por uma permanente instabilidade política, crise econômica,
revoltas dos trabalhadores e de parcela das forças armadas. Representante do
agronegócio governou o país sobre estado de sítio, em detrimento dos direitos e
das liberdades individuais.
Bernardes criou o Departamento de Ordem Política e Social
em 1924, cujo objetivo era censurar e reprimir movimentos políticos e sociais
contrários ao regime no poder. Como
DEOPS, este órgão repressor se manterá ativo até a redemocratização do
Brasil, em 1983.
No entanto, é graças a seus arquivos que pudemos não
somente reconstruir a intolerância e a repressão que foi a tônica do século
passado, mas também a resistência de intelectuais, de trabalhadores e de
estudantes às injustiças sociais e à repressão política.
E parcela importante de seu acervo são dezenas de milhares
de exemplares de jornais apreendidos!
Nosso ensaio falará especificamente de dois Jornais
Alternativos, que sobreviveram durante meio século, entre os anos 1901 e 1951,
graças ao denodo de homens que enfrentaram a pobreza, a cadeia e a tortura e
que não podem ser esquecidos.
“A LANTERNA”
Surgiu em janeiro de 1901 como um porta-voz das ligas
anarquistas e anticlericais do Estado de São Paulo. Dirigido pelo abnegado
Benjamin Mota, teve uma tiragem inicial de 10.000 exemplares, um projeto
gráfico primoroso impresso em quatro páginas! Seu primeiro editorial lançava a
questão: “Somos apenas um punhado de homens? Que importa, amanhã seremos
legiões, quando todos os que sabem o quanto o clericalismo é prejudicial ao
Brasil, quanto o jesuitismo é nefasto, quanto o beatismo empobrece os povos,
quanto o falso cristianismo é lesivo ao nosso povo, e decidirem engrossar
nossas fileiras.”
Em 1904, quando falece Benjamin, “A Lanterna” estava em
seu número 63. Em 1909, entretanto, o jovem intelectual Edgar Leuenroth assume
a liderança e o jornal volta a ser editado e a circular como semanário, que em
1916 atingirá o impressionante número de 293 edições.
“A Lanterna” retrata de forma humorística e ilustrada a
atuação da Igreja Católica sempre atrelada aos poderes públicos, “um atraso em
nossa vida política, anestesiando as mentes de nossos trabalhadores.” Defendia
que a Igreja tinha que ser mantida ao largo do ensino. “Padre na sua Igreja,
Professor, na escola”! Este era seu lema!
“A Lanterna”, em princípios de 1912, denunciou os crimes
sexuais cometidos pelo padre Faustino Consoni, acusado de assassinar uma
criança recém-chegada ao Orfanato São Cristóvão, após tê-la violentado
sexualmente. O “caso Idalina” como ficou conhecido à época acabou desencadeando
manifestações populares organizadas pelos anarquistas contra a Igreja Católica.
Durante as manifestações Leuenroth foi preso, e posteriormente liberto graças
às ações do escritor e advogado Evaristo de Morais, um dos grandes nomes da
defesa da causa operária nos tribunais da época. O padre Faustino Consoni
jamais foi nem ao menos interrogado pela polícia e, no futuro, exerceria a
função de reitor da Igreja e Colégio de Santo Antônio.
Em 13 de outubro de 1912, “A Lanterna” publicou um número
especial dedicado ao fuzilamento do modernista espanhol Francisco Ferrer,
ocorrido três anos antes. Novo êxito de tiragem, com segunda e terceira edição
de 10.000 jornais. Neste mesmo número, o artista plástico e intelectual,
Oiticica, assume-se como anarquista.
Lima Barreto era colaborador do jornal; sendo um
entusiasta da Revolução Soviética de 1917, sob o pseudônimo de Dr. Bogoloff,
declara a suas esperanças por um mundo melhor.
Em fins de 1917 “A Lanterna” é substituída por um novo
jornal, “A Plebe”, sob a batuta do incansável Edgar Leuenroth, que assumira a
secretaria do “Comitê de Defesa Proletária”.
De todo modo, “A Lanterna” retornaria por mais dois anos a
ser editada, no período de 1933 a 1935, num total de 43 exemplares, sob a
batuta do mesmo Leuenroth. Nesse período o jornal criou tipos que se tornaram
populares e imortais como: “Frei Bisbilhoteiro”, “O Papa Óstia” e “O Lambe
Altar”.
A edição de julho de 1933 tinha por título: “Quando os
povos civilizados limpam suas casas atiram o lixo para o Brasil”. A charge era
uma barcaça cheia de padres, santos, anjinhos barrocos que eufóricos diziam: “O
Brasil! Eis nosso paraíso”! “Aqui tudo vale!”
No bojo da repressão que antecede o Estado Novo, o DEOPS
fichou como responsáveis pelo jornal os subversivos: Edgar Leuenroth, o livre
pensador Garronski e a “professora liberal” Luíza Camargo Branco.
“A PLEBE”.
Fundada pelos mesmos responsáveis de “A Lanterna”, “A
Plebe” foi o jornal anarquista e anticlerical que sobreviveu de 1917 a 1951. Ao
seu conselho editorial juntaram-se dois intelectuais de primeira grandeza:
Felippe Mota e Pedro Mota. Entre seus principais colaboradores ilustres estavam
Astrogildo Pereira, José Oiticica e Lima Barreto.
“A Plebe” foi, por muito tempo, considerado o jornal
independente e libertário mais importante do Estado de São Paulo.
Lançado no contexto da Primeira Guerra Mundial e da
desestabilização dos salários e da vida dos trabalhadores posicionava-se em seu
primeiro número como “um órgão dedicado à luta dos trabalhadores contra a
opressão e a miséria no Brasil”. Seu papel era a defesa dos princípios
anarquistas e a organização dos trabalhadores e sindicatos.
Edgard Leuenroth como liderança das greves de 1917 e
“cabecilha” do jornal, foi novamente preso sob a acusação de comandar o saque
ao Moinho Santista. A polícia invadiu “A Plebe”, e o jornal foi empastelado.
Com a prisão de Leuenroth, o anarquista Florentino de Carvalho manteve a
publicação quase que solitariamente fazendo uso de vários pseudônimos.
O auge de circulação do jornal foi alcançado em 1919,
quando passou a ter periodicidade diária. Era vendido em todas as bancas de
jornais e revistas e, ao assumir assinaturas semestrais e anuais, trouxe uma
enorme inovação jornalística!
Proibido pelo “estado de sítio” de Arthur Bernardes, em
1924, torna a circular em 1927. Na retomada jornalística, estampa a denúncia do
degredo dos operários presos em 1924 em Clevelândia, dos maus tratos recebidos
e dos cinco assassinatos perpetrados sob tortura no cárcere.
Em 1927, Leuenroth
representando “A Plebe”, foi novamente preso ao discursar para uma multidão de
operários em homenagem a Sacco e Vanzetti no Largo da Concórdia.
Em 1932, a promulgação da “Lei Celerada” levou a um novo
fechamento do jornal. Liberado em 1934, posiciona-se já claramente contra
Getúlio Vargas e os representantes do nazi-fascismo no Brasil, “incubadores da
reação, da guerra e da tirania”.
A Plebe ainda organiza encontros e conferências; a cada
exemplar proibido pela polícia, surgia um clandestino que era distribuído por
operários e sindicatos não pelegos. Em janeiro de 1935, organiza no Parque do
Jabaquara um “piquenique cívico”, ao qual acorreram mais de duas mil famílias
com suas crianças.
O jornal foi novamente proibido em 1935, com o “estado de
sítio” promulgado pelo Governo Vargas e somente voltaria às ruas em 1947, com
Egard Leuenroth à cabeça, associado a Liberto Lemes e Lucca Gabriel.
Nesse período volta a inovar em matéria jornalística.
Publica resenhas e análises de livros que auxiliassem no processo de
conscientização política da intelectualidade e formação cultural dos
trabalhadores e abre a entrega dos mesmos por reembolso postal nos Correios.
Suas ilustrações, sempre realizadas por artesãos
operários, constituem um enorme acervo disponível para pesquisas e publicações.
“A estética deve acompanhar a notícia” dizia o imortal
Edgar Leuenroth.
Nota: Notável por
sua boa disposição e jovialidade, sempre organizado, diligente e combativo,
Leurenroth faleceu em 1968, aos 87 anos, após se descobrir portador de câncer
hepático. Antes de falecer, enviou um abraço aos estudantes do mundo, que desde
Paris se sublevavam.
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