"O
golpe que derrubou Evo se inscreve na trajetória de golpes de novo tipo, não
militares, que foram tentados, sem êxito, na Venezuela em 2002, porém
concretizados em 2009 em Honduras, em 2012 no Paraguai, em 2016 no Brasil e
agora na Bolívia", diz o colunista Jeferson Miola
O
golpe na Bolívia atesta que o capitalismo neoliberal não aceita e não tolera a
soberania popular. O golpe confirma que o neoliberalismo é incompatível com a
democracia e com a manifestação da vontade majoritária do povo.
Evo
Morales foi eleito no primeiro turno na eleição de 20 de outubro com uma
vantagem de mais de 640 mil votos em relação ao 2º colocado, Carlos Mesa.
Evo
fez 47,06% dos votos contra 36,52% do opositor – ou seja, 10,54% a mais. De
acordo com a legislação do país, com esse desempenho Evo deveria ser sagrado
vitorioso já no 1º turno da eleição.
Esse
não foi, contudo, o entendimento do uruguaio Luis Almagro, o secretário-geral
da OEA [Organização dos Estados Americanos] e principal executor das ordens
provindas da Casa Branca para desestabilizar a região.
Almagro
foi chanceler de Pepe Mujica [2010/2014]. Sua trajetória merece ser analisada
num capítulo à parte, pois suspeita-se que ele seja agente da CIA desde a época
em que ocupava funções diplomáticas representando o Uruguai no exterior.
O
essencial neste momento, contudo, é entender a atuação decisiva de Almagro para
o desfecho do golpe contra Evo Morales e o povo boliviano.
Evo,
de boa-fé, acreditou que o mercenário Almagro tinha bons propósitos quando
pediu a recontagem dos votos. Em vista disso, Evo ingenuamente aceitou a
recontagem.
Sem
terminar a recontagem dos votos, contudo, no dia 9 de novembro Almagro divulgou
um informe provisório de 13 páginas e em cujas conclusões consta de tudo: desde
insinuações e acusações, até projeções e inferências estatísticas; porém não
consta o essencial, ou seja, nenhum dado numérico específico sobre a
recontagem.
Nada
menos que nenhum número! O relatório do Almagro é uma tremenda fraude,
enfeitada com gráficos e tabelas!
É
importante salientar, também, que Almagro antecipou o trabalho de auditoria da
OEA – ou seja, antecipou a deflagração do golpe – em 4 dias. Originalmente, o
informe final estava prometido para 13/11. Decerto fora antecipado para
sincronizar com os tempos dos preparativos do golpe, uma vez que a conspiração
estava totalmente coordenada.
Apesar
de não ter nenhum dado objetivo para fundamentar o que escreveu, o apressado
informe do Almagro/OEA diz que “a equipe auditora não pode validar os
resultados da presente eleição, por isso recomenda outro processo eleitoral”.
Apesar
da clara evidência de fraude promovida pela OEA de Almagro, Evo ainda assim –
em nova prova de santa ingenuidade – aceitou convocar nova eleição, quando no
máximo deveria aceitar a realização do 2º turno. E, isso, somente na hipótese
de não ter alcançado o que determina a Lei do país, o que não foi o caso.
Depois
de Evo outra vez ingenuamente ceder a Almagro e anunciar a decisão de convocar
nova eleição, os golpistas tiraram proveito dos sinais de fraqueza e dobraram a
aposta. Passaram, então, a exigir a renúncia de Evo.
A
consequência, a essas alturas, era inevitável.
Interessante
assinalar que o pedido de renúncia de Evo não estava assentado na Constituição
ou nas Leis da Bolívia, mas nas ameaças sanguinárias contra indígenas,
partidários e simpatizantes do MAS [Movimento ao Socialismo, o partido de Evo]
e contra familiares e amigos de Evo.
Neste
espetáculo medieval promovido pela oligarquia ensandecida e odiosa, não
faltaram sequestro e agressão a pessoas e invasão, saqueio e incêndio de casas.
Aquela
cena dantesca de violência contra a prefeita de Visto, Patrícia Arce [aqui], é
apenas um aperitivo da barbárie a que está disposta esta oligarquia branca,
racista e fascista.
A
derrubada do governo plurinacional de Evo Morales foi motivada por 2 objetivos
econômicos principais: [1] re-desnacionalizar e re-privatizar a cadeia de
hidrocarbonetos e [2] re-desnacionalizar e re-privatizar a extração, o comércio
e o uso da maior reserva de lítio do mundo.
O
lítio, conhecido como “ouro branco”, é um elemento químico demandado pelas
indústrias farmacêutica, energética e química do mundo moderno.
É
empregado desde o fabrico de remédios para depressão, até na produção de
baterias para celulares e dispositivos eletrônicos. O lítio é componente
indispensável das tecnologias mais avançadas; portanto, fonte de muito dinheiro
e poder.
O
golpe que derrubou Evo se inscreve na trajetória de golpes de novo tipo, não
militares, que foram tentados, sem êxito, na Venezuela em 2002, porém
concretizados em 2009 em Honduras, em 2012 no Paraguai, em 2016 no Brasil e
agora na Bolívia.
Este
golpe para roubar as riquezas da Bolívia foi concebido nos EUA, coordenado no
campo de batalha pela OEA sob Almagro e apoiado materialmente e politicamente
pelos governos satélites de Washington, como do Bolsonaro, no Brasil; do Ivan
Duque, na Colômbia e do Sebastián Piñera, no Chile.
O
capitalismo não aceita a democracia e a soberania popular. Acreditar no
compromisso das oligarquias dominantes com a democracia é tão pueril como
acreditar no Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa.
ET:
a denúncia da Revista Fórum de que “‘Homem de confiança de Jair Bolsonaro’ é
citado em áudio de opositores que tentam golpe contra Evo na Bolívia” deve ser
apurada pelo Congresso Nacional. A intromissão em assuntos estrangeiros fere
princípio da Constituição brasileira.

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