Umberto
Eco surpreende-nos ao dizer que aspectos fascistas podem ser encontrados desde
a Grécia Antiga. Que no decorrer da História da humanidade, quer sob a forma
imperialista ou nacional, trajando roupagem militar ou civil, o fascismo nos
ronda permanentemente. Também conclama ser nosso dever, enquanto homens livres,
de desmascarar o fascismo e apontar sempre o dedo em riste para cada uma de
suas formas, em qualquer lugar onde apelos fascistas surjam à luz do dia. E,
nesse sentido, a liberdade e liberação transformam-se em tarefas diuturnas, das
quais não poderemos descurar sob a pena do avanço da barbárie.
Eco
avança na análise dos diversos formatos e manifestações fascistas que, de tão
antigas, criaram seus próprios arquétipos, impregnando-se nas mais diferentes
estruturas sociais. Lista-nos quatorze arquétipos fascistas:
1.
O culto da tradição como uma das bases do fascismo: O tradicionalismo, ainda
mais velho que o fascismo, possui como paradigma que todas as mensagens
originais contêm pelo menos um germe de sabedoria, um quê de alguma “verdade”
dita primitiva. Com isso ele visa claramente estabelecer uma impossibilidade
para avanços no saber! A verdade já foi anunciada de uma vez por todas e
somente nos restaria continuar a interpretar sua obscura mensagem.
De
todo modo, ao cultuar a tradição o fascismo o realiza de uma maneira
sincrética. Apanha conceitos de doutrinas e ideologias diferentes,
municiando-se da artificialidade dessa reunião de doutrinas mesmo que
teoricamente incongruentes entre si. Logo, é inerente ao fascismo tolerar
contradições que são intrínsecas a cada momento histórico em que ele se
apresenta.
2.
O tradicionalismo como recusa da modernidade: Se por um lado os fascistas
adoram a tecnologia, por outro, o seu elogio da modernidade não passa de
coisificação, dado que são adoradores de máquinas, não de ideias. No século XX,
a recusa do modernismo camuflou-se com a condenação do modo de vida capitalista
(Mussolini, na Itália). Acontece que esta condenação era tão somente uma
roupagem, urdida em conjunto com os grandes capitalistas, já que se tratava de
afastar o "fantasma" do comunismo.
O
fascista do século XXI opõe-se até mesmo ao iluminismo e à idade da razão,
vistos como pontos de partida para a "depravação" moderna. Por este
caminho, o arquétipo fascista esteia-se no irracionalismo.
3.
Culto da ação pela ação: Trata-se de um fruto necessário do irracionalismo. A
ação torna-se bela em si e deve ser realizada sem qualquer reflexão. O fascismo
de ontem, de hoje e de sempre odeia “a cultura”, dado ser ela em si uma atitude
de crítica. A suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi e será um
sintoma do fascismo.
4.
O banimento da crítica: Na medida em que o espírito crítico opera distinções e
distinguir é sinal da modernidade, para o fascismo a crítica é sempre lida como
desacordo ou traição, não importa o partido político em que o viés fascista se
manifeste.
5.
A diversidade: Quando o fascismo cresce, ele busca o consenso desfrutando,
exacerbando o natural medo da diferença. Logo, é essência do mesmo a xenofobia,
a piores demonstrações de racismo, a fobia pelos excluídos sociais.
6.
O eterno fascismo provém da frustração individual ou social. Característica dos
fascismos na história tem sido o apelo às classes médias frustradas,
desvalorizadas por crises econômicas, pela humilhação política, pela falta de
representatividade de seus agentes (os políticos), assustadas pela pressão de
grupos sociais inferiores. E essa ampla classe média consisti e consistirá na
maioria do auditório fascista.
7.
Para aqueles que se sentem privados de qualquer identidade social, o fascismo
lhes diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: terem nascido em um
mesmo País. Esta é precisamente a origem do “nacionalismo”. O fascismo carrega
o viés de que os únicos agentes que podem conferir autenticidade ao “nacional”
serão os inimigos da nacionalidade, sejam eles internos ou externos. Daí a
obsessão pelo complô, pelo golpe, pelas invasões de outros países, pelas
guerras.
Para
levar os "nacionalistas" aos extremos, os defensores do fascismo
precisam se sentir sitiados e o modo mais rasteiro e facilmente sentido são
novamente, a xenofobia e o racismo.
8.
Se os adeptos do fascismo sentirem-se humilhados pela riqueza ostensiva ou pela
força do inimigo, a doutrina do "faccio" leva-o a supor que pode
vencê-lo. É por isso que, os regimes fascistas se fortalecem com a visão de que
os inimigos, quer os internos, quer os externos, sejam ao mesmo tempo, fortes e
fracos demais.
9.
Para o eterno fascismo não há luta pela vida, mas, sim, vida pela luta. Logo, o
pacifismo é conluio com o inimigo, a vida uma guerra permanente.
10.
O elitismo é típico de qualquer ideologia reacionária. No curso da história,
todo elitismo aristocrático ou militarista implicou em desprezo pelos fracos. O
fascismo prega um “elitismo tipo popular”. Logo, todos os cidadãos pertencem ao
melhor dos povos, os membros dos partidos, são os melhores cidadãos. E todo
cidadão deve pertencer ao partido do líder.
Embora
o líder fascista saiba que seu poder não foi obtido por delegação mas
conquistado pela pressão, por fraude e pela força, ele sabe igualmente que sua
força se baseia na debilidade das massas populares, tão fracas que têm
necessidade e merecem um dominador.
Por
isso, ao se organizar o fascismo cria estruturas em que um líder despreza seus
subordinados, do mesmo modo em que cada subordinado é desprezado pelo chefe.
Isto reforça o “elitismo de massa.”
11.
Cada membro de uma organização fascista é educado para tornar-se um
"mito", um “herói”, um ser exemplar. No fascismo de sempre, o
heroísmo é norma, na justa medida em que este culto se liga a outro: o da
morte! O fascista espera, impacientemente, sua própria morte e enquanto esta
não chega ele assassina e estimula o
assassinato "banal" de outros mortais.
12.
Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o
fascista deriva a sua vontade de poder para jogos sexuais. Aí estão as origem
do machismo, da intolerância para com os homossexuais, a base de uma “cultura”
de estupro e instrumentalização dos seres imediatamente inferiores ao macho: a
mulher.
13.
O populismo qualitativo: No populismo qualitativo, os indivíduos enquanto
indivíduos não têm direitos e o “povo” é concebido como uma entidade de
personalidade monolítica, que somente expressa uma vontade comum a qual tem em
seu líder o único intérprete.
E
os cidadãos, tendo perdido o poder de delegar não agem mais, sendo chamados
exclusivamente para assumirem o papel de “povo de massa”. O populismo
qualitativo hoje é disseminado pela mídia e pelas redes sociais, locais onde a
resposta e a participação de um grupo selecionado de manipuladores podem ser
apresentadas e aceitas como “a voz do povo”.
O
fascismo, em virtude de seu “populismo qualitativo” opõe-se aos “pútridos
partidos parlamentares”. Por isso, cada vez que um político põe em dúvida a
legitimidade democrática, pode-se sentir nele o cheiro do fascismo.
14.
A utilização de uma linguagem empobrecida: O fascismo fala sempre uma nova
língua, língua onde o léxico é pobre, a sintaxe elementar, tudo é simplificado
e "popular", um excelente instrumento voltado a limitar o surgimento
de qualquer tipo de raciocínio complexo ou crítico.
Antídotos antifascistas:
Listar
alguns antídotos contra o eterno fascismo não é difícil. Torná-los prática
política, educacional, constitutiva de uma sociedade, estas são as questões
cruciais.
Um
desses contravenenos, talvez o mais importante, seria o pensamento crítico, a
reflexão sobre o próprio pensar, a formatação de um pensamento modesto e,
finalmente, a popularização do pensar filosófico, por si só questionador.
Buscar
a razão sempre, dado que o problema da irreflexão é que aqueles que se conduzem
por códigos e regras são os primeiros a aderir e a obedecer, o caso da maior
parte de forças militares, paramilitares e policiais. Aquele que não pensa por
si mesmo possui um eu que não fundou raízes, é um ninguém. São seres humanos
que se recusam a serem pessoas.
No
entender de Jaspers, ser ninguém é pior que ser mau; esse ser ninguém se revela
inadequado para o relacionamento com os outros, porque os bons e os maus são,
no mínimo, pessoas. É isto que faz da banalidade do mal, do fascismo, o pior
dos males: espalha-se rapidamente sem necessidade de qualquer ideologia, ou
apesar de qualquer que seja o viés ideológico.
Finalmente,
resta-nos A REVOLTA. Voltaremos a ela na próxima postagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário