Lei
para coibir abuso de autoridade desperta polêmica no Brasil
Sancionada
pelo presidente Jair Bolsonaro com vetos em 36 dispositivos, contidos em 19
artigos, a Lei de Abuso de Autoridade é um dos temas centrais do debate público
e jurídico das últimas semanas. E a discussão deve perdurar por muito tempo.
A
ConJur ouviu juristas sobre os dispositivos usados em outros países para coibir
que agentes públicos abusem do poder de seus cargos.
Na
Alemanha, a legislação tipifica o crime de “violação ou torsão do Direito”. Ela
proíbe a conduta do magistrado ou membro do Ministério Público que, na condução
ou decisão de uma questão jurídica, “viole ou vergue” o Direito ou as regras
legais. A pena é de um a cinco anos de prisão, com possível perda do cargo.
Em
Portugal, a discussão sobre abuso de autoridade também anda acalorada e a
realidade é parecida com a do Brasil. “Nossa cultura tem um traço muito
peculiar. A maneira como vemos a "autoridade" tem algo de reverencial
que só tem no terceiro, quarto e quinto mundos. Você não vê nos Estados Unidos
ou na Europa carros de polícia sobre calçadas, praças ou esquinas de padarias
onde é proibido estacionar. O curioso não é a autoridade abusar, mas a
naturalidade como que convivemos com esses abusos. Isso condiciona tudo”,
comenta o jurista e o professor catedrático de Direito Constitucional da
Universidade de Lisboa, Carlos Blanco de Morais.
As
penas previstas na legislação sobre abuso de autoridade estão descritas nos
artigos 377 e 382 A do código penal português. As punições variam de multas a
suspensões e podem chegar a até oito anos de prisão.
Nos
Estados Unidos, o código criminal prevê crimes de oficiais públicos federais em
geral. Um item específico trata do crime de “privação de direitos de cidadãos”
e pode ser aplicado também na atuação de magistrados.
As
punições para juízes estaduais variam conforme a legislação de cada estado. Já
os magistrados que atuam no âmbito federal só podem ser demitidos pela via do
impeachment.
A
situação dos procuradores norte-americanos é bem diferente da brasileira. Por
lá, cada procurador é nomeado para um mandato de quatro anos, mas podem ser
dispensados a qualquer momento pelo presidente sem nenhuma comprovação de ato
ilícito.
Conforme
a legislação norte-americana, tanto procuradores quanto juízes são civilmente
imunes, mas podem responder na esfera criminal e na esfera disciplinar.
Outra
particularidade do sistema judicial norte-americano lembrada pelo desembargador
Fábio Prieto, ex-presidente do TRF-3, é o controle cívico. Em muitos estados os
magistrados disputam eleições e têm mandato pré-determinado.
Na
Espanha, o abuso de poder por autoridades públicas é tipificado como
prevaricação e tem penas duras para juízes. Conforme o Código Espanhol, o
magistrado que conscientemente proferir uma sentença injusta pode ser condenado
a pena de um a quatro anos de prisão.
Isso
se a sentença não chegar a ser executado. Em casos em que a sentença injusta
começar a ser cumprida, a punição pode ser a mesma da sentença errônea e multa.
O juiz que cometer esse tipo de crime ainda perde o cargo e fica inelegível a
cargo público por um período de 10 a 20 anos.
Na
França, o código penal é bastante rigoroso com autoridades públicas que cometem
abuso de poder. Os crimes estão descritos dos artigos 432-4 ao 432-9 e abarcam
práticas como prolongamento indevido de prisão, atos que atentem contra a
inviolabilidade de domicílio e até quebra de sigilo de correspondência.
A
legislação também é dura com agentes públicos que abusam do seu poder na
Argentina. Esse tipo de crime está no capítulo “Abuso de Autoridade e violação
de deveres de funcionários públicos” no código penal. Por lá, servidor que
adota resoluções ou dá ordens contrárias às leis nacionais e estaduais pode ser
condenado a até dois anos de prisão e ficará inabilitado do serviço público
pelo dobro de tempo de sua pena.
Um
magistrado que vender sentenças, por exemplo, pode pegar de 4 a 12 anos de
prisão e ficar inabilitado permanentemente para o serviço público. O código
penal ainda lista punições para autoridades públicas dos três poderes e
militares.
Já
na Itália, o artigo 97 da Constituição que trata da obrigação da administração
pública em tratar todos da mesma forma pode ser uma referência para o crime de
abuso de poder. “O art. 323 do código penal trata da forma mais geral de abuso
que leva vantagem patrimonial ao funcionário público. O crime é aumentado nos
casos nos quais a vantagem ou o dano tem caractere de relevante gravidade”,
comenta o jurista italiano Andrea Marighetto.
Ele
ainda cita o artigo 3o do novo Código de Comportamento dos Funcionários
Públicos de 2013 que, entre outras coisas, define que o funcionário público
deve respeitar “os princípios de integridade, correção, boa-fé,
proporcionalidade, objetividade, justiça e razoabilidade”.
Já
as normas de conduta dos advogados, magistrados e professores é regulamentada
separadamente pelos códigos de conduta de cada profissão. “Apesar de não ter
uma lei específica e geral que regulamente todos os tipos de abusos e excessos
do poder público, o sistema italiano no seu todo se propõe de vigiar e punir
abuso de poder por parte dos funcionários públicos”, explica.
Rafa Santos é
repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor
Jurídico
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