Um cenário humano de extrema vulnerabilidade infantil não
pode ser desconsiderado pelo juiz na aplicação do Direto ao caso concreto.
Nesse contexto, o juiz Guilherme Maines Caon, da 2ª Vara Federal de Carazinho
(RS), concedeu o auxílio-doença parental para uma mãe poder cuidar de sua
filha. A sentença, publicada no dia 17/7, determinou a implantação do benefício
no prazo de 20 dias.
A mãe de uma menina de quatro anos ingressou com a ação
contra o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) narrando que sua filha tem
Tumor de Wilms, uma neoplasia maligna do rim. Segundo a petição, a doença é de
alto risco, com previsão de terapia de, pelo menos, sete meses e foi iniciada
em fevereiro deste ano.
De acordo com a mãe, a garota passa dias internada e a
família não tem parentes em Carazinho. Os tratamentos oncológico e terapêutico
da criança são realizados no município gaúcho de Passo Fundo, o que impõe
necessidade de deslocamento constante.
Em sua defesa, o INSS sustentou que o benefício pleiteado
pela autora não está previsto na legislação previdenciária, já que nesta
somente há auxílio-doença no caso de incapacidade do segurado. Dessa forma, não
cabe ao Judiciário modificar o sentido ou alcance da norma legal disciplinadora
da matéria, pois não lhe é dada a função de ‘‘legislador positivo’’.
Caso grave e complexo
Ao analisar os autos, o juiz federal Guilherme Maines Caon
pontuou que se trata de um caso de difícil resolução em que se vislumbra uma
delicada situação. "Se, de um lado, a inexistência de previsão legal
específica, em um primeiro momento, pode direcionar a solução para o
indeferimento do pleito, [de outro] o fato de se tratar de uma criança em
situação de grave doença sugere a incidência dos princípios humanitários de
nosso ordenamento jurídico, de modo a se possibilitar a concessão do
benefício", ponderou.
O magistrado revisou os princípios constitucionais e
direitos fundamentais, como direito à vida e ao trabalho, princípios da
igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proteção à família, à maternidade
e à criança. Segundo ele, a legislação infraconstitucional também estipulou
deveres semelhantes relativamente à proteção da criança, de modo a concluir que
ela deve, em qualquer situação, ter proteção integral.
Caon pontuou, ainda, que a lei que rege os servidores
públicos federais prevê licença por motivo de doença em pessoa da família.
Mesmo que o regime previdenciário dos servidores seja distinto do regime geral,
para o juiz, "diante de uma situação concreta como a apresentada, uma
grave contingência de saúde de uma criança, não há diferença entre a
necessidade de assistência por parte de uma mãe servidora pública e de uma mãe
trabalhadora da iniciativa privada".
Projeto de lei
Nos fundamentos da sentença, ele apontou a existência de
um projeto de lei objetivando incluir a doença em pessoa da família no rol dos
riscos sociais cobertos pela Previdência, já aprovado no Senado Federal.
"Por certo que se trata de simples projeto de lei sem nenhuma eficácia
normativa, mas reflete um evidente anseio social, que pode ser levado em
consideração quando da aplicação de conceitos jurídicos abstratos pelo
juiz", afirmou.
O magistrado concluiu que se trata de definir o modo de
aplicação do Direito em um caso crítico e complexo. "Há, por evidente,
parâmetros orçamentários e relativos ao financiamento da seguridade social e à
vedação de criação de benefícios sem a correspondente fonte de custeio.
Entretanto, há uma situação fática da vida real, em que uma trabalhadora
encontra-se na contingência de deixar seu emprego para atender à necessidade de
saúde de sua filha de 04 anos, que passa por doença grave e com risco de
morte", sublinhou.
Segundo ele, o momento da vida de uma família em que ela
precisa de apoio é quando os filhos estão sob risco de morte. “É exatamente
este o sentido do princípio da proteção integral da criança e onde aparece,
talvez de modo mais evidente, a necessidade de amparo social”, afirmou.
"Assim, no caso concreto, a barreira financeira há de
ser superada – mesmo porque o impacto financeiro do benefício por si é baixo –
e a ausência de previsão legal como fator impeditivo igualmente deve ceder
frente ao quadro que se desenha, a fim de se resguardar a vida e a dignidade
humana. Entendo, portanto, juridicamente possível a concessão do benefício de
auxílio-doença à autora, no caso concreto, seja pela aplicação direta dos
citados princípios jurídicos, seja pela aplicação por analogia, mutatis
mutandis, do direito à licença por motivo de doença em pessoa da família,
previsto no art. 83 da Lei 8.112/90", concluiu.
Ao julgar procedente o pedido, Caon determinou ao INSS que
conceda o benefício de auxílio-doença requerido pelo período de 12 meses, a
contar do dia 12/2/19, devendo pagar as parcelas vencidas. Ficou determinada a
possibilidade de pedido de prorrogação do benefício, ficando vedada a negativa
sob o argumento de inexistência de previsão legal. O tribunal não divulgou o
número do processo.
Com informações da
Assessoria de Imprensa da Justiça Federal do RS
Revista Consultor Jurídico

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